Copa do Mundo é hora de tirar do armário o manto canarinho

Colunas

AO TRILAR DO APITO

Das doces lembranças no campo do 13 de Campina Grande e a eterna relação de tapas e beijos com a Seleção Brasileira

24 de novembro de 2022

Clotilde Tavares

“Ao trilar do apito” era uma coluna esportiva que meu pai, o jornalista Nilo Tavares, tinha na Rádio Borborema, em Campina Grande, nos anos 1950/60. Lá, ele comentava seu esporte preferido: o futebol. Eu me lembro que, ainda bem menina, com uns cinco ou seis anos de idade, ia com ele ao Estádio Presidente Vargas, ou “o campo do Treze”, e lá assistia a treinos e jogos. Penso que aprendi o que era um impedimento antes de dominar as quatro operações.

Tudo isso vem de uma vez só na minha cabeça nesse início de Copa do Mundo, nesse país estranho com arranha-céus erguidos no meio do deserto, estádios com arquibancadas lotadas de homens de bigode com túnicas brancas, onde não se pode tomar uma cerveja no campo, e o amor é criminalizado. O Qatar é um país curioso e eu, que não sabia nada sobre ele, estou googleando furiosamente para entender essa terra que parece saída de um livro de histórias.

Mas voltemos ao futebol. Eu gosto de dois esportes: futebol e vôlei. Os outros nem assisto, porque é perda de tempo. Tênis, basquete, automobilismo, basebol e aquele futebol americano cheio de encontrões: não entendo as regras nem tenho mais paciência de aprender. Gosto também de xadrez, mas acho esquisito chamar o jogo de esporte. No futebol, só torço apaixonadamente por dois times: o Treze de Campina Grande, e o Flamengo do Rio de Janeiro.

Nesta semana vi a equipe do País de Gales, que há 64 anos não participava da Copa; e lembrei que na última vez que isso aconteceu eu já estava sobre a face do planeta e do alto dos meus dez anos de idade me lembro do gol de Pelé – obviamente que ouvimos tudo pelo rádio, não havia TV. Isso para você ter noção de há quando tempo eu presto atenção ao futebol.

Mas aí chega a Copa do Mundo e lá estou eu sem saber se vou torcer ou não porque há tempos ando entre tapas e beijos com a Seleção Brasileira, alternando períodos em que me empolgo e torço, com outros em que tenho nojo e raiva. Na época da ditadura eu não podia nem ouvir falar, e ainda fico enjoada ao escutar o “hino” de Miguel Gustavo “Todos juntos, vamos, pra frente Brasil...” Mas aí a ditadura passou, e recuperamos a nossa seleção para amar e torcer. Recuperamos também o Hino e a Bandeira. Éramos e podíamos ser, de novo, brasileiros.

Anos depois veio então outra fase de enjoo, desta vez individual, só da minha parte, porque perdi a minha paciência com a confusão ocorrida antes do jogo com a França em 1998 envolvendo Ronaldo, a Nike, Zagallo, e sabe-se lá o que mais, em um episódio até hoje não explicado. Foi nessa época que comecei a entender o grande negócio que fazia a palavra futebol ser sinônimo de dinheiro e de rapina, e entender o papel da FIFA, da CBF e dos mafiosos que dirigiam essas instituições. Passei um tempo afastada, torcendo somente pelo Treze e pelo Flamengo, mas de novo a raiva passou e voltei a torcer pelo Brasil. Na Copa de 2014 veio de novo o antojo com a Seleção, com aqueles jogadores cheios de marra, atordoados pelos milhões de reais das remunerações estratosféricas, envolvidos na cultura dos likes e deslikes, de tal maneira que o futebol parecia ser apenas uma nota de rodapé no currículo daqueles rapazes. Não deu outra, e o 7 a 1 foi a consequência lógica de tudo isso. A Copa da Rússia também não me entusiasmou.

Agora, como falei, estou envolta por sentimentos contraditórios, porque quero torcer, quero gritar gol, quero pular quando a rede balançar, quero abraçar os amigos. Estou muito feliz outra vez, estou cheia de esperança no futuro. Falta um mês para os meus 75 anos e estou fazendo planos para viver mais uns 30 ou 40 anos. Ao mesmo tempo estou aborrecida, porque se apropriaram da minha camisa amarela e da minha bandeira, símbolos eternos da minha brasilidade, sequestrados por pessoas raivosas que esqueceram de sorrir, mergulhadas na dissonância cognitiva coletiva mais feroz que já presenciei. Pois é: essas pessoas estão com a minha camisa.

E agora?

Meu filho Rômulo, este homem calmo, ponderado e sapiente com quem conversei sobre o assunto, me disse: – Mãe, a camisa é nossa, é minha e sua, porque somos brasileiros. O uso comum desses símbolos é que nos caracteriza como nação – e completou dizendo que ia usá-la numa boa, que ia torcer pela seleção tomando uma cervejinha. Ele felizmente não está no Qatar, onde o consumo do álcool tem restrições.

Eu fiquei pensando, porque sou aquele tipo de gente que pensa antes de fazer as coisas. Em 2014 fui à Arena das Dunas aqui em Natal ver os jogos da Copa – mas fui com a camisa do Flamengo. Seria, então, uma opção. O problema é que a diretoria do Flamengo andou falando besteira também e lá estou eu, a rainha-da-paciência-curta, aborrecida com o clube. Então, não quero envergar o manto rubro-negro.

Quanto à camisa amarela, não sei se vou vestir. Não fico à vontade, mesmo aceitando o raciocínio mais do que equilibrado e sensato do meu filho.   

A solução é mandar buscar em Campina Grande uma camisa do Treze, meu outro time do coração. Vou pedir a Pedro-Quirino-Meu-Irmão porque tenho certeza de que ele, mesmo sendo raposeiro (torcedor do Campinense), não vai me deixar na mão. As cores da camisa são preto-e-branco, mas o time é o Treze.

E com o Treze eu sempre tenho a certeza da felicidade.

Viva a Seleção Brasileira.

 

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