Sem poder sair, amigos brasileiros (e ingleses) ajudaram uns aos outros deixando presentes e comidas

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Diários de Lockdown: Pão de banana, prateleiras vazias

“Fiz bolo de tudo. de cenoura, formigueiro. Fiz grude, bolo de fubá, Pão de banana. Daí eu deixava na porta dos amigos", conta Melke Zedec

19 de dezembro de 2020

Marcio Delgado – Especial de Londres

“Durante o primeiro lockdown, em Londres, fiz mais bolo do que poderia comer. Mas foi bom, porque eu aproveitava para deixar na porta da casa dos meus amigos fazendo delivery surpresa.", contou o potiguar Melke Zedec, morador da capital inglesa desde 2004, quando veio estudar. 

Devido as restrições do confinamento inglês, que incluiu a proibição de visitas, o jeito foi improvisar. Quem tem cachorro, levou ele para passear várias vezes ao dia. Quem tem gato, coelho ou papagaio deve ter pensando seriamente e trocá-los por um cachorro e nem pedir o troco.

“Fiz bolo de tudo. Bolo de cenoura, formigueiro. Fiz grude, bolo de fubá, pão e bolo de banana, e por aí vai. Daí eu deixava na porta dos amigos, logo cedo, voltava para casa e passava uma mensagem no WhatsApp falando que tinha uma surpresa na porta deles.”

Melke não é o único que encontrou conforto na cozinha durante os meses de confinamento do Reino Unido. Eu achei que eu era a única pessoa que havia trocado o escritório pela cozinha até que produtos básicos como farinha de trigo, ovos e açúcar começaram a desaparecer das prateleiras dos supermercados.

No início eu não achei ruim. 
Com as restrições que só permitiam sair de casa para ir à farmácia e ao supermercado – excluindo feiras livres que foram canceladas por quatro meses – perambular pelos corredores de produtos de limpeza e alimentação substituiu a vida social. 
Quando não encontrava o que eu estava procurando em um supermercado, simplesmente me deslocava a outro. E depois outro. Ao fim do primeiro mês de isolamento, e sem data prevista para o país sair dele, eu já estava planejando o que vestir para ir comprar o pão e o leite, porque esta seria a única interação com outras pessoas durante o dia ou semana. 

Não foram apenas farinha de trigo, ovos e açúcar que desapareceram dos supermercados na mesma velocidade em que o público subiu das ruas. 
Papel higiênico virou artigo que só se via em mercadinhos de bairro, aqueles que ninguém nem lembrava mais que existia até a pandemia chegar – o que resultou em Dona Maria da mercearia reajustando o preço e limitando a compra de rolos de papel higiênico por cliente.

E com quase dois milhões de pessoas usando a hashtag #bananabread (pão de banana) no Instagram, o meu receio era que, logo logo, eu iria ter que comprar farinha de trigo e banana no mercado negro, sorrateiramente negociando por baixo do pano com atravessadores, tentando não chamar a atenção – o mesmo comportamento de quem compra drogas ou votos.

“Eu acredito que muita gente aproveitou o excesso de tempo livre para fazer os trabalhos pendentes em casa. Mas com o número de casos bem mais altos nos meses de abril e maio, foi bem mais estressante. O maior desafio, para mim, foi sempre manter minha cabeça positiva com a noção de que a situação iria passar e nossas vidas voltar ao “normal” – se ajustar e tentar ajudar os amigos, perto ou longe, a manter o mesmo pensamento otimista.” – conta o potiguar.

Enquanto brasileiros em Londres, como eu e Melke, estávamos aprendendo a conviver com uma vida regrada, movidos a otimismo e aventuras culinárias – aprendi a fazer arroz soltinho, caso interessar possa, sem queimar a panela – no Brasil o confinamento ainda era movido a justiça, que só em maio determinou que a cidade de São Luis, no Maranhão, e outros três municípios da sua região metropolitana seria a primeira a oficialmente entrar em lockdown no país para reduzir a propagação do coronavírus. 
A 1,400KM e uns quebrados distante dali, também em maio, no Rio Grande do Norte o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde também tiveram que ir à Justiça para solicitar que o Governo do Estado e a Prefeitura de Natal decretassem um lockdown de, no mínimo, 15 dias. A Europa já estava toda em quarentena há meses.

“Durante o primeiro lockdown eu aprendi a fazer edição vídeo e dei uma reformada no meu apartamento eu mesmo. Nesta segunda quarentena eu já gravei alguns vídeos e continuei editando material para um canal de gastronomia que vou lançar no YouTube no próximo ano. E sigo fazendo bolos.” – comemora Melke Zedec, que trabalha como gerente de um restaurante no leste de Londres.

Eu? Eu aprendi a pintar, comprei até flor dissecada através da internet e já sei cozinhar arroz que não se parece com angu.

Márcio Delgado é jornalista e Coordenador de Marketing de Influência morando em Londres, Reino Unido
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