Elino Julião celebrou parcerias em Canto do Seridó
Reportagens
Com mais de 20 discos produzidos em dez anos, gravações formam um importante mapeamento sonoro
03 de julho de 2020
Por Cinthia Lopes
Considerado o maior mapeamento sonoro realizado de forma independente no Rio Grande do Norte, o acervo discográfico do Projeto Nação Potiguar começa a chegar a todas as plataformas digitais. O trabalho de digitalização está sendo feito pelo músico e produtor Anderson Foca (DoSol) sob a coordenação de Dácio Galvão, diretor artístico das gravações. Pode ser acessado em todas os canais Deezer, Youtube, Spotify, Amazon, Globoplay, Tidal, Bandcamp, iMmuB.
O acervo físico do Nação Potiguar contempla mais de 20 álbuns, uma contribuição musical incontável pois engloba o registro de diversos ritmos ancestrais das matrizes originais ou do legado oral transmitido de pais para filhos, além do diálogo com artistas contemporâneos.
O projeto foi criado em meados dos anos 2000 pelo produtor Dácio Galvão e pela musicista e fotógrafa Candinha Bezerra e esteve em atividade por mais de dez anos. Atuava em três vertentes, a publicação de fascículos com o Jornal Galante, de mapeamento sonoro em CD e difusão cultural em shows ao vivo.
Da coleção que agora chega para streaming são destaques o Cd triplo “Cantares”, reunindo a oralidade da romanceira Dona Militana, dois discos de Elino Julião (“Canto do Seridó” I e II), dois álbuns da Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte (“Potiguar” e “Revisitação dos Santos Reis”), além do “Emboladas de Coco”, “Dança de São Gonçalo” - Zambê de Pernambuquinho (Tibau do Sul), “K-Ximbinho Sanfonado”, “Carretilhas de Chico Antônio”, dentre outros.
Dácio Galvão contou que o objetivo da digitalização é possibilitar as pessoas o acesso a um material “etno-musical rico que dialoga com a modernidade referenciando as células rítmicas e textualidades orais e escritas da cultura local”, escreveu. Além de ser “uma conexão participativa com artistas de vários estados brasileiros. Indo de Naná Vasconcelos e Paulo Moura aos tropicalistas Tom Zé, Capinam, Rogério Duarte”.
Para Anderson Foca, o acervo do Nação Potiguar é um patrimônio sonoro do estado. Ele ressalta que o disco triplo de Dona Militana foi responsável por despertar o interesse em digitalizar o acervo junto com Dácio Galvão. “É um material e tanto! Nenhum desses álbuns está disponível nem para venda e representa toda essa ancestralidade do estado”, comentou.
ROMANCEIRO
“Cantares – 3 CDs” é um trabalho de destaque pela raridade do conteúdo. A coleção registra as histórias orais de domínio público guardadas na memória da maior guardiã de romances de origem medieval. A imagem de dona Militana com seu habitual cachimbo, sentada na cadeira de balanço do sítio Oiteiro, onde vivia em São Gonçalo do Amarante, correu o mundo. Em 2005, a romanceira recebeu em Brasília, das mãos do Presidente Lula da Silva, a Medalha do Mérito Cultural Brasileiro, maior honraria cultural.
Dona Militana em sua cadeira de balanço no sítio Oiteiro. Foto: Candinha Bezerra
Como não sabia ler, narrava histórias enormes memorizadas desde criança. São romances de mais de 200 anos que atravessaram a península ibérica, trazidos pelos mouros abarcando a oralidade no Nordeste do Brasil. Dona Militana faleceu em 2010, aos 85 anos, mas deixou sua voz guiando essa rica cantoria medieval de palavreados e romances desaparecidos no mundo.
Além das gravações da romanceira acompanhada de violas, as faixas do CD “Cantares” trazem colaborações, como Antônio Nóbrega cantando uma das narrativas. O pernambucano gravou a faixa “Romance de Clara Arlinda”. Militana narra romances “A Mulher Traidora e o Capitão Traído”, “Romance da Nau Catarineta”, “Romance de Dona Branca”, "Romance de a Bela e O Mouro”, “A Bela Infanta”, “Os Piratas”, “A Estrangeira”, entre outros.
Elino em Cd
Outro grande feito do Nação Potiguar foi ter recolocado o forrozeiro Elino Julião (1936/2006) de volta ao mercado fonográfico. O compositor de “Rabo do Jumento”, "Sombra do Juazeiro" e “Forró da Coreia”, nascido em Timbaúba dos Batista, morou no Rio de Janeiro e lançou discos pela extinta CBS (atual Sony) e também pela Phillips. Depois dos anos 1980, quando começaram a surgir os compact disc, veio a onda de desinteresse das gravadoras em regravar artistas mais regionais, além da própria monocultura das rádios que não abriam espaço. E Elino ficou fora de catálogo.
