Virgínia escolheu sempre reverberar seus atos para ser ouvida, fazer parte, para mudar a história

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A carta astral: os ares libertários de Virginia Woolf

Aquariana de vida disruptiva, fez parte do movimento sufragista, era militante da educação formal para mulheres, feminista e  antifacista

18 de fevereiro de 2022

Jana Maia

Há quem acredite na influência do sistema solar, na influência dos signos, há também quem acredite que tudo não passa de uma bobagem, mas uma coisa é certa, a polêmica é garantida e de tempos em tempos é ressuscitada em nossa sociedade. 

Primeiramente quero que você tome uma dose de bom humor, sente-se num local confortável e abra sua mente para que possamos presumir que o impacto dos astros sobre nossas vidas, relacionamentos, personalidades, modus operandi seja um fato, e que só assim possamos abrir margem para ponderar sobre esse impacto na escrita. 

A pergunta é: como haveríamos de pensar a influência da conjunção astral de um determinado autor ou autora, em suas ideias?

Para abrir alas dessa nova série de textos astrais, já que é fevereiro, vamos pincelar brevemente sobre a brilhante Virginia Woolf. Nascida em 25 de janeiro de 1882, a escritora era também ensaísta, editora, crítica literária, bem como uma mulher que sempre posicionou-se ativamente contra as tradições, fossem literárias, políticas e/ou sociais. Woolf levou uma vida que muitos consideraram disruptiva, fez parte do movimento sufragista, era militante da educação formal para mulheres (direito que lhe foi negado), feminista e manifestante antifascista durante a Segunda Guerra Mundial. Fazendo um paralelo com nosso objeto de comparação, podemos afirmar que segundo o estudo dos astros, Aquário é o signo para os nascidos entre 20 de janeiro e 18 de fevereiro, representado pelo elemento Ar, portanto a escritora é considerada, segundo as influências astrais, uma aquariana. 

Para brincar um pouco com o tema e analisar a influência astral na escrita da autora, escolhi falar brevemente sobre duas obras suas lidas por mim: o ensaio ‘Um quarto só seu’ e o livro que reúne alguns de seus importantes artigos ‘Profissões para mulheres e outros artigos feministas’. 

No primeiro ensaio citado acima, a escritora empenha-se em argumentar sobre a importância das mulheres precisarem ter dinheiro e um quarto/espaço só seu para dedicar-se à escrita efetivamente. Virginia argumenta não somente contra o patriarcado como também contra o sistema econômico,  com base no contexto de sua época e localidade. Ela fala sobre a necessidade de desfrutar de qualidade de vida e boa alimentação para exercer o ato de “pensar, amar e dormir”, que são necessidades básicas. 

Nesse ensaio, Woolf menciona também a luta das feministas para estabelecer um lugar oficial para as mulheres acadêmicas pesquisarem, coisa que há muitos anos era direito comum dos homens, uma Universidade. E não poucas vezes indigna-se com o papel destinado às mulheres na sociedade, que acaba por prejudicar não só elas como também as que vêm no futuro, não só socialmente como financeiramente, cabendo aos maridos e homens em seus entornos decidir sobre ganhos, gastos e aplicações. Sendo assim, ela aponta como tudo isso obviamente prejudicou os investimentos com foco nas próprias mulheres, resultando até mesmo na ocupação de cargos, em sua maioria, pelos próprios homens, muitos sem grandes qualificações que não fossem somente “não serem mulheres”, de maneira que o investimento e a economia giravam em torno do mesmo núcleo. 

Tamanha era a moral e oportunidade dadas a esses homens, que lhes conferia amplitude até mesmo para tecer comentários acerca da vida das mulheres e de coisas que não compreendiam. Virgínia não poupa argumentos sobre essa imposição do patriarcado que impacta a autoconfiança das mulheres para que elas sirvam apenas na função de espelho de aumento para um homem não tão talentoso sentir-se mais poderoso do que realmente é. 

Em seus textos, a autora também fala sobre a diferença entre trabalhar com o que deseja e trabalhar por necessidade. O trabalho mantido apenas pela necessidade das coisas básicas, como a maioria das mulheres desempenharam ao longo dos anos, acaba por destruir a capacidade criativa, que é ocupada pelos anseios de trabalhar apenas para manter necessidades, como beber, comer e morar. Ela deixa claro que não é na labuta que temos uma seara farta de genialidades a ser descoberta, e sim na possibilidade de dedicar-se à prática, ao estudo. Nesse sentido os homens estiveram também em vantagem, com suas rendas, estudos e decisões próprias, quando às mulheres foi reservado o trabalho, o labor e dedicação à casa, e que não é por falta de haver mulheres capazes mas por oportunidade de ocupar seus dias com observações e não apenas com o braçal. Já o privilégio de uma renda fixa, deixaria essas mulheres livres para produzir de acordo com seus interesses, criatividade e intelecto, possibilitando-a renovar o temperamento tão desgastado pelo ódio e amargura que as acomete acerca do seus destinos cunhados por uma sociedade patriarcal. Pois a liberdade intelectual depende de coisas materiais, e muito. 

