A escritora diz que na falta de espaço na mídia, as redes sociais ocupam um espaço nessa divulgação

Reportagens

Giovana Damaceno:  'A internet é necessária para quem escreve; é onde formamos parte do público'

História reais inspiram a escritora carioca, nascida em Volta Redonda. Ela lançou 'Do lado esquerdo do peito' e 'Justa causa'

24 de setembro de 2022

Cefas Carvalho

Escritora e jornalista, nasceu e reside em Volta Redonda, no Estado do Rio de Janeiro. Tem cinco livros, entre eles “Do lado esquerdo do peito”, de 2013, um relato da experiência com o câncer de mama; “Alguém pra segurar a minha mão” (2020), livro-reportagem sobre morte humanizada e cuidados paliativos e mais recentemente “Justa Causa”, coletânea de contos criados a partir de histórias reais, sobre causas de abandono de idosos. Giovana também tem crônicas e textos publicados em diversas revistas literárias na internet e maném o prestigiado Escreve no blog pessoal giovanadamaceno.com . É integrante do Coletivo Feminista Literário Mulherio das Letras e membro da Academia Volta-redondense de Letras. Ela falou sobre todos esses assuntos e ainda sobre o mercado editorial e muito mais. Confira:

Recentemente você lançou "Justa causa", que definiu como dezoito contos que foram criados a partir de histórias reais, com um toque de ficção. Como foi o processo de escrita destes contos e qual a avaliação que faz do livro?

Durante mais de um ano guardei histórias que me foram contadas e outras que vi na imprensa, de pessoas que cometeram vários tipos de atrocidades em família, e a maioria delas resultou em abandono dessas pessoas. Não foi difícil imaginar – ou até mesmo concluir - que muitos dos idosos institucionalizados têm esse destino por uma justa causa, ou seja, por terem provocado algo muito grave com familiares. Decidi selecionar as histórias que guardei e transformar em pequenos contos. Nem todos são uma única história; um deles, por exemplo, mistura quatro casos em um.

Creio que seja um livro necessário, apesar de duro de ler. É real, antes de ser lapidado para ficção. Quando o leitor dá de cara com as dezoito narrativas, sabe que é mesmo daquele jeito. As estatísticas de estupro de menores dentro de casa nos mostram isso todos os dias. O feminicídio, a violência doméstica em geral. Pensando nisso, seriam mesmo todos os idosos abandonados uns pobrezinhos e as famílias um bando de gente cruel e egoísta? O que fazer com um pai velho que te estuprou durante toda a infância? Se a vítima não consegue cuidar, que não seja julgada ao internar o pai, ou “largar pra lá”. O livro abre os olhos para essa realidade. Particularmente, não tenho “peninha” de qualquer idoso de cabelos brancos, esquecido pela família numa instituição. Pode ter um motivo muito grave para isso ter acontecido.

Em 2020 você lançou, também pela Editora Penalux, o livro "Alguém pra segurar a minha mão", que fala sobre um tema delicado, o luto e a morte assistida. Como foi o processo de escrever e publicar este livro e qual a sua interação com estes temas?

Esse processo foi complicado, pois mexi num vespeiro interno. O tema sempre foi muito pesado pra mim, creio que pelos mesmos motivos que é pra maioria das pessoas: o tabu. Vivi uma situação em que uma pessoa próxima estava em estado terminal e, ainda assim, ainda que bem-informada sobre a situação, a família insistiu que ela deveria ser levada para o hospital e lá ela morreu, sozinha, numa UTI, longe de todos, quando poderia ter se despedido da vida em casa, acolhida, rodeada de amor.

Ainda impactada por esse episódio, conheci o trabalho da equipe de atenção domiciliar do SUS, aqui na minha cidade, que atende em casa pacientes em estado terminal e promove qualidade de vida a esses pacientes, enquanto houver vida. Um trabalho magnífico. Tomei coragem de vencer o tabu e parti para o projeto do livro-reportagem.

Foi doloroso do início ao fim, um livro fininho, de pouco mais de cem páginas, que me causou quatro anos de angústia. Um processo que me transformou, mudou ao avesso minha forma de entender a morte; me fez compreender a morte como parte da vida e que o ser humano tem o direito de partir da existência com dignidade, quando não houver mais chance de recuperação.

Já "Do lado esquerdo do peito" (Penalux, 2013) você aborda a superação de um câncer em um relato autobiográfico. Fale sobre esse livro.

É um relato que partiu da minha experiência, considerada por amigos próximos como “diferente” ou “divertida” ou “bem-humorada”. Na medida certa foi mesmo. Não me mortifiquei em nenhum momento e mantive minhas atividades normalmente, sem perder o sorrisão, a gargalhada e o bom humor de sempre. Na época escrevia um blog em que contava minhas peripécias diárias e fazia isso com graça. Foi então que começaram a me incentivar a transformar tudo aquilo em livro, pois seria uma forma diferente de mostrar a outras pessoas que dá pra viver enquanto se trata um câncer. Não é livro de autoajuda; é apenas um relato de como passei um ano me tratando de uma doença que também é tabu.

Você maném atualizado seu blog pessoal giovanadamaceno.com? Como avalia a importância dos blogs para a produção e divulgação de literatura, assim como as redes sociais?

Ihhh... não tá atualizado, não! Bateu uma preguiça gigantesca por aqui e o blog tá lá, me olhando, esperando uma visitinha.

