Fábio Lucas expande projeto literário lançado por ele durante a pandemia

Reportagens

Fábio Lucas, editor do Livronews: "A literatura pode e deve ser mais pauta para o jornalismo"

Em Literatura Brasil Afora, autor fala sobre o presente e o futuro do seu projeto, mercado editorial, jornalismo literário

25 de julho de 2022

Cefas Carvalho

Pernambucano de Recife, cidade onde mora até hoje, Fábio Lucas de Barros e Silva é escritor e jornalista e criador e editor do Livronews, portal cultural com perfis nas redes sociais que divulga a literatura brasileira contemporânea de maneira incansável e realiza debates e lives literárias. Autor dos livros Quaoar (crônicas e artigos, 2005), A psicanálise do clone (ensaio extraído da dissertação de mestrado em Filosofia, 2007) e Um objeto que vê (crônicas, 2009), Fábio também foi colaborador das páginas de opinião do Jornal do Commercio (PE)  e editor de opinião e repórter da Gazeta Mercantil Distrito Federal, em Brasília, além de outras atividades jornalisticas e literárias como ser colaborador do Jornal Rascunho, desde 2019. Confira na série Literaura pelo Brasil Afora o que ele pensa sobre o presente e o futuro do seu projeto, mercado editorial, pós-pandemia e jornalismo literário.

Você é editor do Livronews nas redes sociais, que divulga a produção  literária. Como e quando surgiu esta iniciativa?

A ideia vem de muitos anos atrás, desde quando observei com pesar a redução do espaço de divulgação para a literatura nos periódicos impressos. Jornais diários e revistas especializadas foram bastante afetados pelas mudanças que vieram com a tecnologia da comunicação nas últimas décadas, entre as quais, a maneira de se produzir e disseminar conteúdo informativo. Os cadernos culturais que mantinham agendas e pautas literárias começaram a encolher ou desaparecer. Foi nesse ponto que pensei no Livronews. Como um meio de captação e propagação de notícias literárias. Mas levei um bom tempo para pôr a ideia em prática, e somente no final de 2019 criei o perfil no Instagram, nomeado de @livronewsnoinsta.

A essência do conceito permanece até hoje, com a divulgação da agenda relacionada à literatura, e a oportunidade para a divulgação do trabalho de escritoras e escritores, editoras, livrarias, centros culturais, bibliotecas, além dos eventos como festivais, bienais e feiras literárias. Por causa da pandemia de Covid-19, a cobertura da agenda se concentrou, em 2020 e 2021, nos eventos online, a exemplo das lives. Mas desde o ano passado, com o retorno da possibilidade de encontros presenciais, a agenda voltou ao seu propósito original de buscar uma abrangência territorial significativa do que acontece em várias partes do Brasil, sobretudo no tocante aos lançamentos de livros e eventos em torno da literatura. Somente no ano passado, a Agenda Livronews divulgou gratuitamente mais de 3.200 atividades, que se deram no meio virtual e já presenciais, em diversas cidades de todas as regiões do país.

Como funciona a Live Livronews?

A realização de lives, as entrevistas ao vivo pelas redes sociais – no caso do Livronews, pelo Instagram – veio como imposição do então “novo normal” da pandemia. Eu nem imaginava, e não tinha a intenção de me tornar mediador de lives com o Livronews. No entanto, a demanda aumentou, e houve semanas em que fiz lives quase todo dia. No ano passado, foram mais de 120 lives, com pessoas de dezenas de cidades do Brasil e de outros países. Atualmente, busco manter entre duas e três por semana. Eu convido a maioria das entrevistadas e entrevistados, muito a partir das informações que coleto para a agenda, e das conexões que se formam na rede. Mas também recebo sugestões de assessorias de imprensa, agências literárias, editoras, centros culturais, ou dos próprios autores e autoras que procuram o Livronews para divulgar os lançamentos. É importante lembrar que o acervo fica aberto para consulta e compartilhamento: as entrevistas estão disponíveis no arquivo de vídeos do Livronews no Instagram.

Fale sobre o Circuito Livronews.

