Escritor paraibano prepara livro de contos e biografia sobre poeta e militante negro Arnaldo Xavier

Reportagens

Bruno Gaudêncio: "A arte possui uma vocação de encantar ou desconstruir certas ideias e valores"

Autor de "Invenção do Cavaleiro da Esperança: políticas da memória na construção biográfica de Luiz Carlos Prestes" fala sobre obras

09 de maio de 2024


Cefas Carvalho

Nascido em 1985 em Campina Grande, Paraíba, Bruno Gaudêncio é historiador e professor, formado em Jornalismo e História pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), mestre em História pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Publicou diversos livros, entre coletâneas de contos, antologias, ensaios e roteiros biográficos em quadrinhos. Na poesia lançou "O Ofício de Engordar as Sombras" (2009, Sal da Terra), "Acaso Caos" (2013, Ideia), "O Silêncio Branco (Patuá, 2015), "O Caos Anterior ou Uma Antologia de Si" (2015, Patuá) e mais recentemente “A cicatriz que canta o incêndio da raiz” e “Blues e Minotauros”. Alguns dos seus poemas já foram publicados em revistas e sites culturais nacionais e internacionais, com destaque para Zúnai (São Paulo), Acrobata (Piauí), Literatas (Moçambique), Orizont Literar Contemporan (Romênia) e Samizdat (Portugal). É membro da Academia de Letras de Campina Grande (ALCG) e sócio efetivo do Instituto Histórico de Campina Grande (IHCG). No ano passado lançou "Invenção do Cavaleiro da Esperança: políticas da memória na construção biográfica de Luiz Carlos Prestes (1945-2015)" resultado da tese de doutorado defendida na USP. Nesta entrevista, ele fala sobre sua obra, movimentos culturais e próximos projetos, como um livro de contos e uma biografia do poeta e militante negro Arnaldo Xavier. Confira:

Você lançou recentemente "A Invenção do Cavaleiro da Esperança: políticas da memória na construção biográfica de Luiz Carlos Prestes (1945-2015)" que foi o resultado de uma tese de doutorado defendida em 2021, em História Social, na USP. Como foi se debruçar sobre um período histórico tão importante e sobre uma figura da dimensão de Prestes e publicar este material em livro?

Primeiramente agradecer pela oportunidade. Sou um leitor de suas entrevistas. Sobre o livro/tese foi um desafio enorme. Prestes é intenso em diversas dimensões. Viveu muitos anos. Sua trajetória política até certo ponto se confunde com a história do Brasil no século 20, com desdobramentos significativos na história mundial. Além disso, Prestes foi objeto de muitos escritos. Dissertações e teses, no mundo acadêmico; biografias e memórias no mercado editorial. Uma avalanche que tive que me debruçar para tentar compreender que políticas de memória foram agenciadas na sua construção biográfica.

Na poesia você lançou "O Ofício de Engordar as Sombras", "Acaso Caos", "O Silêncio Branco" e "O Caos Anterior ou Uma Antologia de Si". Existe alguma unidade temática ou conceitual entre esses livros? E como autoanalisa seu fazer poético?

Além destes títulos citados, publiquei ainda na poesia outros dois mais recentemente: “A cicatriz que canta o incêndio da raiz” e “Blues e Minotauros”. Ou seja, foram seis no total, de 2009 a 2021. A impressão que tenho é que escrevo o mesmo livro. A espinha dorsal é sempre a mesma. O esquecimento, o abandono e a morte. Depois deste ciclo estou começando a escrever algo diferente na poesia. Um poema longo que trate de outra temática/abordagem. Sobre a autoanálise: tenho consciência que a minha poesia é apenas mais uma entre tantas. Mas, como disse Paulo Leminski: o ato de continuar fazendo poesia é de resistência. Sacudir os sentidos do mundo é cada vez mais raro.  

Como mestre em História pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e com doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), em que nível o conhecimento acadêmico afeta sua produção literária e percepção da literatura?

Às vezes penso que não existe muita diferença, sabe. Naturalizei tanto o diálogo, que a fronteira se apagou. Pra mim tudo é uma coisa só: poesia, prosa, memória, esquecimento, biografia, ensaio, política, cultura... Sou da tribo dos integrados, que procura conectar e aproximar.

