João Gualberto é poeta e jornalista,O mais importante poeta da geração mimeógrafo

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Crônicapoema para João Gualberto Aguiar, arquétipo da litorânea redinha

01 de dezembro de 2020

Carlos gurgel | Poeta

Improvável que fosse dezembro, penso no mês de fevereiro. era justo o mês onde cajus floriam. pela beira de praia, bêbados, boêmios, arregimentavam o descalabro do que se preconiza como dar conta dos compromissos diários, mensais. era um explosivo tempo, onde nada fazia lembrar o curso das coisas certas e concluídas. tudo indo pelos, para os ares, muita bebida. muita babel. o dia em 48 horas. esticar o tempo das férias, dos descompromissos. mandar tudo para a peste do quinto dos infernos. out sider. diásporas, descompromissos deselegantes, o clã dos cumpadres onde se alguém fala em dar conta do diário justo e obrigatório, era como um rastro de pólvora, inclemente e de consequências monoliticamente batismais. astro/mastro teatro de pés, ombros, lança perfume de tanta incontida algazarra, rebeldia, o mundo da rua no coração de cada um sem dia, sem noite, desmantelados somos.

o mundo como pandeiro/padiola recheada de bêbados, um inumerável séquito que se arrasta pelas barracas da beira da praia sem pias e plantas. tudo tão animalescamente fabrico dos olhos e das mãos da bacana trupe dos inumeráveis caras das pestes e das pistas e das postas como uma fornalha cinzenta de sonhos e dos psicodélicos jardins do outro lado do rio. era fevereiro, era também janeiro e um pouco de março. era essa corja ( diziam eles outros ? ) como cortejo contra o relógio do tempo. desse corredor de tanto espocar romances, nuvens amorosas, o quarto da casa abandonada, a areia do mar entrecortando e se fazendo hóspede como lençol e como colcha desses episódios eternos e inqualificavalmente juvenis. jeans e juras. jalecos e papoucos. sim, era uma bíblia dessa litorânea algazarra, expelindo muita gosma, desses jovens tão arredios, maloca, moluscos das tardes de domingo. essa troça. esse troço. esse olhar da menina subindo a escadaria da pequenina igreja preferida. roletes de cana. fumaças de uma fogueira febril. a tampa da garrafa tequila, essa aguardente desse ácido transe , litorânea que não dorme. o foguetório de tantas impossíveis e incontáveis tragédias sociais.

tempo de jogar tudo pro ar. de desarrumar mesmo. sem hora para acabar. praia zonza. uma zona perigosa e repleta de arrebites. cachaça além do tempo. além das horas madrugáveis, além da manhecença. conversa doida pra banda dos morros da praia. muita coisa doida. anos 70. pulso/impulso em rotação sem norte. palavras ininteligíveis. um monte de urros, letras bêbadas, como um litorâneo hospício. louca de uma madrugada dilaceradamente repetida diariamente. mundo de gente despentelhada, sem saber e sem querer jamais descrever o dever de casa. o horripilante carretel de uma história completamente diferente dos outros meses do ano. saca rolha. bolha. escaldantes trilhas entre as inúmeras vertentes de uma litorânea tropicalista. poesia doida, bêbada, dessacralizada, hipnótica, surrealista, underground, inteiriça de desmaios e desvãos.

esse bando de uma banda de banda de rock. bando de uma banda de churrasco de gato. bando de uma banda de fumegações visceralmente fora da taba moralista. tempo de nomes doidos, nomes impublicáveis, nomes marginais, nomes sem sentido, nomes depostos, nomes irracionais, nomes pobres, nomes provincianos reinantes e sem clero. nomes de ponta de não se sabe de onde, por onde a moral se escafeda. nomes de tantas coisas arremessadas contra o vento, oriundos/filhos da capeta caravela desse desbunde entre gostos e gases. viés de uma vela que ilumina a noite sem fim. todo mundo doido. sem primos. sem prumos. sem primaveras e pés. como essa coisa indecifrável, desconhecida, sem estandarte e roupa engomada.