No momento em que os eventos presenciais voltaram a fazer parte do cotidiano, apesar de cercados por cautela nas aglomerações, as pessoas começaram a se encontrar novamente. Como se diz, somos seres gregários. A literatura é parte disso. Cada vez mais, os encontros literários são necessários. E não apenas para aproximar quem escreve e quem lê. Todos os integrantes do setor editorial compõem uma grande rede. Livrarias, editoras, profissionais de produção de livros, como a ilustração, e também da intermediação, como os jornalistas, críticos literários e divulgadores nas redes sociais. Devemos estar juntos. Andar juntos. Sem qualquer desejo de unanimidade. A diversidade é essencial na vivência e na convivência literária.

Tudo isso para dizer que o Circuito Livronews é um evento social em torno do livro. Um misto de salão de debates com uma praça de interação em que se escutam diferentes vozes, e ainda, onde se pode ver uma pequena feira de exposição e venda de livros, pelos próprios autores e editoras. Não por acaso, o lançamento do Circuito Livronews se deu no Dia Mundial do Livro, em 23 de abril deste ano, na Livraria Patuscada, em São Paulo. De lá para cá, houve outras edições na capital paulista, na Patuscada e na Ria Livraria, e no Recife, na Academia Pernambucana de Letras.

A recepção entusiasmada de quem participa é um sinal de que o caminho do Circuito é promissor. Estamos com a perspectiva de realizar edições em outras cidades, nos próximos meses, além de manter uma agenda regular no Recife e em São Paulo. Graças à visão compartilhada de mundo, o Circuito Livronews tem sido acolhido por pessoas e lugares que praticam a literatura como fundamento de vida. Sem o engajamento de impulsionadores como Eduardo Lacerda e Pricila Gunutzmann, da Livraria Patuscada, e de Lourival Holanda, presidente da Academia Pernambucana de Letras, o Circuito Livronews, que ainda não conta com patrocinadores, jamais poderia existir.

Qual a avaliação que faz sobre o projeto?

Do ponto de vista conceitual, os pilares estão postos. Mas ainda há um longo percurso pela frente, até que o projeto ganhe escala e sustentabilidade. O Livronews é um livro recém-aberto. Se já tem alguma história a ser contada – e tem, por tanta gente e tantos livros e atividades que passaram por lá – é por causa da vasta, múltipla e bela produção literária contemporânea no Brasil. As editoras não param de surgir e publicar, os livros são escritos e ganham o olhar atencioso, às vezes apaixonado, de seus leitores. As livrarias persistem, reinventam-se, como lugares imprescindíveis. Num país em que a literatura possui o papel, entre outros, de apoiar e expandir o alcance da educação, o Livronews pode vir a ser uma, dentre várias, referências para o encontro e o desfrute do prazer literário.

Você é jornalista de formação. Como percebe a cobertura jornalística sobre a produção literária atual?

Vejo em muitos companheiros de profissão a mesma angústia com a diminuição do espaço que chamávamos de tradicional, para a cobertura literária. Mas também a mesma disposição de encontrar espaços alternativos que vão se transformando em nichos respeitados de difusão de conteúdo e debate, como no seu caso, Cefas. A produção literária no Brasil tem crescido em variedade, representatividade e alcance, apesar das restrições na divulgação em massa. Veículos relevantes como o Jornal Rascunho, no Paraná, ou o Suplemento Pernambuco, da Cepe Editora, e a revista 451, entre outros, cumprem o seu papel, porém não têm como dar conta do volume de lançamentos

Por outro lado, acredito que também vem aumentando a percepção da importância da literatura para a identidade cultural e a legitimação de debates que incluem a produção literária no trajeto. O movimento recente das mulheres escritoras, por exemplo, que se mobilizaram em dezenas de cidades do país para fotos históricas em grupos locais, inspiradas pela foto “Um grande dia no Harlem”, pode ser lido, também, como uma mostra dessa percepção, em que a literatura fortalece as demandas coletivas – e vice-versa, as demandas igualmente nutrem a atividade literária. As fotos estamparam as páginas e as telas de jornais e portais, receberam milhares de visualizações nas redes sociais, ultrapassando a expectativa de uma das idealizadoras do ato, a escritora feminista Giovana Madalosso. Foi um grande dia no Brasil – para as mulheres escritoras e para a literatura. Um bom exemplo de porque a literatura pode e deve ser mais pauta para o jornalismo, a começar pelo acompanhamento do que é publicado.

