Henriette Effenberger transita entra ser autora e também editora de livros
Reportagens
Uma das criadoras e entusiastas do Movimento Coletivo Literário Mulherio das Letras, autora escreve romances, contos e literatura infantil
30 de setembro de 2022
Cefas Carvalho
Nascida e residene em Bragança Paulista, no estado de São Paulo, Henriette Effenberger é romancista, contista, memorialista, poeta e escreve também literatura infantil. Publicou, em 2002, em coautoria com Maria Dulce N. K. Louro, seu romance de estreia, "A Ilha dos Anjos". Depois publicou ainda "As aventuras do Superagora" (infantil); "SSAAM — 80 anos de acordes em harmonia; Aeroclube de Bragança Paulista — uma trajetória nas asas do tempo"; "Liga do Pico, Futebol e Pinga" e "Sindicato do Comércio de Bragança Paulista — 70 anos". Em 2018, publicou o livro de conto "Fissuras", pela Editora Penalux. e em 2022 o seu primeiro romance solo, o elogiado "Quase nada de azul sobre os olhos" (Alcaçuz/Telecazu). Organizou coletâneas como "Linhas tortas", composto por contos premiados em concursos literários nacionais e internacionais, com apresentação de Ignácio Loyola Brandão, e "Horas partidas" (Editora Penalux) e a coletânea de contos e crônicas do Movimento Mulherio das Letras (Editora Mariposa Cartonera). É uma das criadoras e entusiastas do Movimento Coletivo Literário Mulherio das Letras.
Você publicou os livros de contos "Horas partidas" e "Fissuras", ambos pela Editora Penalux e bastante elogiados. Poderia dizer que é o seu gênero preferido e onde se sente mais à vontade? Quais os mecanismos específicos para escrever contos?
"Horas Partidas" é uma coletânea com os contos de meus amigos queridos e grandes escritores: Cinthia Kriemler, José Ronaldo Mendes, Edelson Nagues, Tatiana Alves, Henrique Bom e meus, é claro, que me deu uma grande alegria organizar. Há um ditado antigo que diz: junte-se aos bons e será um deles. A maior parte dos contos que estão em "Fissuras" foram premiados em concursos literários que eu resolvi arrebanhar das várias antologias e reunir num único livro. Em ambos há um trabalho primoroso de edição da Penalux, além do acompanhamento generoso dos editores Tonho França e Wilson Gorj. Eu me sinto à vontade como contista e menos como cronista, talvez a crônica exija de mim uma espécie de, vou chamar assim, espontaneidade que não possuo. O conto, por se apresentar mais denso e mais focado no aspecto psicológico do personagem e de suas reações diante do conflito apresentado me fisga, tanto na criação do texto, como na leitura de contos de outros autores.
Eu não tenho formação em Letras ou em Literatura, então, em termos acadêmicos sou, praticamente, autodidata. Não tenho um mecanismo específico, na maioria das vezes, ao iniciar um conto não tenho em mente nem qual seria o tema. Vou escrevendo (meio a esmo) o primeiro parágrafo até que o conto encontre seu caminho. Muitas vezes, ao dar o conto por terminado, refaço esse primeiro parágrafo. Ao escrever um conto nunca sei como ele irá terminar e vários de meus contos têm o final aberto. É quase uma característica de minha literatura.
Em coautoria com Maria Dulce N. K. Louro, publicou seu romance de estreia, "A Ilha dos Anjos" em 2022, e vinte anos depois, seu primeiro romance solo, o elogiado "Quase nada de azul sobre os olhos". Fale sobre esses dois livros e processos.
