Astier Basílio é pernambucano, mas fez sua carreira literária na Paraíba

Reportagens

Astier Basílio: "Uma coisa é a literatura, o processo de escrita; outra, o livro e tudo que o cerca"

De férias no Brasil após temporada em Moscou, onde cursa mestrado em literatura , escritor fala sobre pandemia, choque cultural e produção

13 de julho de 2022

Cefas Carvalho

Pernambucano de Vitória de Santo Antão, onde nasceu em 1978, migrou muito cedo para Campina Grande e depois João Pessoa, na Paraíba, onde se destacou como poeta, jornalista, escritor e dramaturgo. Publicou diversos livros de poesias, venceu concurso de dramaturgia da Funarte e foi editor do suplemento Correio das Artes e do suplemento cultural Augusto, do Jornal da Paraíba, tendo atuado como repórter, crítico de literatura e de teatro do mesmo jornal. Mora na Rússia atualmente, onde faz mestrado sobre a literatura daquele país e de férias no Brasil concedeu entrevista para a série Literatura pelo Brasil afora, onde falou sobre choques culturais, literatura, pandemia e muito mais. Confira:

Você nasceu em Pernambuco, muito cedo foi para Campina Grande e depois João Pessoa. Como essa migração afetou sua formação cultural e sua visão do mundo?

É difícil para mim imaginar como migração. É como se Campina Grande e João Pessoa compusessem um mesmo território urbano. Ambas se complementam na minha fantasia. Eu acrescentaria mais o sertão paraibano, mais precisamente a cidade de Patos, onde iríamos nas férias da minha infância, para ficar no sítio onde meu avô morava. Aquele paisagem exerce um decisivo papel na minha formação. Pernambuco, onde nasci, mas lá minha família não tem nenhuma raiz, se tornou uma referência simbólica, o lugar de onde vim e para onde eu sempre retorno. Ter saído, porém, teve uma importância na formação. Saí da casa dos meus pais aos vinte um anos e nunca precisei pedir a eles que pagassem minhas contas desde então. Não tinha parentes em João Pessoa. Fiz minha carreira com o meu texto.  A migração, portanto, foi para mim como um rito de passagem.

Você decidiu estudar russo e depois foi morar na Rússia, onde se dedica  a um mestrado, à literatura daquele país e a tradução de poesia. Como foi esse processo todo, do amor pelo idioma até à parte prática, da viagem e residência em Moscou? E como foi o choque cultural?

Já se vão cinco anos de Rússia. Cheguei lá e fiquei três meses. De fevereiro até maio de 2017. Decidi retornar para uma temporada de mais um ano e meio. Tudo isso estudando em cursos de russo, com aulas das nove da manhã às três da tarde, de segunda à quinta, com pessoas do mundo todo: Irã, Estados Unidos, Itália, Japão, China, Índia... Depois, obtive uma bolsa e me mudei para a Karélia, onde fiz um ano na faculdade preparatório. De lá, decidi regressar a Moscou, onde ano passado concluí, com excelência, o mestrado em ensino de literatura russa para estrangeiros, no Instituto Pushkin, minha dissertação foi escolhida pela comissão como a segunda melhor defendida. Optei por continuar os estudos, acabei de passar nos exames do doutorado, no Instituto de literatura Maksim Gorki, e em setembro deste ano, prossigo já no segundo ano. Quanto ao choque cultural, nos primeiros dois anos eu me comunicava com os russos em inglês e isto, de certa forma, já seleciona com que tipo de pessoa se vai falar, ou seja, eram pessoas mais ligadas com o ocidente, que possuem um ponto de vista que, de certa forma, difere da maioria da população. Então, só pude ter contato maior quando fui capaz de me comunicar na língua deles. O tempo todo estou tendo lições. O grande problema para mim são aspectos que para os nativos são óbvios, mas não há nada óbvio em cultura, assim sendo, muitas vezes sofri com problemas de desentendimento pessoal porque minhas ações eram interpretadas de uma maneira diferente das que eu estava acostumado.  Vim com o objetivo de me tornar tradutor e de traduzir poesia. A poesia russa é bastante musical, sonora e eu procuro encontrar equivalências nas traduções que faço.

Você venceu o prêmio Funarte de Dramaturgia em 2014, e foi finalista do prêmio Sesc de literatura na categoria romance em 2017. Qual a importância dos prêmios literários e qual sua visão sobre eles?

Comecei a publicar livros desde os 18 anos. Publiquei muito para minha idade. E quase sempre de maneira independente. O que demanda muita energia, muito trabalho de divulgação do produto livro. Uma coisa é a literatura, o processo de escrita, outra o livro e tudo que lhe cerca. Os concursos, de alguma maneira, por serem processos públicos que envolvem comissão e que sempre geram alguma repercussão, ao menos para mim, dá uma certa tranquilidade em relação ao produto final, o livro. De modo que participo com frequência de concursos, e perder é uma espécie de medalha de sinal trocado, um termômetro. Não acredito que seja decisivo para definir o escritor que sou. Nem ganhando, nem perdendo. Perder ou ganhar faz parte do jogo e, por enquanto, ainda estou disposto a jogar.

