Helen Ingersoll em momentos: Formatura, com os filhos de Othoniel Me capa do livro de Claudio Galvão

Reportagens

A poesia de Helen Ingersoll: encontrado o elo perdido entre Palmyra Wanderley e Zila Mamede

Autora mossoroense que morou em Natal e Rio de Janeiro tem seus raros versos coletados em obra organizada por Cláudio Galvão

08 de setembro de 2021

Por Alexandre Alves

Reunindo poemas publicados em jornais entre 1947 e 1950, num total de 20 textos poéticos encontrados (e mais quatro crônicas datadas de 1949), o experiente pesquisador Cláudio Galvão encontrou Helen Ingersoll, o nome feminino potiguar que liga o verso livre de Palmyra Wanderley e sua “Roseira brava” (obra de 1929) e o lirismo da geração pós-45 presente em Zila Mamede com sua “Rosa de pedra”, livro de 1953. Na primeira metade do século XX, a participação da mulher nas letras locais ainda era bem tímida, pois nomes como Auta de Souza e Carolina Wanderley e Izabel Gondim – além dos nomes da revista de vida curta “Via Láctea” (1914-1915) – formavam uma rarefeita produção feminina.

A mossoroense Helen Ingersoll, nascida de pai canadense (o engenheiro William J. Ingersoll) e da Professora Maria Elisa da Silva, merecia uma biografia por si só. Há no volume publicado textos de Assis Silva (tio de Helen) atestando que aos 08 anos de idade a menina escreveu uma pequena peça teatral (!) e ao final da adolescência veio para Natal para, em seguida, passar em concurso do Banco do Brasil, indo residir na então capital federal ainda em fins de 1949 e se casar depois com o escultor maranhense Edson Sá. Já Laélio Ferreira de Melo (filho do poeta Othoniel Menezes) atesta que Helen era habilidosa na língua inglesa, fumava um bocado e até bebia cerveja, fatos muito avançados para uma mulher naquela época.

A poesia da mossoroense chegou a ser lida por um dos grandes críticos literários brasileiros, pois Fausto Cunha (em texto de 1950) declara que a poesia dela era “erótica, levemente ríspida, de muita intensidade, um pouco amargurada”, como assim se mostra o sintomático “Canto do amor na selva”:  ‘Eu buscarei a selva, / que me acena com os braços de suas árvores. / Sentirei dentro da selva o secular grito do sexo”. Escrever tais versos entre o fim da adolescência e começo da juventude ao final da década de 1940 não seria tarefa fácil para qualquer um, ainda mais se tratando de uma figura feminina na literatura.

O fato é que os poemas encontrados de Helen são todos bem modernos, curtos e de página única. Neles existe também uma aura de claro teor feminino e feminista, a exemplo do corporal e místico “A que peça” (Eis que carrego comigo / Os sete pecados / E o meu ventre perdido / Reclama um oitavo.). A autora também não se esquecia de lidar também com a emotividade em versos de angústia similar a de nomes como Cecília Meireles ou Henriqueta Lisboa, só para citar duas escritoras bem ativas quando Helen publicava textos como “Destinada aos deuses” (Esgotada da beleza e da vida / Fundo sensações estranhas / Ritmos novos e fortes / Para as minhas mãos inadaptadas), de fortes traços neossimbolistas.

No geral, sobre a edição (que ainda contém textos críticos de Tarcísio Gurgel e Dorian Jorge Freire), duas observações precisam ser feitas. A primeira delas é o próprio Cláudio Galvão declarar que o poema “Revelação” (de 1947) teria sido o primeiro poema moderno escrito e publicado por uma autora potiguar, esquecendo a já bem denotada parcela moderna presente em “Roseira brava”, obra de 1929 escrita por Palmyra Wanderley (quem tiver acesso ao livro basta checar o tom social de “Passo da Pátria” ou o narrativo “Alecrim”, textos de ímpeto urbano escritos por Palmyra).

O segundo senão do volume é ter alterado a forma de algumas composições, caso de “Canto do amor na selva” ou “Poema IX”, cujos versos originais (mostrados em imagens fac-similares dos originais) se encontram alinhados à esquerda da página, porém na nova edição eles todos estão centralizados, alterando a forma original dos poemas.

Tais fatos não reduzem a importância do volume de mais de 100 páginas organizado por Cláudio Galvão, mas merece uma revisão em edição futura, com certeza. Tudo para fazer com que a poesia agora reencontrada de Helen Ingersoll continue “Marcando um ritmo mágico / Para minhas mãos insatisfeitas” (trecho do poema “Eu quero a luz de uns novos olhos”). Helen Ingersoll faleceu em 2011, sem nunca ter voltado ao RN.

 

Helen Ingersoll : Poesia

Organização de Cláudio Galvão

Editora: amigos da pinacoteca (Mossoró)

Ano: 2021

106 paginas

O livro conta com recursos da Lei Aldir Blanc via

Fundação José Augusto, Governo do Estado