Sim, vinte anos após o lançamento de "A Ilha dos Anjos" lancei o "Quase nada de azul sobre os olhos" e os dois livros foram escritos em processos muito diferentes. Dulce e eu trabalhávamos na mesma agência do Banespa, em Atibaia, e a título de exercício literário já tínhamos escrito alguns contos juntas. Ou ela iniciava e eu terminava ou vice-versa. E começamos A ilha dos anjos desafiadas pelo meu tio Flávio Rodrigues, também escritor,quando numa roda de conversa sobre o, na época recente, Massacre do Carandiru, surgiu a pergunta: se o sistema carcerário está tão obsoleto, o que fazer com criminosos de alta periculosidade? E meu tio nos lançou a provocação: escrevam sobre isso! Dulce e eu conversamos alguns dias sobre o assunto, resolvemos escrever ( a princípio um conto depois decidimos que um conto não daria cabo da tarefa) nos baseando em três premissas que deveriam ser seguidas à risca: 1- Não seriam apenas criminosos brasileiros; 2- Estariam reunidos em um local sem chance de fuga; 3- Formariam uma sociedade perfeita. Acabamos estabelecendo também que, como fazíamos nos contos, uma de nós escrevia um capítulo e passava o texto para que a outra escrevesse o capítulo seguinte. Ah, havia um outro combinado: uma não podia alterar o texto da outra. O massacre do Carandiru ocorreu em 1992, levamos mais ou menos um ano para escrever o livro. Faltava apenas o final. Decidimos que cada uma de nós escreveria um final e depois escolheríamos qual deles iria para o livro. E assim fizemos. Quando a Dulce me apresentou o final que ela escreveu, não gostei da solução dada. Ela também não gostou do final que eu tinha escrito. E assim o livro ficou abandonado por quase 10 anos. Até que um dia resolvemos sentar e escrever juntas o último capítulo e então lançá-lo. Há pouco mais de dois anos Dulce e eu conversamos sobre fazer uma segunda edição do livro que está esgotado, meses depois ela sofreu um AVC que a deixou paralisada e faleceu em julho de 2022. Agora eu não tenho coragem de mexer em uma única linha do livro. Sem ela essa reedição não faz mais sentido pra mim.
Em “ Quase nada de azul sobre os olhos” o processo de escrita foi completamente diferente. Iniciei esse romance que a princípio se chamaria "Feliz Ano Novo", há muitos anos (presumo que mais de dez), instigada por um processo litigioso de separação judicial de uma pessoa conhecida. Escrevi mais ou menos umas 20 ou trinta páginas e acabei abandonando o arquivo porque acabei perdendo o interesse no tema. Durante o período mais fechado da pandemia, tentando organizar meus arquivos no computador, acabei reencontrando esse projeto de livro. Li algumas páginas e me assustei: Nossa! como isso aqui está machista! Vou deletar! Pensei. Pensei mais um pouco e resolvi reescrever o texto e deliberadamente transformá-lo num livro contra o machismo, mas sem levantar bandeiras. Eu queria colocar mulheres vítimas de um machismo sutil, aquele quase imperceptível às próprias mulheres, mas que, aos poucos, transforma relações familiares ou sentimentais em situações insustentáveis. Recomecei o livro, mantive as personagens principais e dei destinos diferentes a elas.
Você organizou, participou e publicou diversas coletâneas. Como é esse processo de trabalhar com o coletivo, de reunir autores e autoras?
Há muitos anos organizo coletâneas dos autores da ASES – Associação de Escritores de Bragança Paulista, mas foi um desafio enorme organizar a primeira coletânea de prosa do Mulherio das Letras, lançada em João Pessoa, em 2017, no primeiro encontro do Mulherio. Em primeiro lugar porque havia muitas autoras consagradas fazendo parte da coletânea, ao mesmo tempo que reuniu também escritoras que iniciavam, algumas delas com o primeiro texto publicado em livro. Foi desafiador também reunir os textos em quatro volumes, numa edição artesanal da Mariposa Cartonera, um formato que agradou muito as participantes. Enfim, publicamos cem textos! Não posso deixar de dizer também que importantíssimo para a qualidade da obra foi a disponibilidade de escritoras que se dispuseram a revisar os textos.