Virginia Woolf também foca em imaginar um futuro no qual as mulheres sejam livres, ocupando espaços que no momento da sua escrita lhe eram negados, e muitos que são negados até hoje. Numa volta ao passado, a séculos anteriores ao dela, ela analisa a história das mulheres na produção literária e revolta-se com a ausência de nomes para sustentar a literatura feminina. Muitas dessas mulheres, foram certamente sufocadas ao tentar dar voz aos seus talentos. A escritora ao longo do texto elucida-nos com exemplos de homens como Shakespeare e suas atitudes para atingir o ápice do seu trabalho, comparando-o com mulheres, mostrando que as mesmas atitudes tomadas pelo poeta em busca do reconhecimento não seriam certamente aceitas na sociedade caso fossem praticadas por mulheres. 

Virginia deixa claro que o próprio fazer literário não é almejado pela sociedade, não se trata de um “serviço” e acaba não sendo respeitado devidamente, sendo homem ou mulher, entretanto certamente o escárnio é maior para mulheres que almejam esse fazer, pois suas palavras não só não são pedidas, como também ridicularizadas. Portanto, as interrupções do dia a dia certamente acontecerão a todo momento nessa profissão, e para isso, um lugar só seu é de extrema importância para atingir a máxima dedicação possível. 

Ela deixa claro que aos poucos, ao longo da história, mulheres que se arriscaram, sofreram e perseveraram, abriram portas para outras mulheres entenderem que podiam e deveriam ganhar dinheiro com sua escrita, escrevendo personagens femininas sob a ótica das próprias mulheres, exacerbando a força criativa que lhes foi tolhida por muitos anos, por vezes excedendo-se no papel, mas com muito trabalho, aprimorando-se. 

Já no segundo ensaio mencionado, Virginia Woolf fala sobre a importância das mulheres terem opiniões próprias para progredir na escrita e nos seus trabalhos, afinal é exatamente o oposto do que nos foi esperado por muitos anos na qualidade do que ela chama de “Anjo do Lar”. É crucial que possamos ocupar nosso lugar nos expressando em todas as artes e profissões, e que ao sentar para escrever, as mulheres rompam com o convencionalismo imposto pelos homens, com os “fantasmas”, mas que certamente levará muito tempo até que essa liberdade seja completamente sentida. É imprescindível a liberdade de divergir dos homens, expressar suas diferenças sem rodeios e que exista um núcleo para que essa criação aconteça sem precisar recear a todo momento o ridículo ou a condescendência.

Pode-se dizer, com toda essa análise, que Virginia Woolf nunca fugiu ao debate, e que sua voz sempre esteve voltada ao que ela compreende como luta por igualdade. A autora nunca teve medo de pensar à frente, elevar sua voz num tempo complexo e repressor. Aquário é conhecido por ser voltado para o campo intelectual um eterno buscador de conhecimentos, militantes da liberdade em variados âmbitos da vida. Além de fortemente conectados ao desejo de mudança, os aquarianos não hesitam em se “rebelar”, agindo de maneira que alguns possam considerar excêntrica. Pode-se dizer que esse é um signo com a antena ligada numa frequência diferente, interessado por tudo que envolve avanços, sejam eles sociais e/ou tecnológicos, bem como assuntos de teor humanitário, poético e análises de um futuro possível. Levando-se em consideração, claro, que segundo a astrologia, não somente o Sol é responsável por quem somos, como também somos constituídos por outros planetas influentes em outras áreas da vida, sendo o sol que determina nossa maior influência.

Sabemos que os personagens são construídos com a intenção de imbuí-los de vida própria e que naturalmente o trabalho de uma autora (ou autor) não deve apenas ser reduzido a influências não comprovadas, mas certamente ideias e temáticas de interesse não deixam de acessar a construção de quem o escreveu. Portanto, o objeto de escrita / estudo / trabalho está enviesado às conjecturas de mundo físico / astral / psicológico / psíquico / emocional do seu autor ou sua autora. Resguardadas nossas observações de relevância, por que não brincar com o objeto de comparação e abrir nossas mentes a pensar: terá o signo influenciado a obra? 

O fato é que não sabemos e talvez nunca saberemos, e nem precisamos saber ou acreditar, o mais importante é que tendo os astros construído ou não essa voz, Virgínia escolheu sempre reverberar seus atos para ser ouvida, para fazer parte, para mudar a história. Mais importante que sabermos quem somos e de que fragmentos, solares ou não, somos construídos, é escolhermos não fugir nunca à luta.