bando de doido era todos nós nesse redemoinho praiano. nessa quintessência de pitu com farinha e sardinha. nessa desjaula. nesse corrimão pólvora de combustão explosiva descontrolada. beira de praia flamejando corres e mais corres de tanto esquecimento de tudo, isso. uma quintura de raiar juízo de propósitos. o estrupício do plissado,  derivado dessa jaula aberta nos bares do litoral da praia de frente para a igreja, como cântico marginal de tantos espaciais passos dados. dádivas desse vagão de veraneio, uma peleja. totais mostras: quengos, bando de partes dos cocos sem corpos, tríplices cisternas, copos moídos,  fuzarca gemendo, moendo sem controle, feito uma ficha de máquina de música repetindo o tempo todo o sonoro tribal, dessacralizadamente irresponsável, sim. ruma de gincana sem pé, cabeça, pulmões, a floresta dos filhos sem ré, das bananeiras verdes arremessadas em direção ao mercado onde o beréu fervia tal qual paixão do solto mês sem calendário, sem pijama.

louca de uma vida sem calendário. doido de um litoral encharcado de redes, tranças, aborígene lança. caça de uma euforia provocante, destilada régia sem clã. tudo de portas abertas. sem término. tudo assim como reduto de uma instalação de um outro solar dos sonhos, como respiro, transpiro de frente para esse recôndito recinto, revisitados reescritos do quebra mar. loucas louças louras levianas, licores de milhares de cores, incontáveis churrascos de chuvas a granel de tanta cousa acontecida , retorcidos bilhetes de monumentais pulsações, vibrações de um plantel de deslumbrantes batuques por onde a cristalina onda noturna fabrica com os olhos do sol, uma outra gincana desse farol cinético, ourives da varanda do clube sem cais. afã.

nesse aproach surto surge O profeta das letras estapafúrdias, desreguladas, requentadas como uma taba transe. como um novelo, tão mítico cotovelo sem nó. desnoção do mundo. nocaute no miolo do quadrilátero por onde as palavras se alojam, e se isolam de tudo. Redinha doida de guerra. Redinha dos alfarrábios das redes estendidas, amanhecidas de um expresso alinhave de uma outra pá ciência, abduzibatória. melar o corpo de cera, da cerca dos caranguejos e caracóis cristalizados de cruzadas, cangulos, cafundós, carapuças, carrapatos, carambolas, cartomantes, claras e gemidos. ruídos, urros, muros de murros, miríades de moradas desmemoriadas. um monte desse metal incrustado e de gravetos, entulhos dentro dessas tropas surrealistas, tupiniquins, aborígenes, afro-escravas, títeres de botecos no meio da lua, o trópico úmido solo sem sensorial bússola e descarte de tudo que tinge o orvalho da dor, como a barcaça de uma expedição na casa dos que não sabem o prazer da alforria praiana.

foi no meio desse incontrolável estampido jardim requentado onde o propagador profeta único, pólvora da palavra acesa, João Gualberto Aguiar reuniu e reinou entre ímãs, irmãs e irmãos. entre vésperas e vísporas. infinitamentre vibrantes vesperais e madrugáveis noites sem alças e alcaides. gênio, ele ungiu a pedra do reino de uma beira de praia sedenta  como romã, maçã, prioritariamente planetárias. aquarianos como João, passamos a ter a companhia do som das horas da areia do mar, sem fugas. era tudo como uma trupe tripé de tanto trapézio transbordante, desse temático térmico templo sem tampas. sem a inclemência dos Reis, sem a fútil fuga das moscas por cima do belo alfaiate das salas de jantar. por dentro dos tantos absolvidos raios, rolos do entorno das jangadas amanhecidas. abandonadas e cerzidas. Gual, como fonte, revoltado dicionário. ululante, onipresente palavra, fortaleza de tanta pãn magnitude. tanta desmesurada infinitude das suas asas e folhetins. proa dessa alegria que se prolonga, se prolonga. igual ao nascer de uma nova expedição. como indecifrável labirinto dos nossos poços e passos. paiol e primavera. vertiginoso contraponto, velocípede que tudo ultrapassa, como um cintilante olhar por sobre nossos ombros e corações.

aquietam-se as flores. o vesperal da escola contagia.

 

Sobre: João Gualberto Aguiar, de 73 anos, é poeta e jornalista. Precursor da geração mimeógrafo, publicou Máquina de lavar poemas. Natal, 1976. (mimeografado, poesia);  Napalm. Natal, 1976. (mimeografado, poesia). Teco-Teleco-Teco: máquina de escrever. Natal, 1979. (mimeografado, poesia). Exposição de Motivos. Natal, 1981. (mimeografado, poesia). Lendas e Mitos. Natal: Cooperativa dos Jornalistas, 1987. (poesia). Nuvempoema. Natal: Fundação José Augusto, 1990. (poesia). Na piscina azul do mar. Natal. Fonte: Blog do Antonio Miranda.