Mister Sam, o criador de Gretchen e Dominó; pioneiro dos covers Os Carbonos e Genghis Khan

Colunas

A história secreta do pop brasileiro

Toques sobre a série do jornalista André Barcinski, que destrincha o mercado da música com seus clones, falsos gringos, talento e malandragem

03 de julho de 2022

Costa Junior*

Vale a pena assistir à série documental da Amazon Prime “A História Secreta do Pop Brasileiro”, do jornalista André Barcinski, baseada no seu livro “Pavões Misteriosos”, que conta os bastidores da música brasileira no período de 1974 a 1983. Ao longo de oitos episódios, o programa mostra fatos surpreendentes e curiosos através de imagens de arquivos e narrativas dos artistas. O primeiro capítulo, chamado de “Clones”, revela a história de alguns artistas brasileiros que foram criados para serem lançados como cópias de cantores estrangeiros. 

Uma delas é Dee D. Jackson, cópia da cantora nascida no Reino Unido com o mesmo nome. Outro é o Brazilian Genghis Khan, que surgiu em 1979. O grupo era a versão brasileira do conjunto alemão Genghis Khan. Outro que fazia sucesso imitando era Prini Lorez, plágio do cantor norte-americano de ascendência mexicana, Trini Lopez. 

Já no segundo episódio, a série destaca “Os Falsos Gringos” – brasileiros que se passavam por cantores estrangeiros. Como as gravadoras nacionais não tinham catálogo internacional para lançar, contratavam artistas brasileiros para compor e cantar em inglês. A maioria deles participava de bandas que se apresentavam em clubes de São Paulo cantando sucessos internacionais. Uma curiosidade interessante: quando chamados para fazer músicas estrangeiras, alguns não sabiam os idiomas de outros países. 

Então, para escreverem as letras das músicas, muitos deles recorreram a um dicionário em inglês, que tinha frases prontas, e simplesmente copiavam e encaixavam com a melodia. O resultado desse frankenstein musical é que quando se traduzia, aqueles versos não faziam o menor sentido. Dessa época se destacaram Mark Davis (Fábio Junior), Tony Stevens (Jessé) e Morris Albert (Maurício Alberto), entre muitos outros.

No terceiro episódio é contada a história do grupo “Os Carbonos”, formado nos anos 1960, em São Paulo, e considerado pioneiro em covers de sucessos internacionais. Eles fizeram mais de 50 mil gravações, além de registrar discos próprios. Isso mesmo: a banda gravou mais de 50 mil canções. O número é digno de figurar no Guinness Book, o livro dos recordes mundiais. Depois dos discos próprios, a partir de 1970 eles iniciaram a série Super Erótica, com músicas de cunho sexual. Os elepês eram voltados para o público maior de 18 anos e foram lançados sob o nome Magnetic Sounds. Os integrantes da banda também foram músicos de apoio de vários artistas como Roberto Carlos, Gal Costa, Gilliard, Nelson Ned, Jessé, Wanderley Cardoso e Paulo Sérgio. Fizeram arranjos para músicas de sucessos, como, por exemplo, “Fuscão Preto”, de Almir Rogério e “É o Amor”, de Zezé Di Camargo e Luciano.   

O quarto episódio relata a existência dos “Discos Fantasmas”. Nos anos 1970, as lojas de discos passaram a vender milhares de LPs de "covers", a maioria sem créditos dos músicos. Foram vários discos difundidos em nosso país, como por exemplo, "Super Paradas Românticas” e “Parada de Sucessos”, que vinham com 10 ou 12 canções. Muitas pessoas ouviam, compravam e achavam que eram os cantores originais. 

Já no quinto episódio, “O Coral”, o assunto são os músicos de estúdio. O capítulo fala de cantores e cantoras que faziam backing vocal para artistas consagrados como Gilberto Gil, Tim Maia, Raul Seixas e Sidney Magal, entre muitos outros. Algumas destas vocalistas femininas, que faziam parte desse seleto grupo, formaram nessa mesma época um quinteto chamado Harmony Cats, que durou de 1976 a 1986.

“A Música Infantil” é o assunto do episódio seis. Os discos infantis eram renegados nos anos 1970, e só a partir da década seguinte passaram a ser um mercado lucrativo para as gravadoras. Foi nessa época que a indústria fonográfica descobriu que tinha uma “mina” a ser explorada, e percebeu também o poder da simbiose entre a indústria do disco e a televisão. Dessa forma, surgiram cantoras como Xuxa e grupos mirins como Balão Mágico e Trem da Alegria. Por trás deles tinha os produtores desse segmento, como os compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas, que foram fundamentais para a criação desses fenômenos da criançada.  

O sétimo episódio enfoca “As Domingueiras”, período em que surgiram várias bandas de bailes em São Paulo, que depois vieram a fazer sucesso. Existia uma escola muito sólida de músicos brasileiros que tocavam praticamente de tudo. Para melhorar o repertório, pediam aos comissários de bordo e aos pilotos de avião que fizessem voos internacionais para buscarem as novidades do mundo da música e trazer para eles. Como a concorrência com outras bandas era grande, queriam conhecer antes os novos hits da Inglaterra, Estados Unidos e outros países. Essa época foi muito importante, porque eles tiveram que tocar de tudo um pouco, desde de samba, rock, bolero e até marchinhas de carnaval. Foram destes bailes que surgiram bandas como “Os Pholhas”, “The Fevers” e “Os Carbonos”, entre outras.

No último episódio, a série conta “O Universo Segundo Mister Sam”, do argentino Santiago Malnati, que chegou ao Brasil em 1973 e no ano 1978 foi o responsável pelo surgimento da cantora Gretchen. Segundo o depoimento da própria cantora, ele queria que ela não se preocupasse apenas em cantar, mas explorasse principalmente sua parte sensual. A prioridade era a exibição do corpo e muitos sussurros nas canções. Ela ficou famosa nessa época como a “Rainha do Bumbum”. Mas, além de descobrir Gretchen, Mister Sam lançou o grupo “Black Juniors”, em 1984, que estourou no País com a música “Mas Que Linda Estás”. Ele também foi responsável pelo sucesso das cantoras, Sharon, Lady Lu, Sarah, e da dançarina Rita Cadillac. Também vão para sua conta o quinteto feminino “Banana Split”, formado em 1989, e o grupo Dominó, criado em 1980. 

Conhecer os bastidores de toda essa história, ouvir segredos e fofocas, e, sobretudo, matar a saudade de tantos artistas que marcaram gerações é a proposta de “A História Secreta do Pop Brasileiro”. Cada episódio dura menos de 30 minutos. Quem reservar um tempinho para maratonar essa série, não vai se arrepender. Fica a dica.

 


*Formado na UFRN, atuou como repórter na imprensa potiguar e na acriana, além de ter sido editor por várias décadas do jornal Zona Sul, que circulava em Ponta Negra.