Vinil Brazil é uma das cinco fábricas de LPs da américa latina. Foto: Felipe Paciullo
Reportagens
Com 38 fábricas de vinil, os EUA acabam de afirmar que o LP por lá ultrapassou a venda dos CDs.
15 de setembro de 2020
por Alexandre Alves
O mundo e suas reviravoltas, no caso, o do mundo da indústria fonográfica ocidental. Em seu recente relatório sobre as vendas de música nos EUA – e isto inclui a produção física e a digital, como o serviço de streaming –, o documento produzido pela RIIA (Recording Industry Association of America, ou apenas Associação Americana da Indústria de Gravações) mostra que o volume de vendas do vinil ultrapassou a de CDs pela primeira vez em 20 anos. No primeiro semestre de 2020, dos 376 milhões de dólares gerados pelas vendas físicas, o mercado do vinil arrecadou 232 milhões, ou seja, 62% do total de vendas físicas. É mais um capítulo da longa história do vinil e de como as pessoas encaram o fato de se escutar música.
Quando no começo dos anos 2000, o formato de arquivo digital do MP3 ganhou o mundo, a indústria entrava em guerra consigo mesma. Não havia mais como controlar o compartilhamento digital de arquivos na net, tudo graças ao formato digital do CD e às facilitações tecnológicas de se copiá-lo. Bastavam dois cliques e as canções do compact disc já estavam no seu computador.
Num terceiro clique, os arquivos digitais de seu artista predileto ganhavam o mundo virtual. Hoje, ainda segundo o relatório que pode ser acessado no link aqui: o consumo maior continua sendo o do streaming, com o assombroso número de 85% do total. Só para comparar, somando o LP, o CD e formatos como a fita K7, todos eles juntos somam apenas7% do total, mas mesmo assim já ganharam da venda via download, que ficou no número de 6% da receita de vendas.
Uma das grandes feiras brasileiras foi realizada no começo deste ano pelos donos da Locomotiva Discos.
Porém, parece ter sido esta mesma geração aparentemente anarquista que compartilhava tudo o que (não) podia que alavancou a procura – chamada por especialistas de “Nova era do vinil” – pelo chamado “bolachão de vinil”, uma referência ao formato de 12 polegadas em vinil preto nascido ainda no século XIX.
Ao invés da ausência de identidade visual do formato digital, o produto final do LP – cujo tamanho da capa mede 30cm x 30cm – permite ao ouvinte a experiência da arte da capa e do encarte. Além disso, há o atrativo do já conhecido som do vinil, assunto de muito embate entre os curtidores de música, cada um defendendo o seu lado, embora já se saiba que a mídia de significativa parcela dos CDs possa não ter a durabilidade esperada, oxidando sua parte interna devido a problemas de umidade, por exemplo (fato muito comum em boa parte do Brasil, convém aqui informar).
No mais, parece que a humanidade irá conviver em breve – não se sabe se em relativa paz – com quem prefere a experiência do vinil ou quem prefere escutar no computador ou no celular via streaming. Mas a produção atual nos EUA é um sinal de uma possível mudança de hábitos.
Enquanto isso, no Brasil só existem duas fábricas de discos de vinil
Após duas décadas nas quais no Brasil circulava a ideia da “morte do vinil”, o formato nunca parou de ser fabricado nos EUA, Europa (em especial, no Reino Unido e Alemanha) e Japão, os maiores mercados consumidores. Bem diferente da situação no hemisfério norte, no Brasil só existia a fábrica da Polysom (RJ) entre fins dos anos de 1990 e começo dos anos 2000.
Somente recentemente, uma segunda fábrica abriu, desta vez em São Paulo. A Vinil Brasil veio em setembro de 2017 e agora se somou às escassas fábricas de vinil na América do Sul (são apenas cinco delas). São estas duas empresas – que praticamente trabalham o ano todo – que dão margem aos artistas brasileiros para a produção de seu sonhado LP, cujo orçamento final ainda está longe do alcance da maioria, custando alguns milhares de reais.
Valéria Oliveira lançou No Ar em formato LP. A banda de rock Thee Automatics também teve seu último álbum em vinil.
Com uma produção independente gigantesca – são centenas de lançamentos todos os meses – e devido à quantidade mínima de fábricas de vinil no país, quem ainda vende bastante é o CD, formato mais acessível aos independentes e que ainda apostam nele como produto para sua base de aficionados. Bandas de maior destaque no cenário potiguar como Plutão Já Foi Planeta e Far From Alaska apostaram nos CDs em seus últimos álbuns.
Embora não existam números precisos, no maior mercado consumidor do Brasil (São Paulo), lojas como a lendária Baratos Afins (uma das pioneiras também como gravadora independente) e a mais contemporânea Locomotiva Discos – cujos proprietários organizam a gigantesca “Feira de Discos de Vinil e Cds” desde 2011 – atestam que o crescimento do vinil é evidente, mas que ambas as lojas mantém os estoques de CDs focando os “medalhões”. Na Locomotiva Discos, um de seus proprietários afirma que 90% dos CDs vendidos são do público do heavy metal.
As vitrolas também são um item caro. A maioria importada e passando facilmente de meio salário mínimo
Outro fato que não pode ser esquecido é que ambas as lojas trabalham com LPs usados e que eles também figuram como boa parte das vendas de vinil, uma vez que a maioria dos lançamentos fica na faixa entre R$ 80 e R$ 120, deixando o ouvinte a escolher o que levar, ainda mais em plena crise econômica causada pela pandemia do Covid-19. Além do mais, os toca-discos também são um item caro para a maioria dos brasileiros, passando facilmente de meio salário mínimo e tomando como referência um modelo bem básico de vitrola, todas elas importadas, não havendo produção nacional.
E assim continua o mundo da música ocidental. Entre os potiguares, apenas poucos artistas recentes buscaram o formato do vinil, seja ele em formato do LP – caso de Valéria Oliveira ou dos grupos Camarones Orquestra Guitarrística e Son Of A Witch, este último sendo lançado em vinil alemão (!) –, seja no formato do compacto, sendo exemplos o grupo Mahmed e Far From Alaska, e alguns decanos do rock potiguar, como os Thee Automatics ou Expose Your Hate, este último dividindo o compacto com a banda Outset. Lembrando também que Natal não conta com nenhuma loja de LPs, apenas sendo encontrados em sebos especializados na cidade e cujo material é basicamente o disco usado. Também na capital potiguar, desde 2019 vinha ocorrendo a FENADISC (Feira Natalense do Disco), que já iria para a quarta edição, mas como todos sabem, a pandemia acabou com a realização, por enquanto.
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