Há quem nos ensine a temperar o lúdico do inesperado com a lógica do cartesianismo
Colunas
Ensinou-me que um mais um são dois. E que dois são trilhões de possibilidades algorítmicas, que extrapolam o quadro aritmético
26 de junho de 2024
Ítalo de Melo Ramalho
Para d. Terezinha Alves de Melo Ramalho
Ao nascer, Deus perguntou-me: “O que queres?”. Sem pestanejar, respondi: “O chão!”. Ele sorriu maliciosamente como um jogador de baralho em blefe, e percebeu que eu era igual às outras sementes: sempre à espera da canastra real. Sendo assim, retalhou e me entregou um pedaço raso de couro de carneiro medindo 19,04 por 19,74 centímetros, e disse: “Taí o seu caderno! Borde letras com fios do próprio sangue, derramando-o na geografia áspera da celulose!”.
Uma sensação estranha ferveu nas minhas vísceras. Fiquei atônito com aquela possível liberdade de desfiar o meu rosário de penas no infinito mundo mágico do cartear. Ora! Que liberdade seria essa se ao menos não posso querer permanecer ou, sendo mais astuto, prolongar a permanência até desaparecer no espaço como uma nuvem silenciosa que trafega para o abismo do éter? Ou será que eu poderia escolher sumir de maneira abrupta como o concreto que evapora das mãos ilusionistas do crupiê? Definitivamente estava no cárcere perpétuo das dúvidas!
Não havia o que fazer! Peguei o meu caderno e saí aos pinotes pelo labirinto das hostilidades. Saltando pedra em pedra! Escalando serra a serra! Submergindo vala a vala! As cortinas que se abriram e se abrem são as mesmas que se fecharam e se fecham. Os teatros e as suas encenações existem aos montes e sempre existirão! E eu mesmo ainda não tinha me dado conta de que o meu palco já se iluminara há tempos. Hoje, às vésperas dos quarenta e três anos, vejo fachada, nave e cúpula precisando de cuidados clínicos.
É, o tempo caminha parelho com as formas e, principalmente, com as substâncias. E falando dessa última em específico, lembro da magistral diretora que soube conduzir o elenco uno do meu mundo, com instantes de doce de leite e vestes de cambraia bordada; e outros com cenas de sola de couro e borracha da amazônia.
Tinha um zelo dedicado à minha simplória personagem sem máscaras. Ensinou-a a soprar os primeiros “ais”. Foi muleta quando era necessário equilibrar a carne no trapézio, e é corpo quando sustenta nos braços finos o peso de cinco arrobas. Foi mestra quando a palma da sua mão engolia o dorso da minha e guiava o preenchimento caligráfico do couro escolar. Foi e é algodão quando os lábios tocam a fotografia sustentada na parede. E é falível quando diz que a saudade corrói lentamente a esperança, mas nem por isso deixará de vibrar o êxtase do encontro que vivo em desatada sangria.
Minha diretora ensina-me que um mais um são dois. E que dois são trilhões de possibilidades algorítmicas, que extrapolam o quadro aritmético e assentam a poeira do surto na comunhão dos olhos e dos oceanos que encerramos em nós.
Assim, temperando o meu caderno com tinta e dádiva, a diretora também me ensinou, ensina e ensinará sempre, a temperar o lúdico do inesperado com a lógica do cartesianismo no jogo das cartas. Sigo construindo os meus seguidos e já conto com uma jangada real de paus na mesa. Foi com essa canastra que encontrei o meu casebre realista de grandes novidades e o meu imenso castelo de futilidades!
12 de abril de 2023
07 de abril de 2023
07 de abril de 2023
28 de junho de 2022
16 de junho de 2022
20 de fevereiro de 2022
20 de fevereiro de 2022
20 de fevereiro de 2022
04 de junho de 2023
15 de setembro de 2022