Coletânea mergulha no clima lo-fi, apropriado para tempos de isolamento

Reportagens

08 sons potiguares estreando na quarentena e tem um pouco de tudo

Driblando o isolamento social, artistas potiguares tiraram música viva de suas gavetas e HDs recentes e remotos

04 de julho de 2020

Por Alexandre Alves | Nave Música

A indústria musical teve suas primeiras baixas sérias na década de 1990, quando as mídias digitais transformaram a música – que antes vinha no produto chamado disco (LP, CD) – em arquivos virtuais, para serem guardados na memória do computador, como assim ocorreu com o MP3 (que apesar das críticas sobre sua baixa qualidade, continua por aí espalhado pelo mundo).

No Rio Grande do Norte, a grande indústria musical nunca existiu para o produto em disco, alavancando seu capital através da apresentação ao vivo, hoje completamente parada e sem data de retorno em tempos viróticos. As transmissões ao vivo – a popular “live” (do inglês “ao vivo”) – são apenas um acessório a mais para aqueles poucos que ainda vendem muito.

Enquanto isso, os independentes – o termo se popularizou a partir das pequenas gravadoras britânicas do período pós-punk (leia-se começo de 1980) – nunca deixaram de produzir, mesmo na crise. Hoje, driblando a quarentena em suas prisões domiciliares, seguem 08 artistas potiguares que tiraram música viva de suas gavetas e HDs recentes ou remotos. São singles, projetos, coletâneas, discos que saíram depois de anos ou décadas, ou novidades saindo do forno dos estúdios caseiros. Navegue na música.

1. MAD GRINDER – “Golpe” (Single virtual)
O trio mossoroense, famoso por seu grunge rock, lançou esta canção que andava perdida no estúdio do Dosol desde 2015. A faixa “Golpe” é a primeira composição da banda cantada em português e vem com clara crítica social, mantendo a sonzeira pesada-mas-não-muito do grupo. A composição faz parte do novo álbum do trio, que por motivos óbvios teve seu lançamento adiado para dezembro. Escute sem algodão nos ouvidos.
LINK: https://www.youtube.com/watch?v=xJGxKchGpdg

2. OUEN – “Amanhã vai dar” (Clipe)
Nova canção do novo projeto musical de Rodrigo Takeya (ex-guitarrista do Planant). Nela, a sonoridade hi-fi de sintetizadores se mistura com o lo-fi das vozes desleixadas de timbragem indie, cruzando influências do Stereolab, Stevie Wonder safra 1970 e os alagoanos do Mopho. Em clara língua pátria, o recado atual se mistura com um ideal esperançoso sem ser piegas: “Vagando no espaço sideral / tô aqui nesse novo normal / [...] / Hoje não, mas amanhã acho que vai dar”. Para tocar nas rádios se elas tivessem vergonha na cara. Como elas não tem, assista ao clipe dirigido por Pedro Fiuza.
https://www.youtube.com/watch?v=tMWZhkDwYjE

3. VALVULOSA – “DESENCAIXADA” (EP)
O quinteto da nova geração do rock potiguar manda ver no seu punk tropical com o frescor juvenil da voz da também poetisa Gabrielle Dal Mollin. Mesclando guitarras barulhentas, senso pop nos refrões e letras incisivas, como “Carnaval no abismo” (depois finjo que não sou/um carnaval nesse abismo/que eu chamo de amor), tudo aqui vem na urgência dos dois a três minutos como manda a trilha sonora destes dias insanos de pandemia. Emoção a toda prova para ouvir as 05 faixas no volume 10. E ainda tem os anarcopunks potiguares do Discarga Violenta – que achado! – sampleados em “Deus cansado”.
https://valvulosa.bandcamp.com/

