A escuta dos podcasts vem suprir a falta de uma programação interessante no rádio. Freepik

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DO RÁDIO AO PODCAST

A força das narrativas em áudio renasce com o podcast: Foro de Teresina, sobre política e o Projeto Humanos, são dois destaques

06 de julho de 2022

Clotilde Tavares

Eu sou de um tempo em que não havia televisão. O aparelho de TV chegou lá em casa por volta do ano de 1963, e eu tinha acabado de completar 15 anos de idade, o que significa que toda a minha vida anterior foi desenrolada sem a presença desse retângulo luminoso que passou a capturar a atenção de família e vizinhança. Vizinhança por quê? Pergunta-me você, meu curioso leitor, jovem e desconhecedor dos hábitos dessas épocas já imersas nas brumas do passado. Ora, porque os aparelhos de TV eram caros e não era todo mundo que podia adquirir a novidade; então, na hora da novela, a família se sentava na sala em frente da telinha e o restante do aposento era preenchida em todos os seus espaços por pessoas da vizinhança, gente de todas as idades, ocupando as cadeiras restantes, sentando no chão, de pé encostados nas paredes, vazando gente para o terraço contíguo, a criançada fazendo barulho e os adultos reclamando e pedindo silêncio enquanto se encantavam com a novela. 

Vimos O Direito de Nascer, O Sheik de Agadir, Antonio Maria, A Deusa Vencida, e tantos outros dramalhões verborrágicos e lacrimosos, que faziam a plateia chorar. Uma novela, em especial, Calúnia, com Fernanda Montenegro e Sérgio Cardoso, nunca me saiu da cabeça pois as mulheres da casa parece que tomavam aquilo como coisa real e as discussões no dia seguinte eram acaloradas, na defesa ou ataque dos personagens. 

E tinha ainda programas cômicos com Times Square Show e a Família Trapo, e os musicais inesquecíveis como O Fino da Bossa, comandado por Ellis Regina e Jair Rodrigues e o melhor de todos: Jovem Guarda, com Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa conduzindo o palco. Os grandes festivais de música, que revelaram Caetano, Gil, Chico Buarque, Rita Lee e os Mutantes, Gal de Betânia, também estavam na TV. Tudo isso se refere à década de 1960, e pasme: em preto e branco, com imagem tremida e com pouca definição, mas todo mundo adorava.

Antes de existir a TV havia o rádio – e passei a infância e a adolescência ouvindo programas de todo tipo, enquanto ajudava mamãe na cozinha e cuidava da arrumação da casa. À noite era hora dos noticiários, e Papai sintonizava as Rádios Nacional e Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro, no grande aparelho a válvula que ficava entronizado em uma mesinha na sala. Campina Grande nessa época tinha três emissoras: Borborema, Caturité e Cariri. Ouvíamos principalmente a Rádio Borborema, que tinha de tudo: noticiários, programas cômicos, novelões como os que vieram depois na TV, programas de música, e as novelas de aventuras para adolescentes como As Aventuras do Flama, criação do inesquecível Deodato Borges. Ouvíamos os programas de auditório transmitidos ao vivo, programas de cantadores de viola e poetas populares, e as dramatizações de obras clássicas e biografias de pessoas ilustres escritas por Fernando Silveira, que também escrevia as novelas para o público adulto. O rádio foi presença constante na minha vida e está inscrito no meu DNA pois meu pai, o jornalista Nilo Tavares, foi um dos fundadores da Rádio Borborema e nela trabalhou durante décadas. 

Eu sempre gostei de ouvir rádio, mais do que gosto de ouvir música. No rádio sempre tem alguém falando, discutindo, contando uma história, apresentando uma ideia, e é isso que me encanta. O rádio sempre me serviu de companhia e uma das coisas que gostaria de ter feito na minha vida e que não fiz foi ter meu próprio programa de rádio. 

Ivan Mizanzuk do Projeto Humanos, que esmiuça casos obscuros de assassinatos

 

Então, para essa pessoa que eu sou, apaixonada por rádio e com o rádio na vida desde criança, não é nada demais e nenhuma surpresa o amor que eu desenvolvi pelos podcasts, logo quando essa mídia começou a se popularizar e chegou até a tela do meu celular.

Hoje não entendo mais a minha vida sem que a escuta dos podcasts faça parte dela, vindo suprir a falta que eu sentia de uma programação interessante no rádio. Os episódios me acompanham quando eu vou fazer qualquer tarefa doméstica, que sempre achei chatas e entediantes, mas que agora eu consigo fazer de uma forma prazerosa. Arrumando o apartamento, lavando louça, cozinhando, arrumando as estantes, fazendo qualquer trabalho manual, lá estou eu com meu fone bluetooth, que também cancela os ruídos do mundo exterior, imersa e ligada nos meus temas preferidos.

Aqueles de que gosto mais são os podcasts de jornalismo investigativo, e os de Política, História, Direito e ciência em geral. Assim é que toda sexta de manhã estou de plantão as 11 horas que é quando é colocado no ar, semanalmente, o Foro de Teresina, o podcast de política da Revista Piauí, para mim o melhor deles. Vejo também o Projeto Humanos, que esmiuça casos obscuros de assassinatos; Salvo Melhor Juízo, um podcast espetacular sobre temas variados e sua ligação com o Direito; História FM, variadíssimo na temática mas sempre dentro do tema principal – o episódio mais recente é sobre a independência dos Estados Unidos; o podcast da Rádio Novelo, que tem duas séries ótimas, uma já famosa, Praia dos Ossos, sobre o crime famoso que vitimou Angela Diniz, “a pantera mineira”, e a outra, Crime e Castigo, que discute se a punição dada a um criminoso é satisfatória para a vítima e sua família; o Curso Livre de Filosofia Política do professor Amaro Fleck, da UFMG, com o qual tenho aprendido pra caramba. Sigo ainda vários outros: UOL Investiga, MaatCast (dos colegas da UFRN), Mamilos, A Mulher da Casa Abandonada (esse virou hype, todo mundo está falando dele, mas eu ouço desde que começou, no início de junho), e mais. A lista é grande. São muitos, meu caro leitor, e tem para todos os gostos. 

Até eu tenho o meu, o podcast Umas & Outras, sobre temas culturais variados: poesia, cordel, meio ambiente, teatro, literatura. A primeira temporada, com 15 episódios, está no ar desde 2020 e eu aqui com preguiça de fazer a segunda – pois ouvir podcasts dá menos trabalho do que produzir um. Concorda comigo?


http://linktr.ee/ClotildeTavares         clotilde.sc.tavares@gmail.com