“Por uma Vanguarda Nordestina” ganha segunda versão atualizada e estendida
Reportagens
Livro de Anchieta Fernandes lançado em 1976 e tratando com destaque o movimento, chega à segunda edição
27 de junho de 2021
por Alexandre Alves
Nada fácil ter nascido nos recônditos do sertão de Caraúbas (RN) em 1939 e depois ter sido transposto para a capital potiguar no começo da década de 1960, época de enormes transformações culturais. Na vida migrante de Anchieta Fernandes, seu interesse por arte e Literatura logo o levou a se interessar pela Poesia Concreta nascida no decênio de 1950 e, logo em seguida, Anchieta fez parte da juvenília potiguar (Moacy Cirne, Falves Silva e Marcos Silva entre eles) que lançaria o movimento do Poema-Processo em 1967.
Já dentro do Poema-Processo – cuja atividade oficial do movimento segue de 1967 até 1972, ano da “Parada opção tática”, texto conjunto Moacy Cirne, Wladimir Dias-Pino, Álvaro de Sá e Neide de Sá –, a produção de Anchieta foi pequena, mas altamente potente. Seu poema visual “Olho” se tornou uma dos mais citados em qualquer publicação que trate a sério do Poema-Processo. Poucos sabem que o conceito do poema é de Anchieta e a arte-final dele é de Falves Silva, ou seja, já nasce um poema “em processo”, como prezava o movimento.
A edição original de "Por uma vanguarda Nordestina", de 1976
Por outro lado, sua veia de crítico cultural/literário fez nascer em 1976 a obra “Por uma vanguarda nordestina”, obra que ganha sua segunda edição – ampliada e revisada –, somente exatos 45 anos depois de publicada. Toda conceitual e dividida em duas partes maiores (a primeira com 08 capítulos e com foco maior no Poema-Processo e a segunda mais sobre vanguarda contendo mais 05 capítulos), a obra acaba tratando de conceitos envolvendo ciência, cultura e vanguarda para somente depois detalhar o Poema-Processo enquanto movimento artístico mesclando em suas teorias linguagens da literatura, fotografia, tipografia e artes plásticas.
O movimento até hoje é fonte de polêmica por ter nascido como dissidência da Poesia Concreta e Neoconcretismo (este não aprofundado por Anchieta), mas foi deixado de lado pelos nomes do Concretismo e da crítica sudestina/sulista, que ignorava (ou fingia deixar de lado) o Poema-Processo. Foi necessário quase meio século para um reconhecimento maior e mundial do movimento, começando pela conceituada revista europeia “Oie”, que em seu número 66, editado na Suécia em 2014, publicou quase 400 páginas sobre o Poema-Processo, fazendo com que hoje as obras do movimento adquirissem valor artístico nunca antes pensado no mercado mundial da arte.
Todavia, Anchieta destrincha a teoria, os eventos e os nomes que fizeram parte do movimento, criando tanto uma perspectiva histórica bem concatenada quanto a visão de quem participou ativamente da produção do período. E não se engane com o título, pois os demais estados somente surgem no capítulo final (“Vanguarda em outros estados nordestinos”) e ainda assim, de forma bem sintética, porém continua a ser uma ótima fonte sobre a produção desta parte do país, com Anchieta citando autores e publicações cuja profusão foi bem evidente entre a década de 1970 e 1980, período que ainda necessita de muitos estudos para ser mais bem compreendido.
O livro é o segundo lançamento do selo Gajeiro Curió e só foi possível devido aos auspícios da Lei Aldir Blanc, que fez aparecer uma avalanche de livros de Literatura – alguns de qualidade bastante repetitiva e duvidosa –, mas poucos na área da crítica de arte/literária. Ponto para a reedição do seminal livro de Anchieta Fernandes, que faz par com “A poesia e o poema do Rio Grande do Norte” (1978), de Moacy Cirne, como obras que retomavam o sentido da combalida (porém altamente necessária) crítica de arte – ou também literária – nas plagas potiguares.
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