A primeira coisa que se deve saber sobre Matrix é que não pode ser assistido com a cabeça no passado

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A Matrix foi reiniciada

Matrix Resurrections parte para a ressignificação das ideias mostrando que a sociedade de consumo não nega a luta, mas a engole.

31 de janeiro de 2022

Jana Maia

Em novo filme, Matrix Resurrections abandonou o foco central da sua filosofia de combate às ilusões do sistema capitalista de Baudrillard e partiu para a ressignificação das ideias de luta, mostrando que a sociedade de consumo não nega a luta, mas a engole.

A primeira coisa que você deve saber é que o novo filme da franquia não pode ser assistido com a cabeça no passado, nem nos filmes passados, nem no nosso passado. E se observarmos bem, foi sempre sobre espreitar a verdade das nossas ilusões de liberdade, a verdade do nosso presente, que nos tornamos fãs da jornada do Escolhido que nunca o foi.

Calma, não estou afirmando que adorei o que vi, e talvez você possa me dizer que há maneiras mais honradas em retomar uma lendária narrativa. O que posso te dizer é que concordo. Mas a verdade é que o filme não esconde nenhuma vez que a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. Pegou a ref?

Lana Wachowski opta por deixar claro ao espectador o quanto voltar a cutucar esse vespeiro foi uma decisão mercantilista e espremida pelos estúdios, e que o projeto seria feito, quer isso fosse de comum acordo ou não. Desse modo, e talvez pensando em preservar o mínimo da memória de algo tão especial, Neo foi ressuscitado, renovado, transformado, transgredido e, para isso, usou o próprio mercado como vilão.

Matrix cutuca a apropriação de ideais pelos quais lutamos pelo mercado quando opta por não esconder o ideal da existência de uma matrix, mas transformá-la numa ilusão midiática, num jogo de sucesso imaginado por um desenvolvedor de pouca confiança, retratando-o como alguém “difícil de lidar” e dado a surtos psicológicos. O filme procura pisar no calo da nossa sociedade que não mais esconde ideias de liberdade e direitos, mas que engole e regurgita midiaticamente o significado disso tudo. No filme, as pessoas não são mais apenas “zumbis” do próprio “sonho”, mas dentro desse sonho o ideal da existência de uma matrix virou bode expiatório, virou uma ideia a ser desacreditada apesar de tão conhecida. Assim, cabe a nós nos contentarmos com a “realidade” e satisfazer ideias de liberdade e revolta no campo “imaginário”.

Mas como nem tudo são flores, de maneira bem mal feita, o personagem principal ficou cansativo ao ser retirado de protagonista de uma causa a cumpridor de uma narrativa um tanto batida mas sempre certeira: o amor. Neo persegue a estrada do romance num filme com poucas cenas de ação, sendo as poucas existentes, muito ruins. Matrix não inova em nada visualmente e acredito que nunca pretendeu refazer os caminhos da “genialidade”. Além de ser repleto de piadas fáceis “a la Marvel” e nos deixar com um péssimo cliffhanger.

Por fim, fica mais do que claro que se um dia lutamos contra as máquinas ou alimentamos receio delas, agora entramos numa Era de possível conciliação e união entre homens e IA pelo “progresso”. Numa sociedade muito dependente da tecnologia, da análise de dados e cada vez mais longe de tornar-se completamente liberta.

Fica o questionamento, apesar de ter retomado alguns pontos importantes, nos situado no tempo-espaço dentro da narrativa, e ter se levantado categoricamente contra o sequestro do significado da pílula vermelha/azul pela extrema direita; seria melhor ter apertado o reboot ou foi importante nos mostrar que nem sempre o que vive de melhor em nossa memória voltaria agora do mesmo jeito?