As lembranças de quem passa o inverno londrino enclausurado por causa da pandemia

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Diários de Lockdown: Éramos livres e não sabíamos

Há 20 anos Linda Dantas trocou Carnaúba dos Dantas pelo frio de Londres. Em tempos de pandemia, lembra dos banhos de chuva no inverno sertanejo

10 de março de 2021

Marcio Delgado – Especial de Londres

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Tem gente que reclama de casa pequena. De rua barulhenta. De jardim sem flor. Tem gente que reclama de namorado que tem carro com cheiro de fusca. E tem gente que reclama por não ter olfato. Ou namorado. E reclamamos do agora porque, seja qual for o momento da história em que alguém esteja vivendo, sempre nos permite margens a lamentos.

Há 20 anos a cabeleireira Linda Dantas trocou o verão nordestino pelo longo inverno de Londres por achar que a fuga para a capital da Inglaterra seria sinônimo de liberdade.Em terras de Elizabeth II, ao longo de duas décadas, ela casou, teve filhos e virou trabalhadora autônoma.

Porém nos últimos meses, trancada dentro da sua casa no sul de Londres para cumprir ordens de isolamento social impostas pelo governo britânico – e vendo o nordeste apenas através da foto de uma praia de Natal/RN que decora a sua sala – a profissional de beleza se deu conta de que essa tal liberdade um dia esteve bem perto e, desavisada, Linda correu dela.

“Eu nasci em Picuí, na Paraíba, e fui criada em uma fazenda em Carnaúba dos Dantas, no Rio Grande do Norte. Hoje se alguém espirra perto de você, queremos sair correndo. Mas cresci tomando banho de chuva, correndo atrás de vacas, em uma família de nove irmãos. Agora percebo que éramos livres e não sabíamos.” – compara Linda que veio para a Europa quando uma das suas irmãs, na época morando na Grã-Bretanha, perguntou se ela não gostaria de estudar inglês em Londres.

“Não pensei duas vezes. Na hora que surgiu a pergunta eu disse que sim. Era o sonho da cidade grande.” – revela a brasileira. Anos mais tarde, a irmã que fez o convite foi morar em Natal e Linda ficou no frio inglês, onde já deu expediente em eventos e escritórios antes de decidir trabalhar por conta própria.

Eu também tomei muito banho de chuva em um tempo distante quando criança não podia assistir muita TV, muito menos assistir TV de perto “para não estragar as vistas”.

Mas chuva podia e não pegávamos sequer uma gripe. Aliás banho de chuva, pular amarelinha e jogar queimada eram o equivalente as nossas mídias sociais de hoje – uma vida bem mais social e bem menos midiática porque internet era discada, custava uma fortuna, e Facebook e Instagram não existiam, então ocupávamos o tempo ao ar livre.

“Nos últimos 12 meses, de uma forma não planejada, pude curtir mais os meus filhos e investir mais em conhecimento online porque tudo está fechado e não é permitido trabalhar na minha área. Mas tenho saudades de um tempo que vai muito além deste ano em que fomos obrigados a ficar em casa. Sinto falta de subir o Monte do Galo, em Carnaúbas, com minha querida mãe, irmãs e irmãos, por exemplo.” – recorda Dantas.

São 16:00. Olho pela fresta da cortina do quarto e o dia já está escurecendo lá fora. É assim todos os anos nos meses de janeiro e fevereiro quando os dias são mais curtos e a ansiedade do mesmo tamanho. Quando chega a Páscoa, em abril, já não tenho saudades destes primeiros meses do calendário.

Tem gente que reclama de confinamento social. De não poder viajar. De usar máscara quando não é época de carnaval.

E reclamamos do agora porque, seja qual for o momento da história em que alguém esteja vivendo, em grupo ou isolado, sempre nos permite margens para comparações com um tempo com ruídos e flores diferentes.

Faça sol... ou faça chuva.

Márcio Delgado é jornalista e Coordenador de Marketing de Influência morando em Londres, Reino Unido

@marcio_delgado