Aliedson Lima é autor do elogiado romance "A Hora do Carcará"
É Típico!
Autor vem se destacando no cenário literário pela escrita visceral e investigação sobre as complexidades de um sertão sem estereótipos
20 de agosto de 2024
Cefas Carvalho
Nascido e residente em Canindé de São Francisco, no interior de Sergipe, Aliedson Lima vem se destacando no cenário literário regional e nacional pela escrita visceral e investigação sobre as complexidades de seu universo. É autor do livro de poesia "Blues do homem contra o sol" (Editora Urutau, 2023) do elogiado romance "A hora do carcará" (Editora ECOA, 2022), além de ter publicado de forma independente o livro de contos "Sete domingos por semana" (2021). O segundo livro de poesia sai pela Editora Urutau, intitulado "Artaud visita Pasárgada" e está em pré-venda. O autor sergipano edita e contribui com o debate acerca da literatura contemporânea no portal literário O Navalhista.
Você publicou o elogiado romance "A hora do carcará" (Editora ECOA, 2022) que trata de um sertão árido, mas longe dos estereótipos, com escolas, internet, programas de tv, tecnologias, agronegócio, projetos de irrigação, comunidades tradicionais e assentamentos. Como foi o processo de escrever e publicar esse romance?
Antes de qualquer palavra sobre minha literatura, gostaria de agradecer o espaço. Sobre o “A hora do carcará”, tudo começa com um desses programas sensacionalistas (para dizer o mínimo) que por um acaso assisti um episódio na casa de minha tia. Um desses urubus de terno veio gravar uma matéria com uma senhora daqui de minha região e deu um verdadeiro show. De horrores, claro. Minha tia nunca tinha me visto xingar tanto, enquanto anotava não se sabe o quê no caderno. A proposta com esse romance foi de “recontar” essa história, trazendo ao centro do debate a narrativa de Candinha (roubei esse nome e a inocência do Cândido de Voltaire) que será a “estrela” de uma matéria para o programa de Reinaldo Garraço. A ideia foi mostrar o que as câmeras não conseguem mostrar. Porque não vende. Levei uns dois anos escrevendo. Livro pronto, coloquei-o para concorrer ao Prêmio Kindle de Literatura. Só depois veio a ser publicado em formato físico.
Na poesia, publicou "Blues do homem contra o sol" (Editora Urutau, 2023) que também recebeu boas críticas. Qual sua avaliação sobre esse livro e qual seu processo de criação poética?
Os poemas deste livro foram escritos entre 2015 e 2022. Como a poesia foi a minha primeira forma de expressão literária, escrevi muitos versos antes desse período. Sem qualquer exagero: umas duas ou três centenas de poemas foram pro lixo até que eu chegasse nos poemas do “Blues do homem contra o sol”. Foi difícil demais chegar ao livro. Talvez por se tratar do primeiro no gênero, cada poema passa pelas inexperientes engrenagens de nossa autocensura e sente com força o peso da frase-prova: “este serve para alguma coisa?” Como se estivéssemos tratando de algo como uma roupa. Ou qualquer objeto do tipo. Só depois a gente percebe que não é intrínseco à poesia o nosso senso utilitário. Que o poema pode ou não servir. Pode ou não tocar. É sempre mais sobre a quem a poesia chega do que a poesia que chega. Em outras palavras, a poesia vem pra dizer o que tem que ser dito, indiferente ao nosso juízo de valor. Ouça quem quiser ou puder. Como eu ainda não tinha chegado a essas conclusões, foi um livro de processo complicado. Mas talvez por isso mesmo bem prazeroso. Gosto das avaliações que chegam a mim.
Fale sobre a publicação de forma independente do livro de contos “Sete domingos por semana", em 2021 e sobre seu processo para escrever contos.
Os textos deste livro foram escritos mais ou menos no mesmo período que os poemas do “Blues”. Foi um período de experimentações. Os dois livros estão em consonância quanto a liberdade que tive para criar. Nele tem de tudo um pouco: narrativa fragmentada, prosa poética, em forma de diário, clássica e por aí vai. Para a seleção e organização, a única preocupação (se é que houve) foi de alguma forma guardar o espírito daqueles dias infernais da pandemia. Dias claustrofóbicos. Trancafiados e com a morte solta nas ruas, parecíamos viver “Sete domingos por semana”. Os textos da narrativa “Pestiário 2020” traz bem isso. Sobre essa coisa de processo/método é sempre complicado de falar. Trago comigo um certo receio de que desenvolver um método seja desenvolver uma forma de automatizar o processo criativo. O que o tornaria menos criativo. Ao menos por enquanto, não tenho método.