Como jornalista, foi colaborador de diversas  revistas e jornais. Como observa atualmente o jornalismo em geral e o jornalismo cultural realizados no país?

Para dar conta de tudo que preciso ler para o doutorado e para seguir meu projeto de tradução, que demanda estudo e pesquisa, sobra pouco tempo para acompanhar a vida literária ou mesmo jornalismo cultural ou ainda o jornalismo em geral. O presente é algo tão sufocantemente imenso com suas muitas opções que me parece um jardim de buracos negros e que tem me interessado cada vez menos.

Você faz parte de um cenário da literatura paraibana, junto com Maria Valéria Rezende, Lau Siqueira, Sérgio de Castro Pinto, Roberto Menezes e tantos outros, que ganhou e continua tendo destaque e ampla produção. Qual o "segredo" desse "boom" paraibano?

Sucesso e êxito são distintos. Obter sucesso é algo que está ao alcance de alguém talentoso. Há uma série de fatores que se conjugam e que são impossíveis de se adivinhar. Boa parte dos nomes que você citou por muitos anos não tinha reconhecimento nacional e mesmo assim continuava  combatendo o bom combate, fazendo excelente literatura com destaque local. Bom para o Brasil que conseguiu enxergar o que nós na Paraíba já víamos e apreciávamos.

Você chegou a atuar como crítico de literatura e de teatro no Jornal da Paraíba. Como vê atualmente a crítica literária? Ela ainda existe?

Tenho lido pouquíssima coisa que não esteja dentro da minha linha de trabalho. Mas, pelo que vejo, mesmo que à distância, a crítica literária existe, sim, e tem florescido em outros formatos com o pessoal mais jovem lendo e compartilhando suas impressões em formato audiovisual como Youtube e instagram.

Você publicou livros como “Funerais da Fala”, "Searas do sol",  “Eu sou mais veneno que paisagem”  e o elogiado "Retratos falados". Existe alguma ideia ou conceito que une seus livros publicados? Qual a avaliação que faz da sua produção literária?

Os livros refletem muito minha evolução como poeta. E minha visão de mundo mudou muito desde meu primeiro livro. Acredito que "Antimercadoria" (2005)  foi um livro importante porque me dei ao exercício de testar outras opções estéticas, arriscar experimentações. Tento, sempre, refletir o meu próprio tempo. Aprontei um trabalho agora, e o coloquei para concorrer num concurso. Neste novo livro já há uma influência de meu trabalho como tradutor. Traduzir poesia russa alterou muita coisa na minha produção como poeta.  Aqui se diz que ao poeta é importante descobrir seus temas e encontrar seus personagens e que o poeta deve ouvir a música de seu tempo. Isto afetou muito minha visão sobre o poético e sobre a criação.

Como foi sua produção literária durante a pandemia? E qual o impacto que o período causou em você como artista e como pessoa?

Na pandemia, escrevi muito. Escrevi um livro de poemas sobre Moscou e Lisboa, que acabou engavetado. Foi quando comecei minha atividade como tradutor. Traduzia um poema por dia. Depois, me dei conta de que era importante dedicar-se a um poeta por vez. Mas tenho revisitado esta produção inicial e tem sido interessante observar as soluções que formulei à época. Sou uma pessoa que gosta de rotina. Então, fiquei numa dacha no interior da Rússia.  Era preciso pegar água numa fonte, cortar lenha, fazer trabalhos manuais, além de estar em contato com a natureza. Foi um momento único.

Quais seus próximos projetos literários? E pretende voltar ao Brasil de vez ou continuará morando em Moscou?

Vou publicar, em folheto de cordel, nove poemas que traduzi de Óssip Mandelstam. Vai se chamar "Sal no machado". Poemas de viés mais político. A edição terá comentários em cada poema, bem como notas. Quero terminar de ler a biografia de Nikolai Gumiliov e traduzir alguns poemas dele para o Estado da Arte, suplemento cultural do jornal Estado de São Paulo, onde venho publicando ensaios com traduções. Mantenho, aos sábados, uma coluna no jornal A União na qual escrevo sobre poesia russa. Na última semana, publiquei uma tradução minha de um poema de Arseni Tarkovski, pai do cineasta Andrei Tarkovski. Estou com notas para umas narrativas, mas ainda não tive tempo de começar a escrever.


Acredita que o escritor tem um papel social a cumprir? O que pensa do posicionamento de artistas nos dias atuais?

Eu não me vejo com essa importância toda. Nem consigo vender mais de duzentos livros. Nem sou capaz de convencer alguns de meus amigos a irem aos meus lançamentos. Não me vejo em condições de falar sobre o escritor, de modo geral. Sei de mim. E o que sei é que há opinião demais no mundo. Com as redes sociais, as pessoas se veem na ânsia de fazer pronunciamentos diários sobre assuntos dos mais diversos, de grande complexidade, sem qualquer capacidade para tal. Tenho oferecido minha recusa a isto.