Não sei se felizmente ou infelizmente, mas a internet hoje se tornou necessária ao extremo pra nós, escritores. É nas redes sociais que agora formamos boa parte de nosso público, já que não se divulga mais literatura na imprensa, exceto autores já consagrados ou publicados pelas maiores editoras ou os queridinhos daqui e dali. Não fossem as grandes redes de contatos que criamos e mantemos na internet, não seria possível vender nem o pouco que vendemos de nossas publicações. Ainda assim, nossas redes são bolhas, né? Somos conhecidos e lidos pelos membros das nossas bolhas. Pode-se considerar que já é alguma coisa, num país em que fazer, divulgar e vender literatura ainda é tão difícil.

O coletivo Mulherio das Letras é um dos movimentos culturais mais fortes e interessantes que surgiram no cenário literário nos últimos anos e você é uma das fundadoras/coordenadoras e participante ativa dele. Como foi o surgimento do Mulherio, como ele funciona e quais os desafios do movimento?

Entrei no Mulherio pouco antes da realização do primeiro Encontro Nacional, em 2017. O movimento já estava formado, capitaneado pela escritora Maria Valéria Rezende, e já contava com cerca de cinco mil participantes em um grupo do Facebook. Somente depois do encontro é que passei a trabalhar pelo Mulherio, cuidando de algumas tarefas nas redes sociais.

O movimento cresceu muito e ao mesmo tempo tive que me afastar aos poucos, por questões pessoais. Ainda acompanho de perto, há poucos dias aceitei retomar uma de minhas tarefas, mas confesso que ainda estou meio capenga.

Com a expansão de grupos regionais dentro e fora do Brasil, foi ficando cada vez mais difícil manter uma coesão e como o movimento é horizontalizado, cada grupo foi fazendo sua parte, fragmentando um pouco o que nasceu para ser um movimento nacional.

É claro que tivemos percalços no caminho, como as eleições de 2018, e a pandemia que nos paralisou e causou um desânimo geral. Ainda tentamos manter a agenda e em 2020 realizamos um encontro nacional on line. Em 2021 houve tentativa de repetir a experiência, mas o projeto não saiu da ideia.

O Mulherio agora se organiza para o quinto Encontro Nacional, que será novamente em João Pessoa, em novembro, e esperamos retomar ao menos algo do que ficou perdido nesse tempo. Vai ser uma linda festa.

Fala-se que o mercado editorial brasileiro prioriza homens escritores em detrimento das mulheres. Concorda com isso? Como vê atualmente o papel das mulheres escritoras do mercado de livros?

Não só concordo, como há pesquisa acadêmica que confirma. Basta procurar a pesquisa da professora Regina Dalcastagnè, da UnB, para ficar surpreso com os resultados. O percentual de autores sobre o de autoras é gritante, sem falar nas escritoras negras.

Penso que não deveríamos ter que definir o papel da mulher na literatura. Estamos tão atrasados, que ainda é preciso reforçar que a mulher tenha algum papel a cumprir. Não vejo uma pessoa questionar qual seria o papel de um homem na literatura, entende? Nós somos escritores, homens e mulheres, e cada um cumpre sua função social em seu ofício. Basta a sociedade – o mercado literário – entender isso e considerar que o espaço deve ser igual para todos e todas.

Como a pandemia em seu período mais crítico, de confinamento e sem vacina, afetou a sua literatura? Conseguiu escrever mais ou menos? Conseguiu ler livros naquele período?

A pandemia me abateu bastante, mas não me interrompeu. Foi no segundo ano da pandemia que peguei firme no projeto “Justa Causa”, porém confesso que só consegui terminar porque quebrei o pé e precisei ficar 45 dias na cama. Coloquei o notebook no colo e finalizei o trabalho. Acho que em 2020 ficamos todos mais dispersos, com mais medo, mais dúvidas e por isso mais desconcentrados.

Quais as suas influências literárias da vida e leituras atuais?

Tomei por hábito a leitura de livros escritos por mulheres. Os últimos dos quais gostei muito foram “Tudo é rio”, da Carla Madeira”; “A guerra não tem rosto de mulher”, da Svetlana Aleksiévitch; “Fragmentos do Interior”, da Cris Lira; “A moça da limpeza”, da Lindevânia Martins; e “Invisíveis olhos violeta”, da Rosângela Vieira Rocha. Agora estou lendo um livro de um autor, Tiago Germano, na verdade conhecendo o trabalho dele agora, com “O que pesa no Norte”. Já digo que estou gostando demais.

Você tem um olhar crítico sobre a cidade onde mora, Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Morar em Volta Redonda afeta de alguma maneira o que escreve e como vê a realidade? Qual o impacto que a cidade tem sobre a escritora Giovana Damaceno?

Eita! A maior usina siderúrgica da América Latina está plantada no meio da cidade. Poucos são os bairros não afetados por uma poluição fora de controle. Moradores enchem pás de pó preto todo-santo-dia varridos de seus quintais. Difícil alguém não ter um problema alérgico qualquer.

Volta Redonda já teve sindicalismo metalúrgico combativo, que desapareceu após a privatização da CSN, tornou-se uma cidade conservadora, com mais de 60% de votos naquele que não digo o nome.

Política estagnada, entretenimento quase zero, cultura tentando sair do nível precário, quase nada do segmento literário, enfim, ao meu ver, é bem desanimador morar aqui.