4. SODOMA – “PRISIONEIROS DO ABSURDO” (CD duplo)
Uma das primeiras bandas de heavy metal no RN só agora se torna acessível ao ouvinte dos anos 2000. Lançada em formato de fita K7 em 1986, as faixas originais do quinteto natalense comparecem ao lado de faixas bônus neste CD duplo com direito a livreto com 24 páginas (!), compilando além das canções gravadas em estúdio com faixas de apresentações ao vivo e raridades tocadas em ensaio. Para quem gosta de metal tradicional cantado em português, não deixe de passar em branco esta raro clássico do rock potiguar. Para divulgar o disco, um dos integrantes da banda, Paulão Vianna, montou o projeto Sodoma Revisited e lançou videoclipe com regravação de canções que estavam na fita original, como a estridente “Fisgada letal”. Dedos para cima e som na caixa!
https://www.youtube.com/watch?v=6C1szhcp1GI

5. NIGHTBIRD RECORDS – “CANÇÕES DE ISOLAMENTO” (Coletânea virtual)
O selo potiguar lança uma coletânea virtual de clima lo-fi com 11 bandas distribuindo 13 canções. Predominam a sonoridade folk e o indie contemporâneo, mas tem até espaço para o metal moderno (Devilink, com a faixa “In the dark”). O destaque fica para a dramática voz de sereia de Lizia (a charmosa “Mother Earth”) e o soft rock do Vulgo Montreaux (“Eu não vou chorar aqui”), enquanto o new indie do Luan Bates que aqui comparece com seu alt-folk à la Elliot Smith (“For Louise”, “On your mirror”). Os decanos pauferrenses do Boats abandonaram o post punk de vez e apostam agora numa linhagem mais Plutão Já Foi Planeta. Procure aí na sua plataforma predileta.

6. SON OF A WITCH, “Commanded by cosmic forces” (LP Vinil)
A novidade é que o álbum lançado em CD no segundo semestre de 2019 renasce agora na sonoridade do vinil (e colorido!), lançado pelo selo alemão Kosmik Artifactz. As seis longas faixas – a mais curtinha passa dos seis minutos (fora a “Intro”)! – carregam a marca do quinteto natalense, mandando ver um misto de stoner com hard rock, com passagens psicodélicas à la Monster Magnet e quetais, com aquela sombra arrastada do Black Sabbath. Para ouvidos já treinados no classic rock para cima e dispostos a estourar alto-falantes.
https://sonofawitch666.bandcamp.com/album/commanded-by-cosmic-forces

7. DIMETRIUS – “FADO” (Single virtual)
Lançada numa coletânea virtual em tributo aos indie rockers sergipanos do Snooze, no meio das 15 bandas – algumas renomadas como os paulistas do Wry e os Renegades of Punk –, o santa-cruzense Dimetrius Ferreira (ex-Bugs, ex-Deadfunnydays e ex-Mahmed) estreia em carreira solo fazendo uma versão para “Fado”, mantendo o climão intimista da versão original, mas agregando aqui uma sonoridade meio lo-fi meio downtempo. Trilha sonora de qualquer dia desta pandemia, o jovem andou fazendo gigs intimistas em São Paulo, Belo Horizonte e Natal na esteira “ambient lounge” de ser.

https://open.spotify.com/track/0IKU3t6psMl2yLCNIHLRls

https://snoozingallthistime.bandcamp.com/releases

8. ESPRIT ANIMALE (Single virtual)
Gravado quase uma década atrás, só agora enfurnado em sua residência atual nos EUA, Brunno Oliveira, ex-vocalista dos Deadfunnydays (banda da safra 2000, hardcore com pé no freio), arrumou tempo de mixar e tirar dos seus HDs as três canções aqui propostas. As composições giram na herança punk de grupos como Hüsker Dü, mas parecem mesmo canções mesclando a barulheira do Febre (sua banda mais recente) com as melodias dos Deadfunnydays. Como o próprio artista relata no site do Bandcamp, “essas músicas carregam certo grau de nostalgia sobre uma vida na década passada”, tempos sem pandemia e sem a agonia político-econômica de hoje.

https://espritanimale.bandcamp.com/releases