Assim o Nação Potiguar lançou em 2000 o CD “Canto do Seridó”, recheado de sucessos. O álbum está digitalizado e com os devidos créditos de participações especiais, que são muitas. “O Burro” celebra o reencontro de Elino e Dominguinhos. Seguida das faixas “Meu Saudoso Ceará”, uma toada com participação de Raimundo Fagner e a famosa “Rabo Do Jumento” com participação de Lenine. “Na Sombra Do Juazeiro” celebra um belo dueto com Marinês, a rainha do xaxado, considerada uma das maiores vozes da música regional. “Forró Da Coréia” traz uma inusitada parceria vocal com Xangai; “Filho De Gaiamum” tem Isaque Galvão, o primeiro artista local a retrabalhar a música de Elino, além de “Presente de Papai Noel” com Elba Ramalho e a divertida “Xodó do Motorista” com Silvério Pessoa.
Em 2002 o forrozeiro lançou pelo Nação Potiguar o CD “Canto do Seridó II”, que entre as faixas se destaca a ótima participação de Zeca Baleiro em “Rela Bucho”. Uma curiosidade do álbum: segundo a plataforma Deezer, a faixa mais acessada é ‘Marchinhas Juninas’. Do primeiro CD a mais ouvida é “Forró da Coréia”. Elino morreu em 2005 vítima de um aneurisma.
O primeiro CD da Orquestra Sinfônica
Mas de todo o acervo do Nação Potiguar a atenção especial de Dácio Galvão é para os dois álbuns da Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte — “Potiguar” e “Revisitação dos Santos Reis”. “O Cd Potiguar da OSRN foi um trabalho grandioso, especial. Grandes compositores locais estão nessa obra, participando ou sendo revisitados”, destacou. O disco “Potiguar” contou com a regência de Oswaldo D’Amore (1951-2012), na época o titular da OSRN, e muitos convidados interpretando potiguares.
Há releituras de Paulo Tito, K-Ximbinho, Antonio Madeira, Elino Julião, Chico Antonio, Tonheca e Felinto Lúcio Dantas, Hianto de Almeida, as poetas Carolina e Palmira Wanderley e linhas de Jurema coletadas em Natal por Mário de Andrade. “Todos esses nomes ganharam arranjos de figuras antológicas como Júlio Medaglia, Rogério Duprat, Cyro Pereira, Duda, Clovis Pereira, Admilson Godoy, Naná Vasconcelos, Gil Jardim, Antonio Madureira, Joca Costa, Danilo Guanais”. O álbum “Potiguar” traz ainda participações de Paulo Moura, Antonio Nóbrega, Dominguinhos, Roberto Corrêa, Oswaldinho do Acordeon.
Entre as faixas está “Ternura”, de Amilson Godoy com Paulo Moura, “Delírio” de Tonheca Dantas com Oswaldinho Do Acordeon, “Boi Tungão” de Chico Antônio por Antonio Nóbrega e Danilo Guanais, o poema modernista de Cascudo “Não Gosto de Sertão Verde” interpretado por Gereba, Dominguinhos, Julio Medaglia. “Domingo em Copacabana” Cyro Pereira, por Álvaro Barros, “Hino a Nossa Senhora de Sant’ana de Felinto Lúcio com Rogério Duprat.
Confira a lista dos discos digitalizados do Nação Potiguar
01 | Brouhaha – Câmara Cascudo
02 | Cantares – Dona Militana – Álbum triplo
03 | Carretilha de Cocos - Chico Antônio
04 | Coco de Roda – Pastoril
05 | Dança de São Gonçalo - Zambê Pernambuquinho
06 | Emboladas Cocos
07 | K-Ximbinho Duetos
08 | K-Ximbinho Sanfonado
09 | Malhação de Judas - Caboclinhos
10 | Nação Potiguar
11 | O Canto do Seridó - Elino Julião
12 | O Canto do Seridó II - Elino Julião
13 | Poemúsica
14 | Potiguar - Orquestra Sinfônica/RN
15 | Repente Potiguarino
16 | Revisitação dos Santos Reis – OSRN
17 | Toques e Cantares - Tibau do Sul
18 | Zambê Cocos
19 | Filarmônica de Cruzeta
20 | Poemúsicas I e II
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