A gata de biblioteca só podia ter nome de personagem literária: Diadorim

Reportagens

Em Parnamirim, Sebo Zahir vira ponto de encontro para além dos livros

Sebista Vicente Januário fala sobre como manter tudo junto e misturado aos livros e discos

15 de dezembro de 2021

Cefas Carvalho

Há tempos os sebos, ou pelo menos parte deles, tiveram ampliadas sua função de meros estabelecimentos para vender livros, discos e cds usados, para se tornarem espaços culturais para reunião de pessoas que consomem e fazem arte e também de lançamentos de livros, exposições saraus.

Em Parnamirim, na Grande Natal, terceiro município do Estado do Rio Grande do Norte, é o que acontece com o Sebo Zahir, que, na prática, funciona hoje, em uma galeria na Praça Paz de Deus, como o único espaço cultural do Centro da Cidade.

“Na verdade, essa era a ideia desde o início, mas, com o passar dos anos essa tendência foi se intensificando e hoje posso dizer que o sebo funciona mais como um ponto de encontro de pessoas do que para venda de livros e LPs”, afirma Vicente Januário, 59 anos, fundador e proprietário do local, inaugurado em 2005 e com funcionamento ininterrupto até hoje. "Exceção feita ao período das restrições e confinamento na pandemia do Coronavírus, claro, que tive de fechar por um período”, recorda.

Para Vicente, a falta de espaços culturais no Centro de Parnamirim, levou amantes de cultura a procurarem o sebo para comprarem produtos culturais, conversarem e trocarem informações e mesmo livros e discos. “Aos poucos começaram a marcar dias específicos para se reunir, traziam violão e discos de casa para ouvir na vitrola que tenho, alguns traziam comida ou bebida, de maneira que, informalmente, passei a ter cerveja e refrigerante no sebo à disposição desse pessoal”, lembra o sebista.

Vicente Januário mantém o Zahir no clima de confraria e bar. Os livros viram tema de bate-papos. Fot: Cefas Carvalho

Dessa maneira, formaram-se ´confrarias` que se reúnem em dias como quinta-feira e sábado. “Trazer vinis para ouvir já se tornou uma tradição. Aos sábados sempre tem alguém que traz ou faz aqui mesmo no fogão do sebo uma feijoada. O espaço se tornou um encontro de amigos que tem em comum o gosto pela arte e troca de informações”, explica Januário.

O sebo conta com um salão principal, onde está espalhado um acervo de quase 3 mil livros e cerca de 2.500 vinis. Entre os livros, gêneros diversos, incluindo literatura potiguar. Já os LPs são principalmente de música brasileira, paixão maior de Vicente e dos frequentadores da ´confraria` do vinil. “Inclusive atualmente vendo mais discos do que livros, o público que compra LPs é mais fiel e constante”, assinala. Após o salão principal, um anexo onde está a disputada vitrola, além de cds e um espaço conhecido como ´Litroteca Leminski`, que guarda as bebidas destiladas preferidas dos frequentadores e mais cds, livros, discos e pinturas. Mais além, um quintal que funciona como uma espécie de bar informal, cozinha e palco para shows em formato acústico.

Vicente registra que o sebo realizava até o início de 2020, exposições, saraus, apresentações musicais em formato de pocket show, lançamento de livros, mas que a pandemia interrompeu este fluxo. “Agora com a diminuição dos casos e a vacinação na terceira dose, estamos planejando voltar com os eventos culturais a partir de janeiro de 2022”, registra, lembrando que entre os incentivadores destes projetos estão frequentadores do sebo como os músicos Giancarlo Vieira e Moisés de Lima, o médico e militante cultural Zizinho Lima, a professora Tânia Costa, as professoras e escritoras Cellina Muniz e Jeanne Araújo, o cantor e compositor Jobay, a empresária Francisca Oliveira (que foi candidata à vice-prefeita de Parnamirim e uma das criadoras da confraria do vinil), entre outras pessoas que mantém a agitação do espaço e oferecem ideias para eventos.

TINHA UMA GATA NO MEIO DO CAMINHO

Tinha uma gata no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma gata. Parafraseando o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, trata-se de uma brincadeira de alguns clientes sobre uma curiosidade do sebo. Para além de milhares de livros, revistas, discos, cds, artes plásticas, o Sebo Zahir guarda um charme a mais: a gata Diadorim, espécie de mascote do local e ´adotada` pelos frequentadores do espaço. “Há dois anos, ela apareceu, ainda filhote aqui na porta, subnutrida, e com pena peguei para alimentar e cuidar. O tempo foi passando e ela se acostumou aqui e foi ficando, e todo mundo que vinha se afeiçoou a ela. Diadorim hoje faz parte do sebo”, registra Vicente. Quem frequenta o espaço já se acostumou com a gata dormindo tranquilamente entre discos de Chico e Maria Betânia ou em cima de enciclopédias.

HISTÓRIA

Vicente Januário abriu o Zahir em 2005, mas sua história com o sebismo é longa e se funde com a de outros sebistas conhecidos. Nascido em 1962 em Assú, mudou-se ainda criança para Pau dos Ferros, cidade que considera sua terra natal. Aos vinte anos, decidiu tentar a vida em São Paulo, mas morando sozinho e com dificuldades de conseguir emprego fixo, retornou para Pau dos Ferros. Em 1985 decidiu morar em Natal, incentivado pelo amigo Artemilson Lima, também de Pau dos Ferros, hoje professor do IFRN e escritor, e morou na Casa do Estudante em uma época que o espaço era efervescente. “Vim para estudar Letras, mas, acabei me dedicando a conhecer a cidade, fazer amizades e curtir a boemia”, admite.

No universo de artistas e leitores, acabou conseguindo emprego com Abimael Silva, que começava como sebista com uma Cigarreira na Parada Metropolitana, em 1989. Um ano depois começou a trabalhar para Jácio Torres, no Sebo Cata Livros, “e Jácio foi minha escola, aprendi muito lá, onde passei quinze anos”. Foi quando já morando no bairro de Nova Parnamirim, decidiu abrir um sebo em Parnamirim, dando início à saga cultural do Zahir, nome em homenagem a um de seus autores preferidos, o argentino Jorge Luis Borges, que escreveu o conto “O Zahir” no livro “O Aleph e outras histórias”.

 

SERVIÇO

O Sebo Zahir funciona de segunda a sexta das 9h ás 18h, com uma pequena pausa para o almoço. E aos sábados das 9h, “até a hora que o pessoal quiser ir embora, não tem hora para fechar”, diverte-se Vicente.