Fernanda Gurgel é editora de filmes potiguar vivendo em Portugal
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Fernanda Gurgel lê tudo do que a câmera e sua criatura, garimpam. Ela própria recria sem descanso a pulsação desse Deus passagem
07 de setembro de 2020
Por Carlos Gurgel | poeta
Lá fora, parece que o mundo é tão distante. Cidades são como celestiais bençãos. Um cão preenche o espaço de uma criança abandonada. Mais distante, anônimos habitantes preparam o café da manhã. Nuvens são como presságios, anúncios, segredos milenares. Mulheres, o tempo todo, maquilam seus olhares como a revelar que a imagem da lua que elas perseguem, não registra o que elas mais sonham: ter sempre nas mãos o passaporte que permita a elas, um outro ciclorama repleto de novos universos, recursos, ourives e conquistas. Animais misturam-se com automóveis. O declive do metrô faz as pessoas perderem tempo, de tão ileso peso. A preguiça, solitária, emiti um som parecido com a despedida de um paraíso, entrecortado de negros vultos livres. parece, é o que se comenta, que os parques, todos eles, se transformarão em janelas abertas a tudo que possa transparecer exórdia e perdão. doentes, milhares de doentes, sentem incalculável falta das suas infâncias. o mal do medo, parece que perdeu o medo de ser imortal. lá, do outro lado da cidade, aqui mesmo, estão tantas pessoas perdidas, como procurando por suas mais profundas vestes e ferrolhos. Ilhas, enormes ilhas, profundas ilhas, belíssimas ilhas, inimagináveis ilhas, esculturais ilhas, espirituais ilhas. é o que, todas, essas perdidas pessoas, alucinadamente procuram.
O tempo, com esse sol escondido, refaz seu roteiro, sua face, seu coração. O tempo, como um jogo perdido, refaz seus mapas, pântanos e candeeiros. basta de tanta filantropia maligna, de tanta birra reinante. as fisionomias das pessoas estão seriamente tremulando, como rotas rôtas. tanto a se descobrir ainda. crianças são como parques de diversões a serem inaugurados. os mendigos se vestem de uma selva, dramática, do pouco do lixo que encontram pelas ruas, e somem. escondem seus enigmas e mistérios por sobre a dobra de uma fibra sem fim. jovens e velhos estão todos despedaçados, até o fim. como troféus que foram limados, guardados, largados ao relento das suas enormes mãos e esqualidos pés. o que nasce por trás de uma árvore centenária, é muita fibra, febre de viver. viver mais 5 minutos ou 200 anos. galáxias são como tântricas estampas tão solitárias e de insinuantes curvas dessas estrelas a nos acompanhar; e de tão nuas, sinalizam, distribuem carícias e o lacre de um iceberg indescritivelmente amoroso.
Nessa incansável busca por essa procura, é palpável a escolha pelo alinhamento de tanta dinâmica desse espaço e tempo. como a confirmar entre quatro paredes, ou a céu aberto, que a paisagem, mais que o próprio enredo de um sonho, projeta como nenhuma outra obra da natureza, a flâmula salvadora do seu povo. tantas coisas foram deixadas de lado, sem nenhuma, absolutamente nenhuma necessidade. então, nesse agora, essa máquina do registro do tempo, da memória da raça, espelha formosura e indomável força, fé, fornalha, fogo, fermento, fleuma, fortaleza, farfalhar de fontes e fibras. cinema, câmera, camadas de claridades, esse contínuo platô que diz tanto. captar e revelar. ir aonde possível for, para bem depois. esticar, ousar, redesenhar sonhos, metragens e narrativas.
Fernanda Gurgel lê tudo do que a câmera e sua criatura, garimpam. Ela própria recria sem descanso a pulsação desse Deus passagem. dessa passagem. imersão como caminho, portal, esteira. devoção como extrema e inesgotável atmosfera, ponteiro de um roteiro sem pausa. se entregar a esse indomável fabrico, como a alma do seu corpo que sua, couro e ouro. esses dois inseparáveis elementos. entre madrugadas, perseguições, horas, dias, semanas, meses sem uma descoberta para o desfecho, ou; para uma outra parte, o cúmplice ardor humano. o fruir de Fernanda requer entrega, desprendimento, esquecer-se de si. para dar conta de um outro indivíduo/ser, que osculta sem término, esse centro dela ( Fernanda) desse ser ser, em permanente contorção e êxtase. o incontrolável da próxima imagem. takes, toques, totens, teclas, têmporas. essa quase infinita indumentaria do que o sentimento tatuado como chama e reduto, a um outro plano de visão, personagem dessa tensão, expresso clímax.
Essa Fernanda de tantos saltos altos e refinada estampa com essas suas vozes visuais, filhas de releituras, recriações, paleta por onde a descoberta de uma nova leitura é o que reconta, desfecho como tela inicial da ideia. ser crível e incrível, firme e cirúrgica com tudo, e com toda a dinâmica do que foi feita a escolha. mas, jamais, abrir mão, pés, coração, do que a monumentalidade de um outro insight, se assim alvo for, possa ser protagonizador, também. a face de uma criação só se materializa, quando a ousadia, a indecifrável busca, o que foi interrompido por inúmeras outras vezes, se funde. Espalhar como viva célula, mais um nascimento, não tem berço. luzir, besuntar-se do próprio líquido criador, eleva a criação, clã de colagens, paisagens, imagens, a uma infindável fonte de prazer, delírios coletivos, pleno, impávido terreno por onde a vida se transforma e respira de tantas incalculáveis frestas, devires, recortes de incontáveis zuns, como acréscimo do êxtase e gozo cinematográfico. que Fernanda a cada novo corte e acréscimo, eleve com seu invulgar batimento pelicular, nossa estima, tão resignada resina, retina sem cor, fulgor, amor por nossas ilhas e tesouros.
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