Solar Ferreiro Torto (Antigo Engenho Potengi) - Fonte: Ipatrimônio
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Apesar de muitas edificações já terem sucumbido ao abandono e o tempo, somos ainda agraciados com a beleza de vestígios do período colonial
29 de novembro de 2021
Júlia Chaves | Arquiteta e Urbanista
A economia açucareira foi extremamente importante para a colonização portuguesa e desenvolvimento dos primeiros núcleos urbanos no litoral da região nordeste. Desta forma, é inegável a influência dos engenhos no Rio Grande do Norte, principalmente no desenvolvimento das cidades no litoral oriental, mais especificamente entre os municípios de Ceará-Mirim e Porto Velho. Atualmente, apesar de muitas edificações já terem sucumbido ao abandono e o tempo, somos ainda agraciados com a beleza de muitos e relevantes vestígios arquitetônicos desta época que, por causa de sua importância histórica, arquitetônica e cultural, precisam urgentemente serem valorizados e preservados para que não sejam perdidos.
A cana-de-açúcar, juntamente com uma pecuária, formavam a força econômica da capitânia Rio Grande durante o período colonial. Os engenhos eram propriedades de grandes dimensões que obtinham como função produzir açúcar e seus derivados, geralmente incorporados nas conexões dos rios, pois a água além de proporcionar um solo fértil ao redor, servia como transporte para a produção.
O primeiro engenho do Rio Grande do Norte foi construído em 1604 no vale do Rio Curimataú, era conhecido como Engenho Cunhaú e pertencia aos filhos de Jerônimo de Albuquerque Maranhão, militar e administrador português vindo de Recife, que entre seus feitos, fundou a cidade de Natal. Na sequência, surgiu o Engenho Potengi, provavelmente onde hoje encontra-se o Torto Solar Ferreiro, sendo muito bem sucedido e influente no vale do Potengi. Os dois engenhos eram os principais polos econômicos da região daquele período e por demandar um grande contingente de mão-de-obra foram concentrando ao seu redor diversos povoados, dentre eles, os chamados aldeamentos “[...] que tinham como objetivo evangelizar e civilizar os indígenas através da convivência dos padres com os índios [...] ”(Cruz, 2015).
Os aldeamentos além da colonização por meio da catequização dos indígenas, também possuíam função econômica, militar, política e cultural, e com isso, em meio às suas regras de funcionamento também estavam a função de oferecer mão de obra indígena para os engenhos, explicando assim a grande quantidade de aldeamentos no entorno estas propriedades rurais. Com exemplo destes aldeamentos temos Guajirú, atualmente Extremoz, Guaraíras, atualmente Arez, seguidas por Mipibu, atualmente São José de Mipibu e Gramació ou Igramació, atualmente Vila Flor.
Engenho Cunhaú - Fonte: Vaticano News
Em 1631, com a invasão holandesa no Rio Grande do Norte, ambos os engenhos foram terrivelmente massacrados, assim como os aldeamentos e povoados no entorno, culminando no massacre de Cunhaú e Uruaçu em 1645. Neste período, a produção de açúcar estagnou no estado, porém no século seguinte, após a expulsão dos holandeses, começou a haver uma retomada do crescimento no cultivo da cana de açúcar no estado, aumentando assim a procura por mão-de-obra e consequentemente o crescimento e desenvolvimento dos núcleos urbanos adjacentes. Foi neste período também, que vários dos aldeamentos já citados foram elevados à categoria de vila e os engenhos passaram também a receber mão-de-obra livre especializada como carpinteiros e ferreiros.
De 2 engenhos no século XVII, passaram para 41 engenhos e engenhocas no final do século XVIII e depois para 144 em meados do século XIX, mais precisamente em 1854. (Cruz, 2015) Destacando-se neste período a cidade de Natal, as vilas de São Gonçalo, Vila Flor, Extremoz, São José, Goianinha, Arez e Papari. Além dos Engenhos Ferreiro Torto em Macaíba, Jundiaí em Natal, Olho D’água em São Gonçalo, Mucuripe em Extremoz, Ilha Grande em Goianinha, Estivas e Mangabeira em Arez, Maranhão e Cunhaú em Vila Flor, Belém em Papari e o Canadá, o Porteira e o Laranjeiras em São José.
