"Alegria Feita de Farinha" coleta histórias e receitas sobre a biscoitaria potiguar

É Típico!

“Alegria Feita de Farinha” conta história dos biscoitos tradicionais do RN

Mini-documentário visita Assu, Jucurutu e Caicó para contar histórias de comerciantes, sobretudo mulheres doceiras que criaram empresas sólidas

20 de dezembro de 2021

Cinthia Lopes

Uma mesa seridoense não está totalmente posta sem uma boa raiva. E também sem um sequilho,  palito, bolacha amanteigada, Flor do Assu, de leite e tantos biscoitos que valorizam a companhia de um cafezinho desde os tempos imemoriais. A centenária biscoitaria norte-rio-grandense é uma mistura de farinha de trigo, fécula de mandioca, reaçada pela manteiga da terra, especiarias, açúcar e ovos, que resiste ao tempo garantindo o sustento das famílias e o incremento da vida econômica dos municípios., das pequenas padarias às fábricas de grande porte. Além de saborosos, trazem o componente da arte manual e do afeto, como cita Câmara Cascudo, os biscoitos são para celebrar mas nasceram de sussurros, confissões, amores e queixas — da “raiva” passando pelo “beijo” e o “suspiro”. 

Uma pequena amostra dessa tradição pode ser vista no mini-documentário “Alegria Feita de Farinha”, de Renata Lopes e Christian Sarmento, dois chefs de cozinha apaixonados pela culinária ancestral. O trabalho pode ser acessado pelo Youtube AQUI. Produção, roteiro e direção são assinados pelos chefs e a captação de imagens e edição é de Mylena de Souza, com xilogravuras de Leticia Paregas. O trabalho foi realizado com recursos da Lei Aldir Blanc por meio de edital do Governo do Estado, Governo Federal e Ministério do Turismo.

O documentário vai além das histórias pessoais e das receitas. É um passeio pela memória cultural do estado, pois boa parte desses doces tem a força da origem local. Embora tenham chegado por aqui pela via do colonizador, a maioria vinda dos conventos religiosos, aqui foram transformadas e recriadas pelas mãos habilidosas das mulheres nas cozinhas do interior, sobretudo o Seridó com o incremento de ingredientes já manipulados pelos povos nativos. E a partir daí mantidas nos cadernos de receitas ou na memória de gerações.

A equipe percorreu Assu, Caicó, Jucurutu e Boi Selado, distrito de Jucurutu, regiões de forte potencial biscoiteiro e trouxe a história de alguns personagens detentores de receitas, como  dona Francinete Cardoso, proprietária da Massas São Francisco em Boi Selado, distrito de Jucurutu; Francisca D'arc de Araújo Batista, criadora da marca Produtos Caicó, Edvan Cavalcante dono da panificadora São João Batista, em Assu, e o padeiro Luan Carlos Cabral.

Império feminino

Em Caicó, Francisca D'arc de Araújo Batista começou com a mãe fazendo biscoito-palito para vender numa banca de feira. A mãe deixou de herança várias receitas e um dilema: manter o padrão dos biscoitos usando os ingredientes originais ou desistir do negócio. O sonho de Francisca e de sua mãe era montar uma lojinha para vender os biscoitos. Hoje, a Produtos Caicó tem seu próprio empório para venda direta e também fornece mais de 20 itens de biscoitos para vários supermercados. O “Palito” é o mais famoso. 

Francisca D'Arc concretizou o sonho de ter sua própria loja:" Aqui é local turístico"

Em Boi Selado, a sorridente Francinete Cardoso conta como começou a fazer seu famoso biscoito de leite. “Comecei com 1 kg de farinha. Depois comprei dois kgs e hoje temos a Massas São Francisco. Foi luta, mas conseguimos”. Foi justamente o fato de ter mulheres à frente de duas grandes empresas que chamou atenção da chef Renata Lopes: "O que mais me surpreendeu ao fazer o documentário foi ver o império que essas mulheres criaram em cima da produção desses biscoitos, vemos que é um mercado em que realmente é comandado por mulheres”.

Dona Francinete comenda as Massas São Francisco, referência em Jucurutu

 Em Assu, Edivan Albuquerque comanda a Padaria São João Batista, conhecida por fabricar o biscoito Flor de Assu, há mais de 50 anos. O padeiro Luiz Carlos, que está há 13 anos na padaria, fala com amor sobre a receita: O segredo é a manteiga da terra, assim como as especiarias cravo e erva doce, com ovos, depois farinha e bicarbonato. A massa descansa e no outro dia é que vamos cilindrar e cortar no modelo”, contou. 

Edvan Albuquerque fabrica a famosa Flor de Assu. 

Estudiosos do tema embasam a pesquisa, caso dos ótimos depoimentos da  professora de gastronomia Elizabeth Assunção, da pesquisadora e criadora do museu Doces do Seridó, Maria Isabel Dantas e a pesquisadora e cozinheira Gabriela Sales, além da presença do historiador de Jucurutu, Nanael Simão de Araújo, que explica como a origem geográfica e social da cidade explica essa fama de ser a terra das padarias e dos biscoitos. 

"Não dá para falar de Seridó sem falar de doce. E o alegria, nome também de um biscoito, expressa um pouco da alma do sertanejo, pois é um doce que vai a farinha, o açúcar, a rapadura, a manteiga", disse Isabel Dantas. ."Muitas dessas receitas também correm o risco de se perder, então acredito que documentar contribui para manter viva", disse Elizabeth Assunção. Para Gabrela Sales, Seridó foi capaz de criar iguarias de uma delicadeza e refinamento de impressionar. "O café da tarde de um seridoense, na verdade do sertanejo é muito rica. E essa delicadeza diferenciada com o uso de ingredientes locais, como a manteiga da terra". 

Para os realizadores, o "Alegria" também quer provocar a nova geração de chefs de cozinha para que levem essa biscoitaria nos menus contemporâneos. “Queremos fazer com que esses produtos estejam na alta cozinha, pois são biscoitos que exigem técnica e são sofisticados”, diz a chef Renata Lopes, que também é professora do Senac - Barreira Roxa. 

 

https://www.youtube.com/watch?v=7YPOe5pLhSc

SERVIÇO

“Alegria Feita de Farinha" - Os biscoitos tradicionais do Rio Grande do Norte

Produção e roteiro:

Renata Lopes Cardoso – Professora de gastronomia e chef de cozinha

Cristian Sarmento – Chef de cozinha

Xilogravuras:

Letícia Paregas

 Assú/RN:

Edvam Cavalcante - Proprietário da Panificadora São João Batista

Luan Carlos Cabral - Padeiro

Jucurutu/RN:

Nanael Simão de Araújo - Historiador

Boi Selado - Jucuturu/RN:

- Proprietária da Massas São Francisco

Caicó/RN:

Francisca D'arc de Araújo Batista - Proprietária do Produtos Caicó

Natal/RN:

Elizabeth Assunção - Professora de Gastronomia

Maria Isabel Dantas – Pesquisadora

Gabriela Sales – Pesquisadora e cozinheira

Gravação e edição:

Mylena Sousa