História de um flamenguista é crônica de estreia do autor Abraão Gustavo

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Entregador flamenguista

Batia palmas, gritava na casa 54 e nem sinal de uma pessoa para atender. A vizinhança acordava, mas o bendito não atendia de jeito nenhum

16 de junho de 2021

Por Abraão Gustavo | Hora da Prosa

Na rua onde moro, Rua Pastor José Meneses, os entregadores quase sempre fazem a entregas em casas erradas. Certa vez, foi um entregador de água:
– Olha a água!
– Olha a água!

Batia palmas, gritava na casa 54 e nem sinal de uma pessoa para atender. A vizinhança acordava, mas o bendito da casa não atendia de jeito nenhum. De tanto fazer barulho, a vizinha da 53 acordou, de camisola, com o cabelo despenteado, cheia de remelas nos olhos:

– É aqui, meu amigo, a água. Quanto deu?

Quase sempre aconteciam essas trocas. Um belo dia, aconteceu uma entrega muito diferente das demais. Na casa 55, morava uma família de crentes tradicionais e subitamente morreu, pela madrugada, a irmã Vera, da casa 60. Ela era uma mulher de oração, dedicada à igreja e à família. Todos se reuniram rapidamente para orar e prestar as últimas homenagens à falecida. O corpo chegou com atraso de uma hora. Ao chegar o caixão que estava com a tampa fechada, apressadamente o entregador fez o responsável, irmão da falecida, assinar o recibo da entrega e saiu.

Aliás, naquele dia, haveria jogo de Flamengo e Fluminense. O entregador era flamenguista doente e apostara um dinheiro alto entre os amigos com o resultado do jogo. Por uma infelicidade dos diabos, quando abriram o caixão, não encontraram o corpo da irmã Vera, mas o corpo do cachaceiro vascaíno João Geraldo, da rua de trás da casa 91. Uma revolta sem tamanho se formou rapidamente entre os irmãos, que decidiram fechar o caixão e velar o morto à noite toda, enquanto o entregador já estava no boteco no centro da cidade com telefone desligado assistindo ao jogo. Antes que eu me esqueça da irmã Vera, vou terminar esta história, porque tem alguém apertando minha campainha gritando:

 – Entrega! 
     Me deem licença.