A fama de santo casamenteiro é talvez porque em vida angariava esmolas para conferir a moças pobres
Colunas
O dia mesmo é 13 de junho, mas como temos o costume de comemorar as datas na véspera,o ritual da festa como se usa atualmente é no 12 de junho
12 de junho de 2023
Clotilde Tavares
Hoje é dia dos namorados, toda a terra está em flor
Só se vê menina e moça, de braço dado com seu amor.
A música, que eu ouvia quando menina, é composição de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, gravada por Blecaute. De todas essas datas que o comércio inventa para vender mais, eu acho essa do Dia dos Namorados umas das mais simpáticas. Aliás, a tradição de um dia dedicado aos enamorados é antiga, vindo dos tempos romanos; em alguns países, comemora-se a 14 de fevereiro, dia dedicado a São Valentim; e no Brasil, o dia é dedicado a Santo Antônio.
O dia mesmo é 13 de junho, mas como temos o costume de comemorar as datas na véspera, todo o ritual da festa como se usa atualmente, incluindo o jantar e a troca de presentes, é realizado no dia 12.
Santo Antônio, nascido em Lisboa em 15 de agosto de 1195 com o nome de Fernando de Bulhões, era de família rica e influente. Aos 15 anos, trocou tudo disso por uma vida de fé e oração, ingressando na ordem dos padres agostinianos e tomando o nome de Antônio. Depois, conhecendo o trabalho de Francisco de Assis, mudou de ordem passando a ser franciscano.
Dizem que tinha o dom da oratória e quando falava, não importa em que idioma, todos o entendiam. Relata-se que até os animais ouviam atentamente as suas prédicas, como um célebre sermão que fez para os peixes. Dizem que, por causa disso, anos após a sua morte sua língua foi encontrada intacta, enquanto o resto do corpo já estava reduzido a pó. A língua do santo está em exposição na Igreja de Santo Antônio, em Pádua, na Itália.
Sua maior fama mesmo é de santo casamenteiro, talvez porque em vida angariava esmolas para conferir dote às moças pobres, que assim arranjavam casamentos melhores. Mas é ainda invocado quando se quer encontrar coisas perdidas. Cascudo refere que é um dos mais populares santos do Brasil, sendo padroeiro de centenas de cidades brasileiras.
Curioso é que, por sua intervenção em lutas armadas, tem sido agraciado com patentes militares. Vejam só: é capitão da fortaleza da Barra, coronel em São Paulo, capitão em Goiás, soldado na Paraíba e Espírito Santo, tenente-coronel no Rio de Janeiro, tenente no Recife e vereador em Igarassu. Além disso, em várias cidades o santo é proprietários de bens, recebidos por herança, de pessoas que morriam e para ele deixavam em testamento terras, gado, e o que mais fosse.
Por causa de sua eficácia como casamenteiro, ao longo dos anos, tem sido submetido a uma série de vexames por quem deseja que ele lhes arranje companhia. Colocam a imagem do santo de cabeça para baixo, escondem o Menino Jesus que ele traz no braço, tiram-lhe o resplendor… Quando as mulheres usavam saia comprida, costurava-se o santo na barra da saia, na parte de trás, e ao andar o pobre era rebolado no chão e nas pedras durante todo o dia. Algumas o amarravam numa corda e enfiavam no poço, onde ficava submerso até que arranjasse um marido para a sua torturadora.
Nos idos de 1987-1988, quando trabalhei com o marchand Antônio Marques na Galeria de Arte do Centro de Turismo de Natal, aprontei poucas e boas com Santo Antônio, colocando as imagens que lá estavam expostas sempre de cabeça para baixo quando entrava na galeria, com o objetivo de forçar o santo a me arranjar um namorado. Sabem o resultado? O santo me arrumou um cara que me deu um trabalho enorme. Foram dez meses de paixão tumultuada e mais uns dois anos para me ver livre da criatura. Durante esse tempo, minha vida ficou de cabeça para baixo, do mesmo jeitinho que eu tinha colocado o santo. Nunca mais pedi nada a Santo Antônio. Eu, hein?
Então, como ficou provado aqui pela minha experiência, Santo Antônio arranja companhia sim, mas não se responsabiliza, e geralmente nos manda quem aparece primeiro. Meu conselhor é que, para arranjar amor, minha cara pessoa que me lê, se pegue com São José que eu lhe garanto que a criatura que vai aparecer é que nem o santinho, séria, direita, trabalhadora, caseira, uma pessoa de família, que pode até aceitar com bom humor e paciência alguma excentricidade sua, uma vez que São José aceitou sem questionar a missão de zelar pela virgem grávida que foi colocada sob a sua guarda.
De qualquer maneira, e como não quero decepcionar a minha imensa multidão de 3 ou 4 pessoas leitoras que estão no afã de arranjar maride, namorade, caso, companheire, chamego, xodó, rolo, ficante, sainte, crush, ou seja lá que nome se dê hoje em dia à criatura que conosco enrosca pernas, braços, emoções e pensamentos, uma coisa de cada vez ou tudo junto, estou aqui repassando para você uma oração de Santo Antônio recebida de herança e que – para os meus tormentos – sempre faz efeito.
Santo Antônio dos Cativos
Vós que sois amarrador
Amarrai por vosso amor
Quem de mim quer fugir
Empenhai o vosso hábito
E vosso santo cordão
Com algemas muito fortes
E um poderoso grilhão
Para que façam impedir
Os passos de FULANE
Que de mim quer fugir
E fazei meu Santo Antônio
Pelo amor de Nossa Senhora
Que FULANE case comigo
Sem tardança e sem demora.
Você deve rezar treze vezes durante treze dias. No entanto, é preciso ter cuidado com o que você pede ao santo, pois ele sempre atende. Atende, mas não se responsabiliza. E muito menos eu.
Para encerrar, veja um trecho do sermão do Padre Antônio Vieira, proferido em 1654, tendo como tema o sermão de Santo Antônio aos peixes:
“... Pregava Santo António em Itália na cidade de Arimino , contra os hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento são dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas chegou o povo a se levantar contra ele e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como Cristo aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços não podia fazer esta protestação; e uns pés a que se não pegou nada da terra não tinham que sacudir. Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência ou a covardia humana; mas o zelo da glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos. Pois que fez? Mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, António pregava e eles ouviam”.
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