Circos e teatros não estão inseridos em nenhuma categoria do edital. Foto: Vladimir Alexandre

Reportagens

Artistas criticam editais da Fundação José Augusto para Lei Aldir Blanc

Propostas não contemplam categorias específicas e a maioria não sabe onde se encaixar. Ao todo, serão R$ 9 milhões para editais

17 de setembro de 2020

Da Redação do Típico Local

O pacote de oito editais elaborado pela Fundação José Augusto (FJA) com recursos da Lei Aldir Blanc parece não ter agradado como o esperado o segmento cultural. Por enquanto estão disponíveis apenas as minutas dos editais para consulta pública (com prazo de 48h para serem encaminhadas sugestões, ou seja, até o final da tarde desta quinta-feira). O valor total de recursos é de R$ 9,9 milhões, com perspectiva de contemplar pelo menos mil projetos nas diferentes categorias propostas.

De cara surge o primeiro descontentamento. Segundo alguns produtores e artistas ouvidos pela reportagem, não há tempo suficiente para se fazer uma avaliação minuciosa dos editais. E, tendo em vista a urgência para lançar os editais, já que os recursos devem ser utilizados até dezembro [senão retornam para o cofre da Governo Federal], alguns desacreditam que sugestões mais profundas serão levadas em consideração.

É a opinião da produtora cultural Danielle Brito. “Como se põe esses editais para só 48h de consulta pública? E qual a garantia que se tem de mudar alguma coisa? Não me sinto contemplada por nenhum dos editais da maneira em que está posto. Acho que faltou pegar as sugestões das pessoas”, comenta.

Tatiane Fernandes: "FJA ouviu os segmentos, mas sugestões não foram incorporadas aos editais"

Também produtora cultural, Tatiana Fernandes compreende que pelo caráter emergencial da Lei Aldir Blanc é preciso pressa, mas que lamenta o fato do segmento não ter visto contemplados algumas sugestões dadas a FJA nas reuniões que antecederam a elaboração dos editais.

“A FJA se prontificou a ouvir muitos segmentos, o que de fato aconteceu. A questão é que os segmentos estão se manifestando de que as ponderações e sugestões repassadas não foram incorporadas aos editais. As temáticas e valores são importantes sim, contudo, os objetivos e a abrangência dos editais poderia ser o ponto de partida”, avalia Tatiana.

Outra problema apontado é o de que o pacote de editais é confuso. Isso porque a proposta da FJA foi a de construir os editais de modo que abrangessem a maior diversidade de temáticas e de abordagens possível, não importa a linguagem artística. Desse modo, o artista ou produtor que trabalha com uma linguagem artística específica [como teatro, por exemplo] poderia encontrar dificuldade para enquadrar uma proposta de espetáculo devido às várias categorias dentro dos oito editais oferecidos. 

E pode acontecer de um projeto de curta-metragem concorrer com projeto de espetáculo, e com festival de música, e com podcast. Nesse sentido, como estaria preparada a comissão de seleção para avaliar tamanha abrangência?

Para Tatiana, a grande abrangência pode ser um risco. “Os editais são amplos e tem certa complexidade. Por serem amplos, não "miram" em ninguém, isso pode ser bom para ser abrangente, mas pode ser um risco não acertar em ninguém”, reflete. 

Para Anderson Foca, a FJA vai precisar criar maneiras de orientar os interessados: "Está bastante confuso"

Já para o produtor cultural e músico Anderson Foca, a FJA vai precisar criar maneiras de orientar os interessados em se inscrever. “No meu entendimento há sim [espaço específico para música, teatro e cinema, por exemplo], mas está bastante confuso. Acho que a equipe da FJA precisaria fazer várias lives e escutas durante o período de consulta pública para esclarecer quem pode se inscrever e onde cabe cada projeto”, sugere. “No geral o edital é completamente amplo, os valores são mais pra uma indução de capilarizar bem os prêmios, entendível para o momento emergencial, e até para entrega dos produtos culturais propostos”.

