O deslumbramento e o tempero provocado pela imagem quem dá é cada um/a de nós.
Colunas
Quando a imagem é congelada, congela-se também todo um contexto histórico. Seja de grande momento coletivo ou apenas de uma recordação privada
12 de setembro de 2024
Ítalo de Melo Ramalho
Inicio esta crônica com um título no qual expresso uma afirmação forte e até irresponsável. O propósito dessa provocação foi que o texto estivesse mais enfiado na rua e nos contextos que brotam desse ambiente, do que no rigor da academia. Basta dizer que o atrevimento nasceu de uma conversa com um velho conhecido. Sempre que posso, o encontro metido em páginas e mais páginas na minha biblioteca. Ou, por sorte, em alguma mesa solitária no Bar da Draga. Meu querido interlocutor é sabido; é daquelas pessoas-livro por quem não damos nada até conhecê-lo e se deixar surpreender com o que pula da sua leitura; dos seus conselhos.
No último encontro falamos sobre os fatos do presente: o que jamais pode faltar em uma prosa nossa. Pois, como disse, o meu amigo é antenado com a contemporaneidade e faz questão de marcar a sua posição. E, obviamente, papeamos sobre as leituras que estamos fazendo e as próximas que estão em alça de mira. Entre uma coisa e outra, conversamos rapidamente sobre o conceito de beleza. É claro que esse debate ganhou uma dimensão em que os limites do breve e do extenso não se poderiam prever. E muito menos esta crônica.
É difícil falar sobre uma temática que anda abraçada com a paixão particular de cada um. Entretanto, no meu entender, a formulação europeia de beleza que ainda persiste – e esse foi o núcleo do nosso arranca-rabo – vem se desmanchando mais e mais com o processo de decolonização cultural, que ganha espaço e força por estas terras, na medida em que ocupam os estudos dos/das teóricos/as brasileiros/as da cultura e da estética. Digo isso porque, até então, eu entendia a beleza apenas como uma extensão do ideário europeu. Inclusive do ponto de vista de considerar tal concepção como sendo a matriz para as demais culturas.
Tião, meu parça de devaneios, depois que tomamos mais dois gelos, aconselhou-me a pensar no tema com mais profundidade e carinho. E de maneira irônica, disse que ainda estou verde. Com o que concordei. Ele mesmo, sem nenhum grau de amadurecimento, sentenciou acreditar hoje bem mais na fotografia e no cinema do que na literatura e outras artes. Não satisfeito, ainda acrescentou que, quando a imagem é congelada, congela-se também todo um contexto histórico. Seja de grande momento coletivo ou apenas de uma recordação privada. E arrematou: olhe, meu filho, para você entender aonde eu quero chegar, saiba que para mim a literatura é obscena, e a fotografia é erótica.
Mesmo sem pensar muito sobre a máxima que Tião acabara de soltar naquela hora, acreditei que o danado tinha um tanto de razão pornográfica. Sim, a obscenidade e o erotismo devem ocupar as manifestações artísticas e humanas. A ocupação deve ser perene e constante. A diferença é que o deslumbramento e o tempero quem dá é cada um/a de nós. É a nossa visão individual e coletiva que forma um conjunto que vai muito além do antiquário artístico em que nos meteram.
Com a cabeça ainda quente, me pus a caminhar para casa, pronto a fazer uma consulta inicial na internet sobre a diferença entre o obsceno e o erótico; para saber se tais adjetivos guardavam alguma relação entre si. Para não me alongar digo que não encontrei ânimo para tal investigação, e achei mais sensato amenizar esta ansiedade com o livro Terra, de um outro Tião, o Salgado, acrescido do texto de José Saramago e da música de Chico Buarque, que andava perdido, feito eu, nas costelas da estante e nos insultos de Tião.
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