Mosaicista e assistentes preparam as peças que serão montadas nos espelhos das escadarias

Reportagens

A arte e o ofício dos mosaicos coletivos da escadaria de Mãe Luíza

Em seus ateliês, mosaicistas criam peças representativas da cultura local para compor os 133 espelhos da escadaria de Areia Preta

26 de abril de 2021

Por Cinthia Lopes * | Reproduzido da Tribuna do Norte

No estilhaço da cerâmica nasce a matéria-prima do mosaico. O ofício de decorar com fragmentos é antigo e remonta a Grécia antiga, mas com Antoni Gaudí e suas construções imponentes e multicoloridas, a técnica adentrou o campo da arquitetura. Candido Portinari e Burle Marx por aqui experimentaram as pastilhas em murais que estão até hoje nas grandes cidades. Em Natal, os artistas Dorian Gray Caldas e Newton Navarro já produziram juntos um desenho aplicado em mosaico, que até hoje resiste na fachada do antigo prédio da Agência da Previdência Social, na Ribeira, recentemente vistoriado pela Prefeitura.

Seja na arte ou na decoração, o efeito criado pelo mosaico encanta o olhar. A escadaria mais colorida do Rio de Janeiro foi construída por centenas de pedaços de azulejos, pelo artista plástico Jorge Selarón. Enquanto ele vendia suas pinturas na rua, renovava os degraus de um dos acessos da Lapa. Sua dedicação transformou o lugar em importante ponto turístico do bairro de Santa Tereza. Assim foi batizada a Escadaria Selarón.

No processo de intervenção urbana que a prefeitura de Natal vem realizando na Escadaria de Mãe Luíza, a estrutura provocou uma identificação natural com a obra carioca. Segundo o Secretário Municipal de Cultura Dácio Galvão, a Selarón surgiu como inspiração, por ser um ambiente propagador de arte. “Mãe Luíza possui intensa movimentação de pessoas da comunidade, moradores de Areia Preta e turistas. Começamos lá um trabalho importante de grafite, onde inserimos figuras da própria comunidade nesses murais como Blackout, agora vamos somar com o mosaico”, ressalta o gestor.

Escadas coloridas

A obra em mosaico abrange a cobertura de 133 espelhos, formando os 140 metros de altura. Além deles, serão feitos pequenos detalhes nos arcos internos com referências ao sol e mar. O trabalho é realizado de forma integrada entre as Secretarias de Cultura (Secult-Funcarte), Secretaria Municipal de Obras Públicas (Semov), Serviços Urbanos (Semsur) e Mobilidade Urbana (STTU).

Para a criação da obra foram convocados cinco mosaicistas profissionais em seleção pública realizada em 2020: Gildeci Pereira, Liana Diógenes, João Batista de Lima, Wendell Batista e Rosângela Rocha. Também foram selecionados dez assistentes, dois trabalhando com cada mosaicista. Os mosaicos estão sendo preparados nos ateliês. A previsão é de pelo menos três meses para conclusão e mais 15 dias para aplicação do mosaico na escadaria.

Os técnicos do mosaico utilizam cerâmicas industriais na criação dos desenhos. Os azulejos são cortados com riscadeiras e ajustados com torqueses, que são os alicates específicos para a arte do mosaico. O desenho foi feito em conjunto, entre os artistas com pontuações do núcleo de artes integradas da Secult-Funcarte. “É um trabalho que vai mostrar a iconografia local numa  perspectiva de arte naif”, pontua Dácio Galvão. O desenho traz Mãe Luíza, a matriarca e parteira do morro, a flor xanana, o cajueiro de Pirangi, coqueiros, crianças, Jenipabu, os Reis Magos, as dunas, o poeta Blackout, casarios e outros símbolos cultura local.

 

Encanto do mosaico nasce do craquelar a cerâmica ao criar o desenho com tons harmônicos e efeitos visuais

Segundo Dácio Galvão, os acabamentos dos degraus também terão uma atenção redobrada no sentido de minimizar o desgaste, observando a angulação de 45 graus do degrau para não destruir o ladrilho com o fluxo de pessoas. “Será um trabalho técnico cuidadoso envolvendo arquitetos e engenheiros”, destacou.

Gaudí

A mosaicista Liana Diógenes Paiva conta que cada artista ficou com uma quinta parte da escadaria e aplicará suas técnicas musivas no desenho já realizado. Liane é autodidata e aprendeu a arte do mosaico lendo livros, fazendo observações e pesquisando. Ela é adepta do estilo livre conhecido como trencadís de Gaudí, no qual as tesselas são cortadas em tamanhos e formas desiguais, formando um quebra-cabeça com as peças bem encaixadas. O que mais atrai na arte musiva, além da beleza e durabilidade, é o desafio do processo de “desconstruir para reconstruir”.

     

Desenhos marinhos na técnica trencadís, da mosaicista Liana.  E as xananas montadas no ateliê de João Batista.     

Natureza

De tanto ver painéis em mosaico pelas ruas da cidade de João Pessoa, onde morou por alguns anos, o químico natalense João Batista de Lima foi tomado pela curiosidade e decidiu aprender a técnica. Primeiro a esposa fez o curso, repassou as técnicas para ele e depois ele mesmo foi em busca de livros. Hoje é um mestre na criação de mosaicos. Dentre os estilos de fragmentos que prefere estão o opus tessellatum (termo em latim) em forma de quadrado ou retângulo, e o opus vermiculatum, fragmentos mínimos com precisão mais descritiva.

Sobre a criação do mural para a escadaria de Mãe Luíza, Batista destaca a iconografia do desenho que para ele é abrangente e a busca pela harmonia das cores para chegar ao efeito final que agrade aos olhos. “Trabalhamos com os tons da natureza, com o que foi possível fazer a partir das cores que nós temos no mercado das cerâmicas industriais”, explicou.  Sobre a paixão pelos mosaicos, ele diz que o encanto nasce pela “formação da imagem a partir dos fragmentos”.

Escadaria

A Escadaria de Mãe Luíza fica em frente à praia de Areia Preta, enseada próxima das falésias da Via Costeira, zona Leste.  Em 2020 teve início o processo de repaginação artística, quando 20 artistas do grafite selecionados em chamada pública, criaram um mural nas áreas laterais. Outras ações estão previstas para o local, em parceria com a Secretaria de Turismo.

*Colaboração para o Viver