Como vê o mercado editorial brasileiro atualmente? Acredita que as mulheres escritoras têm o mesmo espaço que os homens que escrevem?
O mercado editorial reflete sempre o momento em que vivemos e, gostemos ou não, ainda vivemos numa sociedade que valoriza mais o homem branco, de meia idade, preferencialmente morador da região sudeste. Isso é inegável. Mas acredito também que as portas estão sendo abertas ( ainda que muitas vezes as mulheres precisem de “pés de cabra” para arrombar algumas). Mas me sinto orgulhosa em compartilhar esses tempos com escritoras do quilate de Maria Valéria Rezende, Micheliny Verunschk, Cinthia Kriemler, Rosângela Vieira Rocha e tantas outras companheiras do Mulherio das Letras que estão abrindo caminho para as novas gerações. Não tenho dúvida que dentro em breve as dificuldades serão menores.
Como foi sua produção literária e seu consumo de literatura durante o período mais agudo da pandemia/confinamento?
Durante os, praticamente, dois anos de pandemia mais consumi literatura do que produzi. O impacto da doença que ceifou tantas vidas (e levou do meu convívio pessoas queridas), a situação política do país, o negacionismo por parte do governo federal, a situação de miséria e de fome pelas quais muitas pessoas atravessaram, tudo isso me mobilizou muito e eu, quando tenho muitos chamamentos externos, sinto dificuldade em me dedicar à escrita, mas aproveitei para colocar a leitura quase em dia e reler clássicos. Acho que reli toda obra de Machado de Assis na pandemia, uma coisa que há anos desejava fazer. Para não dizer que não escrevi nada, escrevi o "Quase nada de azul sobre os olhos".
Você nasceu e mora em Bragança Paulista, no interior de São Paulo. Como viver nessa cidade afeta sua literatura?
Não sei responder essa pergunta. Nasci em Bragança Paulista, morei por mais de vinte anos em Atibaia, cidade 25 km distante de Bragança, na época em que era bancária, do Banespa – Banco do Estado de São Paulo. Não sei como seria se tivesse vivido em um grande centro. Em Bragança Paulista, há trinta anos fundamos a ASES- e desde então me dedico muito à entidade da qual sou sócia pioneira e fundadora, presidi por duas gestões consecutivas e atualmente sou Diretora de Eventos.
Você faz parte do coletivo Mulherio das Letras e participa ativamente dos movimentos e encontros. Qual a importância do Mulherio e o impacto que ele tem e teve?
O Mulherio das Letras representou um divisor de águas na minha vida, tanto como escritora, como na pessoal. Como escritora porque reconheço que minha literatura conseguiu certa visibilidade pela generosidade de tantas irmãs nas letras. Com elas aprendi e continuo aprendendo a encontrar o meu caminho. Mulheres admiráveis em todos os sentidos! No Mulherio das Letras aprendi, na prática, o significado da palavra sororidade.
Quais os seus próximos projetos literários:
Para breve, o lançamento de uma novela juvenil (seara que estou me aventurando). Embora eu tenha conquistado prêmios importantes na literatura infantil, como o João de Barro de Literatura Infantil, promovido pela Fundação Cultural de Belo Horizonte e Prêmio de Literatura Infantil da Fundação Cultural de Manaus, escrever para adolescentes e jovens é muito diferente. O livro Viagem aos três mundos – O puma, a serpente e condor – deverá sair no final deste ano ou início do próximo pela Telucazin – selo infantil da Editora Telucazu, do queridíssimo André Kondo. Nesse livro recebi um grande apoio da escritora Maya Falks e da poeta Valéria Paz, na leitura crítica e revisão. Também continuo com os eventos da Associação de Escritores de Bragança Paulista e são muitos: concursos, lançamentos de novas coletâneas e eventos diversos divulgando a literatura, principalmente nas escolas do município.
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