Flanelinhas mais atrapalham do que ajudam. FreePik
Colunas
Aquele momento em que nossas habilidades somem quando há gente observando o que estamos fazendo. Ou, a arte de sobreviver a um flanelinha
16 de fevereiro de 2023
Clotilde Tavares
Não tem cidade que não tenha essa praga. É só você tentar colocar o carro em uma vaga, ele aparece. Aliás, não basta nem isso: é suficiente trafegar em marcha lenta por um motivo qualquer que ele supõe que você está querendo estacionar, e se aproxima para “dirigir a operação”. Você já descobriu que estou falando do flanelinha. Mesmo que o seu objetivo seja inserir o carro numa vaga, principalmente se for estacionar a 45 graus, operação fácil e descomplicada, ele se aproxima, ansioso, fazendo sinais com as mãos, soltando comandos incompreensíveis, dirigidos a você, motorista desavisado, principalmente se você for como eu, que se atrapalha com qualquer pessoa me fazendo sinais, me rodeando e me olhando, quando eu estou em qualquer atividade como essa.
Ora, o simples ato de autografar um livro me deixa paralisada, e não sei escrever com uma pessoa olhando e aguardando que eu produza, de improviso e sob observação, um texto simpático, poético e pessoal. Muita gente já saiu da mesa de autógrafo olhando decepcionado para o que escrevi e um dos meus leitores, uma vez, coberto de razão, ao ler o sem gracismo do “Para Fulano, com o abraço de Clotilde”, me perguntou: “Só isso?” Pois é, minhas habilidades somem quando há gente observando o que estou fazendo.
Voltando ao estacionamento. Quando a coisa se complica, com os gritos e gestos que nada significam para mim (afinal, “faça o jogo” e “desfaça o jogo” me remetem sempre aos cassinos que vejo nos filmes) eu simplesmente paro o carro, na tentativa de respirar e me acalmar. Quando isso acontece, chamo o sujeito e pergunto se ele é do Detran. Diante da óbvia negativa, eu comunico que tenho habilitação, que o documento está dentro da validade, e peço para ele se afastar. E estaciono no meu ritmo, segundo a visão que eu tenho, porque estou dentro do carro, e é de dentro do carro e ao volante que se manobra qualquer veículo.
Mas tem um complicador. Como sou mulher e sou velha, é como se carregasse na testa uma inscrição que me rotula de incompetente ao volante. Minha filha já me proibiu de brigar com flanelinha, mas quando a coisa passa do limite é hora de usar minha mais potente arma: a voz de trombeta, trabalhada nos palcos de teatro onde um sussurro tem que ser ouvido além da fila P. Paro o carro, solto uns berros, flanelinhas em pânico se dispersam, paro o veículo na vaga e a paz volta a reinar no país do estacionamento.
Às vezes, é preciso descer do salto.
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