Os oito editais são: Cultura Popular de Tradição; Auxílio para Publicações Literárias; Diversidade; Formação, Pesquisa e Troca de Saberes; Microprojetos; Saberes e Sabores; Projetos Culturais Integrados; e Cultura e Cidadania. O valor da premiação nos editais varia de R$ 5 mil à R$ 10 mil. 

Para Danielle Brito, editais tem valores risíveis

De acordo com Danielle Brito, os valores são baixos. “À primeira vista achei uma coisa sem pé nem cabeça. Faço exceção ao edital do livro, apesar de achar os valores risíveis. Não contempla os artistas. É pouco”, afirma. “Até admirava o edital Saberes e Sabores, mas também tem valores muito baixos. Parece que foi feito por alguém que não conhece de patrimônio cultural. No nosso estado temos uma tradição culinária, mas não acredito que existam 50 pratos tradicionais, pratos formadores da cultura alimentar norte-riograndense. Acho que podiam ter sido mais modestos no número de beneficiários e assim ter aumentado a premiação para as pessoas que tivessem realmente um produto decente, que servisse para o futuro, realizando bons documentários”. A produtora ainda acrescenta: “No geral, os editais são burocráticos e mal escritos e de finalidade confusa. Embora se diga que todos os segmentos estão contemplados, ninguém está se enxergando nos editais”.

Danielle Brito atenta para outros pontos, como a categoria “Protagonismo Cultural”, no edital Microprojetos, na qual serão contempladas 50 iniciativas já realizadas durante a pandemia, com o valor de R$ 5 mil. “Agradecemos essas pessoas [que já realizaram suas ações em meio a pandemia] pela sua criatividade, mas poderia ter tido um prêmio mais simples. Acho o valor [total dessa categoria] exorbitante. Por exemplo, o circo não ganhou um edital próprio. Acho isso doloroso pra eles”, avalia.

O músico Esso Alencar, do Fórum Potiguar de Cultura, disse que comissão se reuniu para debater editais

Distribuição mais justa
O outro ponto levantado seria referente a necessidade de se fazer uma distribuição mais justa dos recursos entre todos os municípios. “Muito se fala das diferenças sociais e econômicas. Mas na hora que a gente recebe R$ 32 milhões, dos quais pelo menos R$ 17 milhões pode ser usados em edital, se pega esse dinheiro e fazer uma distribuição injusta. Por que nós da Grande Natal temos que ter mais recursos? Já temos mais possibilidades [que os municípios mais pobres], temos mais oportunidades de participar de editais, de ter feito curso de formação, oficina de elaboração de projeto. Com esse dinheiro estamos tendo a oportunidade de contemplar todos os municípios, de corrigir desigualdades. Tenho conversado com pessoas de mais de trinta municípios, e eles falam da dificuldade. Quero muito que o dinheiro vá mais para o interior. Eles merecem. O pessoal está abandonado há muitos anos”, comenta Brito.

Segundo o cantor e compositor Esso Alencar, integrante do Fórum Potiguar de Cultura, o segmento artístico se reuniu ontem (16) para debater a questão dos editais. “É um montante de recursos que a gente não costuma ter no Estado. Acho que como sempre a sociedade civil organizada não está sendo levada em conta. O fórum tenta fazer essa interlocução com o governo. Até estamos sendo ouvidos, mas as coisas não estão avançando muito. Sinto um grande descontentamento entre o pessoal em relação ao valor dos prêmios”, diz o cantor, que informa que ainda nesta quinta-feira (17) o setor deve se encontrar com a governadora para levar as pautas do segmento.

SAIBA MAIS:

O Governo do Estado do Rio Grande do Norte receberá diretamente R$ 32 milhões. Já para os municípios o valor do repasse será de R$ 27 milhões, percentualmente de acordo com população e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). No total, se todos os recursos forem aplicados e não devolvidos ao governo federal em 31 de dezembro, serão R$ 59 milhões circulando no RN exclusivamente para Cultura e economia criativa.

Para conferir a minuta dos editais visite: AQUI