Diários de Lockdown relembra o dia a dia de brasileiros (e potiguares) durante a pandemia na Europa

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Diários de Lockdown: Jeitinhos, corredores e um alto-falante

No 7º episódio da série, Márcio Delgado se conecta com natalense radicada na Espanha, a jornalista e publicitária Kayonara Souza

18 de janeiro de 2021

Marcio Delgado | Especial de Londres
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No verão de 2020, o governo Britânico criou um corredor de viagens para permitir que pessoas viajando entre alguns países não tivessem que ficar em isolamento por 14 dias ao desembarcar nas terras da Elizabeth II. 

Mas ao contrário do corredor da folia potiguar, onde no carnaval fora de época de Natal os blocos entram um atrás do outro, durante os últimos seis meses o corredor inglês permitiu que dezenas de voos e trens procedentes de mais de 20 países entrassem diariamente na Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales simultaneamente. Na sexta-feira, 15 de janeiro, após pressão do público e de grupos políticos diante do número de óbitos diários que ultrapassa mil mortos no país, o Primeiro-ministro Boris Johnson acabou com a folia ao cancelar o projeto dos corredores.

Sem ter visto um abadá do Carnatal há mais de uma década, a jornalista e publicitária Kayonara Souza mora há 10 anos na Espanha, um dos países que outrora fizera parte do corredor de viagens da Grã-Bretanha, mas que já havia sido excluso antes mesmo da lista ser extinta por completo esta semana.

“Aqui na Espanha passamos por um grande confinamento no princípio da pandemia, no ano passado, e depois por inúmeras medidas restritivas que variavam de acordo com o número de contágios. Agora mesmo estamos em um lockdown perimetral: ninguém pode sair ou entrar na cidade sem uma justificativa médica ou de trabalho. O primeiro confinamento foi o mais difícil, eu me sentia totalmente em um filme de ficção com um super roteiro. E se passar por isso enquanto adulta já é incrivelmente complicado, como explicar para duas crianças ainda tão pequenas o que estamos vivendo?” – questiona Kayonara, moradora de Puebla del Caramiñal, uma cidade costeira da Galícia com apenas 10 mil habitantes.

Diante dos desafios de estados no Brasil, onde falta até oxigênio em hospitais, restrições de viagens parecem algo infinitamente menos importante e trivial. E é. Os hospitais em Londres, por exemplo, também estão sobrecarregados, mas os pacientes ainda têm como respirar. O nosso terceiro período de confinamento não tem data para acabar.

Mas há um desapego ao dinheiro, por parte das autoridades, quando o assunto é tentar achar uma solução: no ano passado, com a colaboração do Exército, vários centros de lazer e eventos foram transformados em hospitais de campanha em menos de 10 dias, três vacinas de laboratórios diferentes já foram autorizadas pelo ministério da saúde inglês nos últimos dois meses, cerca de dois milhões de pessoas já receberam a primeira dose da vacina e a meta é vacinar 15 milhões de pessoas no Reino Unido até meados de fevereiro.

“Quando as crianças voltaram às aulas, apesar de todo medo inicial, os ânimos melhoraram muito. Os deles por voltarem a ter uma rotina, conviver com outras crianças e, consequentemente, os nossos também. É impressionante ver a capacidade de adaptação deles, a obediência às novas normas desde pequenos: minha filha de três anos usa máscara o tempo todo sem reclamar e ainda estimula os amigos a usarem também (aqui é facultativo o uso em crianças de até cinco anos). A vida tem tomado forma outra vez, mesmo que pouco a pouco, e o início da vacinação aqui na Espanha também é a luz do fim do túnel que estávamos esperando. Agora tento olhar um pouco mais para mim. No pouco tempo que sobra retomei a leitura, faço pilates e planejo o meu futuro profissional.” – revela a potiguar que foi surpreendida com o jeitinho espanhol de amenizar o isolamento causado pela pandemia:

“Quando ainda estávamos em confinamento completo em abril e era o aniversário de seis anos do meu filho, o prefeito da cidade pensando nas crianças que estavam impossibilitadas de comemorar com seus amiguinhos disponibilizou um carro da polícia municipal para ir até a casa do aniversariante e cantar ‘Parabéns pra você’ com um alto-falante. Foi uma surpresa total para ele e uma cena emocionante que não vou esquecer.”

Para quem estava planejando viajar do Reino Unido para o Brasil, ou o inverso, o término do corredor de viagens não mudou muita coisa porque o Brasil não fazia parte da lista – e desde o dia 25 de dezembro o governo brasileiro havia imposto restrições em voos que saíssem diretamente do Reino Unido para o país. Ironicamente até a semana passada, através da sua página no Facebook, o Consulado do Brasil em Londres estava dando dicas de como as pessoas poderiam burlar a portaria 648 com um jeitinho brasileiro de lidar com os percalços causados pela pandemia: fazendo escala em outros países da Europa, como França e Espanha, porque as autoridades brasileiras devem achar que vírus não entende nada de geografia.

“Desejo imensamente poder voltar a viajar, ir a Natal, ficar grudada nos meus pais, encontrar toda a família e os amigos queridos. Mas por enquanto, para amenizar a saudade, as fotos da última viagem e vídeo-ligações quase diárias é que ajudam.” – revela Kayonara sem perder o otimismo blockbuster: 
“Vai dar certo! Há que ser resiliente, seguir respeitando o tempo de tudo e torcer para que o roteirista de 2021 seja bonzinho na sequência desta nossa saga.”
Que não nos falte fé. Nem pipoca.


Márcio Delgado é jornalista e Coordenador de Marketing de Influência morando em Londres, Reino Unido
@marcio_delgado