No momento você prepara a publicação de mais um livro de poesia, "Artaud visita Pasárgada", que já está em pré-venda pela Urutau. Como foi criar esse livro? As poesias tem algum conceito, alguma unidade que as interliga?
Foi muito mais fácil trazer o segundo livro de poesia ao mundo do que o primeiro. A princípio, porque os leitores do “Blues” me passaram mais segurança para continuar produzindo poesia na intenção de publicar. Depois, posso dizer que esse meu “Artaud” é um reflexo impreciso de um momento que estou vivendo – e aí está a unidade. Não consigo me desvencilhar dos temas do “Blues”: a vida, a morte, o sagrado, o profano, o ser e estar, a melancolia, o meu lugar – tudo isso abordo na parte chamada “Artaud”. Mas aí eu percebo que meu lugar virou uma pessoa e vem a parte “visita Pasárgada”: mesmo submerso no caos artaudiano, falo de “Lá” onde “a existência é uma aventura” (lembrando Bandeira), falo um pouco de amor. O tema mais acessível e, paradoxalmente, o mais complicado de se trabalhar. Posso dizer que gostei do resultado. Mas sabemos que a opinião do autor de nada vale.
Você edita e escreve no portal literário O Navalhista. Como avalia blogs e similares como disseminadores da literatura? E como vê as redes sociais no sentido de divulgar a produção literária?
Comecei agradecendo o espaço justamente por saber da importância que esses portais têm na vida de quem faz literatura. Vejo-os como de suma importância. Inimigos do algoritmo, nunca teremos o espaço que têm os memes, as dancinhas e tudo o mais supérfluo. Ainda assim, cá estamos. Precisamos mostrar nosso trabalho. Criar e manter um portal literário é um ato de resistência. Tinha isso em mente quando criei O Navalhista.
Nascido e residente em Canindé de São Francisco, no interior de Sergipe, descrita como uma cidade pequena cortada pelo Velho Chico e pela exuberância de seu cânion e sítios arqueológicos, onde o velho e o moderno colidem. Como acredita que a questão geográfica impacta sua obra e sua visão do mundo?
Acredito que no fundo sempre estamos escrevendo a partir do lugar em que nos situamos. Por vezes, isso fica explícito, como foi o caso em que trabalhei no “A hora do carcará”, quando fiz questão de demonstrar que não paramos no tempo, como as (patéticas) novelas globais gravadas aqui fazem parecer. Às vezes, um sertanejo passa cantando e aquilo pede um poema – o que é falar indiretamente sobre seu lugar. Além disso, a dor do outro que a minha retina alcança, que me faz perceber humano, que ajuda a me situar no mundo. Vendo por esse ângulo, devemos muito ao nosso lugar.
Como observa o intercâmbio literário entre regiões de um país imenso como o Brasil? No Sul-Sudeste leem o que se escreve no Nordeste, por exemplo?
Sobre esse intercâmbio, vejo aí mais um ponto positivo para as redes sociais. Como se diz, ela nos aproxima. Mas não dá para saber até que ponto essa “aproximação” é efetiva, nem mesmo até que ponto se leva a sério o que se produz aqui no Nordeste. O que sabemos é que os grandes prêmios literários, seus juris e vencedores se concentram por lá. Vejo isso mudando, aos poucos. Por exemplo, uma editora como a Urutau, que tem expressividade no mercado e geralmente tem títulos indicados aos principais prêmios do país, realiza chamadas para publicação o ano inteiro, fragmentando e direcionando os meses a cada estado, de forma que acaba por publicar todo o país. E foi assim que uma editora de lá alcançou um Aliedson Lima (que mora no interior do fim do mundo) e o seleciona para publicar seu segundo livro com eles. É pouco? Talvez. Mas vejo algumas mudanças em curso.
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