Percebe-se que a Paraíba é um celeiro de ótimos literatos. Qual o segredo desse boom paraibano que já dura décadas? E existe um sentimento de "grupo" entre os fazedores de literatura paraibanos?

A Paraíba tem uma tradição literária consolidada no cânone e diferentes épocas, sobretudo a partir do modernismo/regionalismo do início do século 20 (Zé Lins, Zé Américo, Augusto dos Anjos, Ariano Suassuna); além disso é celeiro de diversas expressões literárias ditas populares, cantoria, cordel, etc.  (Leandro Gomes de Barros, Silvino Pirauá, etc.) Dois centros culturais muito significativos (Campina Grande e João Pessoa), onde você encontra diversas vozes, que se interconectam. Mulherio das Letras, Clube do Conto, Núcleo Blecaute, Núcleo Caixa Baixa, as diversas festas literárias, são exemplos recentes como a literatura paraibana é rica, diversa e se reinventa sempre. Se não existe um sentimento de grupo ou unidade, existem diversos grupos que se complementam e representam muito o nosso fazer literário. Podemos citar Maria Valéria Rezende, como autora que surgiu nos últimos anos para impactar o nosso cenário.

Acredita que existe um intercâmbio literário no Brasil? No Sul/Sudeste leem o que é escrito no Norte/Nordeste, por exemplo?

Existe em escala micro, faltando um maior intercâmbio quando se fala em mercado editorial, no sentido macro. Existem bons projetos nacionais, é verdade, como o Arte da Palavra, por exemplo; algumas curadorias de bienais e festas literárias, que procuraram diversificar em tudo, a partir de um recorte étnico, cultural, sexualidade, gênero e geográfico. Mas precisamos de mais conexões. Precisamos de mais projetos e ações, que possibilitem conhecer cada vez mais a diversidade literária brasileira. Em escala macro.

Como vê o papel das Redes sociais no ofício de um escritor, seja para produção literária, divulgação ou contatos?

De início eu pensei que as redes sociais iriam minimizar as distâncias me diversos sentidos, mas o sistema literário me parece o mesmo de antes das redes sociais, concentrado e fechado. Sobretudo o mercado editorial e o circuito de grandes eventos literários. A grande vantagem das redes sociais do escritor é o contato com seu público, mas sempre pensado em meio a nichos. É como se fosse uma cadeia de divulgação. Estou numa fase da vida que não reconheço as redes sociais como algo novo ou transformador. Virou mais um mecanismo de venda de imagem pública. Quanto mais conhecido mais seguidores, quem sabe leitores.

Acredita que o escritor tem alguma obrigação, moral, pessoal ou pública, de ter um papel social? Como percebe esse papel do escritor e possíveis cobranças neste sentido?

Todos nós temos responsabilidades sociais. Seja como jornalistas, professores, políticos. O escritor deve ter a sua. Mais o correto mesmo é cada um seguir o seu caminho, fazer do seu jeito, sem a preocupação moral ou econômica imposto pela sociedade. A arte de maneira geral possui uma vocação de encantar ou desconstruir certas ideias e valores. Sou da tribo dos que procuraram sacudir “os sentidos do mundo”, no dizer de Roland Barthes, - dando murros na alma, incomodando, tocando em temas delicados, de ordem individual ou coletiva. Neste sentido, não me preocupo com cobranças. Vou sendo guiado pela minha liberdade criativa.

Quais os seus próximos projetos literários? O que pretende em termos de literatura neste ano de 2024?

Vou lançar agora em julho um livro chamado “Contos da noite: breve inventário de lendas paraibanas”, dedicado a registrar e dar algumas versões sobre lendas noturnas do meu estado. É um projeto antigo e decidi colocar pra frente, através dos recursos da Lei Paulo Gustavo, em meu município. Estou escrevendo já alguns anos uma biografia do poeta e militante negro Arnaldo Xavier e um ensaio chamado “A cidade cantada”, dedicada à minha cidade natal, Campina Grande. Acredito que estes dois últimos não sairão este ano. Mas estão no gatilho