Casas antigas sendo vendidas por preços baixos não é novidade na Europa

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Diários de Lockdown: Casas de 1 Euro e hotel forçado

Casas sendo vendidas na Itália voltou a ser assunto na mídia inglesa quando o vilarejo de Troina, na Sicília, anunciou propriedades a R$ 6.50

13 de fevereiro de 2021

Marcio Delgado – Especial de Londres

No mês passado casas sendo vendidas na Itália por 1 Euro voltou a ser assunto na mídia inglesa quando o vilarejo de Troina, na Sicília, anunciou propriedades disponíveis pelo valor que é equivalente a míseros R$ 6.50.

Casas antigas sendo vendidas por pouco mais do que se paga por 1 litro de gasolina ou por uma cocada no Brasil, não é novidade na Europa.

Desde 2015 a Itália e Espanha tem buscado aumentar o interesse de suas áreas mais remotas e esquecidas pelo tempo com a oferta de imóveis que foram abandonados por famílias inteiras – resultado de uma migração do interior para cidades maiores em busca de dias melhores.

Muito longe dos vilarejos de casas vendidas a preço de cocada fica Turin, onde a consultora de desenvolvimento de negócios e mídias digitais Lori Carlisi foi passar o Natal do ano passado e acabou ficando para ver a pandemia passar – com direito a uma vista melhor do que o trânsito de Londres, onde ela mora há 15 anos, desde que fez um processo migratório similar ao dos antigos moradores de Troina. 16 horas dirigindo e milhares de habitantes separam as duas cidades.

“Eu cheguei em Londres em 2006 para trabalhar apenas por alguns meses promovendo as olimpíadas de inverno de Torino. Quando os jogos acabaram e o contrato terminou, resolvi ficar na Inglaterra por mais alguns meses e lá se passaram 15 anos.” – relembra Lori, a única italiana que eu conheço que fala português sem sotaque gringo e sabe sambar melhor do que muitas brasileiras morando na Europa.

“Eu acredito que esta afinidade que sempre tive com o Brasil é devido ter parentes que migraram para o país fugindo da primeira guerra. E essa simpatia cresceu quando, durante os primeiros anos de faculdade na Itália, comecei a estudar canto e jazz e fiquei deslumbrada pelo charme da Bossa nova. Naquela época eu não falava uma palavra sequer em português, mas aprendi rapidamente graças a este maravilhoso estilo musical. Nos anos seguintes fiz amizade com bastante brasileiros, que acho um povo incrível e com uma energia contagiosa. Sempre tive vontade de morar no Brasil, mas nunca cheguei a morar no Rio de Janeiro ou São Paulo como eu sonhava. Mas passei vários meses em Jericoacoara, no Ceará. Meus meses de vida ‘caiçara’ foi uma experiência que me mudou muito. Entrei em contato com uma realidade completamente diferente da minha e voltei para Londres com um olhar transformado e profundamente enriquecido.” – confessa a italiana que durante o primeiro lockdown chegou a lavar sacolas de supermercado e regularmente desinfetava o chinelo e a maçaneta das portas, mesmo que tivesse saído apenas para jogar o lixo fora.

“Eu dava banho nas compras, pacote por pacote, para ter certeza de que não tinha produto infectado entrando na minha casa.” – conta Lori.

A partir do dia 15 de fevereiro, quem viajar para a Inglaterra vai ter bastante tempo para olhar maçanetas da porta de um quarto de hotel, já que quem chegar ao país terá que ficar 10 dias em quarentena antes de ir para casa. O custo da hospedagem forçada é significativamente maior do que as casinhas italianas de 1 Euro – cerca de £1.700 libras (R$ 13 mil reais) – e quem descumprir as normas do governo pode acabar com uma multa salgada de £10 mil libras e até 10 anos na prisão.

Pode parecer exagero. Mas a verdade é que as inúmeras restrições impostas pelo governo britânico, incluindo viajar apenas em casos de emergência extrema, não impediu que muitas pessoas considerassem férias e confraternização de Natal no exterior algo de extrema urgência e o controle do número de novos casos de Coronavírus no Reino Unido saiu de controle.

Eu, que não consegui ir ao Brasil após três cancelamentos da minha passagem nos últimos meses – e que não tenho a incrível determinação lunática (ainda) de comprar um imóvel em um país que eu mal sei falar Buongiorno (bom dia), ainda que custe só um Eurozinho, continuo olhando os dias de confinamento da minha janela no norte de Londres com otimismo. O mesmo otimismo que italiana Lori tem apesar de ver o mesmo mundo através de outra janela, em Turin, bem distante da minha.

“A pandemia ainda não passou, mas eu já percebo uma mudança significativa. Empresas fazendo recrutamento, vagas abrindo. Com a notícia das várias vacinas agora disponíveis no mercado, as empresas voltaram a investir, confiantes numa volta iminente à uma relativa normalidade.” – acredita Carlisi que confessa usar máscaras de rosto diariamente, mas que parou de lavar pacote de arroz quando volta das compras.

E munidos de esperança e arroz, seguimos.