Na sua opinião, o mercado editorial brasileiro dá o enfoque necessário para escritores e escritoras nacionais e em produção ativa?

Eu não saberia medir qual a dose ideal para esse enfoque. Há um grande número de profissionais exercendo suas atividades incansavelmente. As editoras buscam atender à demanda e apresentar a produção, na medida de suas capacidades. Assim como as entidades representativas do setor. De outra parte, autoras e autores são requisitados a participar ativamente da difusão de suas obras, o que nem sempre ocorre, por uma variedade de motivos. Mas de um modo geral, acredito que passamos por um momento interessante de exposição da literatura brasileira contemporânea.

Nesse contexto, o Livronews e outras iniciativas aparecem como janelas de oportunidade, oferecendo espaços de divulgação e compartilhamento em canais cujo público é formado por integrantes do mercado editorial e por leitores apaixonados, prontos para abraçar as novidades.

Qual a importância das redes sociais para divulgar literatura?

Na perspectiva do aproveitamento dos espaços disponíveis, é indispensável. No entanto, essa importância pode ser relativizada, se a divulgação não for entendida como algo intrínseco à publicação. A satisfação com a publicação em si pode bastar. É uma visão possível e legítima. Tão legítima quanto a compreensão de que, para a ampliação do alcance da literatura, quanto mais leitores forem formados e alimentados por boas leituras, melhor. As redes sociais têm contribuído bastante para conferir às editoras, livrarias e a quem escreve um público interessado, de origens e características diversas, para o qual a interação no universo da literatura é tão prazerosa quanto a leitura. Tenho observado cada vez mais esse tipo de manifestação de apreço pela obra da qual se fala, em virtude da vinculação direta à autora ou ao autor que também se faz presente e acessível na rede. O que não significa, de modo algum, que a participação seja necessária o tempo inteiro – mas sempre que for possível, é bem recebida.

Como observa o retorno a feiras e eventos literários presenciais após o confinamento gerado pela pandemia?

Tive a oportunidade de ir à Bienal do Livro de São Paulo quase todos os dias, este ano. A alegria estampada nos visitantes e nos participantes era evidente. Nos estandes, os profissionais de editoras e livrarias não continham o espanto, com satisfação. Para a maioria, a venda de um dia em um estande pode ter sido maior do que numa livraria pequena, de rua, no mês inteiro. Além do êxito comercial, o que se repetiu na Bienal foi o mesmo tipo de bem-estar proporcionado em eventos menores, pelo encontro da voz, do olhar e do tato com outras vozes, olhares e tatos – o encontro que dá sentido ao que se fala, ao que se lê e se toca. Assim têm sido os lançamentos de livros, os debates, os saraus, os festivais, as feiras e encontros literários no Brasil, e, provavelmente, mundo afora. 

Você escreve literatura? Tem projetos literários a desenvolver?

Tenho crônicas e poemas esparsos, que podem ser lidos nos perfis da internet. Já reuni dois volumes de crônicas e artigos em livros de autopublicação, alguns anos atrás. Gosto de pensar o jornalismo como literatura, e procuro fazê-lo em reportagens, nos artigos, ensaios e até nas entrevistas. Depois de mais de 25 anos de formado, há alguma coisa espalhada por onde passei ou colaborei: na antiga Gazeta Mercantil Distrito Federal, de Brasília, no Jornal do Commercio e na revista Continente, de Pernambuco, e mais recentemente, no Jornal Rascunho. Na própria edição do Livronews, tento imprimir – esse verbo antigo e preciso – algum toque literário em certas postagens.

O contato diário com pessoas imersas na literatura não deixa de ser provocativo. Quem sabe, em breve, arrisco um mergulho também.