Os engenhos eram complexos e auto suficientes, formados por diversas edificações que possuíam uma específica função na dinâmica da propriedade. A Arquiteta e Urbanista Luana Cruz em sua maravilhosa tese Os Caminhos do Açúcar (Cruz, 2015) descreve com precisão estas edificações:
“Existiam o espaço de morar, representado pela casa-grande (residência do senhor de engenho e de sua família) e pela senzala (a habitação dos escravos), o espaço de culto religioso, constituído pela capela, e o espaço da produção de açúcar e de outros produtos derivados [...] muitos engenhos possuíam também destilarias para produzir aguardente.” (CRUZ, 2015)
Além disso, tanto o material utilizado na construção como a arquitetura eram diferenciados de acordo com função de cada edificação no complexo rural, sendo as casas-grandes e templos religiosos os que possuíam os materiais mais nobres e a arquitetura mais rebuscada. Por causa disso, a maioria dos exemplares que resistiram aos dias atuais são justamente as edificações mais nobres.
Engenho Guaporé abandonado - Fonte: Mycleison Costa
Quanto ao estilo arquitetônico, as edificações possuíam traços simples e retos, seguindo as premissas do estilo colonial brasileiro. Atualmente, existem poucos exemplares em ótimas condições de preservação e conservação, sendo possível destacar o Engenho Cunhaú, em Canguaretama, que foi tombado em 1964 e restaurado em 1985 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; o Engenho Ferreiro Torto, em Macaíba, o antigo Engenho Potengi, que teve sua edificação original abandonada e demolida em 1845, porém retomou as atividades neste ano, sendo construída uma nova edificação colonial que também possui um grandioso valor histórico, por isso tombada e restaurada pela Fundação José Augusto em 1983; o Engenho Olho D’água, em São José de Mipibu, onde sede de sua propriedade, construída em 1774 e reformada em 1861, encontra-se preservada até os dias atuais pela mesma família do início do engenho.
As ruínas do Engenho Cruzeiro - Fonte: Flickr
O Engenho Verde Nasce, Ceará-Mirim; Porém, existem vários outros exemplares que encontram-se abandonados, em avançado estado de degradação como a casa grande do Engenho Cruzeiro, o Engenho Guaporé e o Engenho São Francisco, todas em Ceará-Mirim; além de diversas outras edificações espalhadas pelo litoral do nosso estado que correm um verdadeiro risco de serem perdidas. Em suma, os engenhos contam através de seus traços arquitetônicos a história do povoamento e crescimento dos primeiros núcleos urbanos do litoral oriental do Rio Grande do Norte.
Apesar de apenas alguns remanescentes terem resistido ao tempo e o descaso da população, estas edificações que nos restam são de extrema importância para o entendimento do estado potiguar como um todo e por isso merecem ser preservadas, conservadas e valorizadas. O patrimônio arquitetônico potiguar é muito vasto e rico e os engenhos são relevantes exemplares que não podem ser perdidos.
PRECISAMOS PRESERVAR O NOSSO PATRIMÔNIO!!
Fontes:
CRUZ, Luana Honório. Os caminhos do açúcar no Rio Grande do Norte: o papel dos engenhos na formação do território potiguar. 2015. 312 f. Tese (Doutorado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.
CHAVES, Júlia. Museu Solar Ferreiro Torto. Júlia Chaves Arquitetura, Natal, 15 abr. 2021.
Disponível em: https://www.juliachavesarq.com/post/museu-solar-ferreiro-torto. Acesso em: 23 nov. 2021.
CHAVES, Júlia. Engenho Cunhaú. Júlia Chaves Arquitetura, Natal, 15 abr. 2021. Disponível
em: https://www.juliachavesarq.com/post/engenho-cunha%C3%BA
. Acesso em: 23 nov. 2021. História do RN. O AÇÚCAR NO RIO GRANDE DO NORTE. + Natal Rn, Natal, 29 dez. 2019.
Disponível em: https://blog.natalrn.com.br/o-acucar-no-rio-grande-do-norte/.
DIAS, Dayane Julia Carvalho; ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. Um estudo preliminar da demografia do Rio Grande do Norte colonial: fontes, métodos e resultados. Revista Brasileira de Estudos de População, [S.L.], v. 34, n. 3, p. 485-507, 20 dez. 2017. Associação Brasileira de Estudos Populacionais. http://dx.doi.org/10.20947/s0102-3098a0032
Acesso em: 22 nov. 2021.
PAIVA, Lara. Engenhos mais famosos de Ceará-Mirim. Brechando, Bahia, v. 1, n. 1, pág. 1-1, atrás. 2021. Disponível em: https://brechando.com/2021/09/engenhos-mais-famosos-de-ceara-mirim/ .
Acesso em: 23 nov. 2021.
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