Livro mostra a influência da moda de Christian Dior no Seridó de 1950

É Típico!

Historiador retrata influência da moda francesa no sertão do Seridó 

João Quintino de Medeiros Filho revela em “Dior Arremedado” como o “New Look” de Christian Dior se adaptou ao estilo das seridoenses

01 de fevereiro de 2022

Cefas Carvalho

A elegância romântica e a cintura marcada que suas avós seridoenses ressaltaram nas fotografias de família no sertão do Seridó têm mais ligações com a moda francesa do que se imagina. Quem amarra este fio é o historiador de São João do Sabugi, João Quintino de Medeiros Filho, no livro “Dior Arremedado: a moda francesa no sertão potiguar (anos 1950)”. A obra é o resultado de um estudo acadêmico que buscou a relação entre o estilo New Look, criado em Paris, França, no ano de 1947, e a moda usada pelas mulheres de São João do Sabugi, sertão do Rio Grande do Norte, Brasil, durante a década de 1950. 

Licenciado em História pela (UFRN, 1988), especialista em História do Nordeste (UFRN, 2003) e Mestre em História (UFCG, 2014) Quntino é professor do quadro permanente no curso de História da UFRN, Campus de Caicó. Nas horas livres, escreve prosa e poesia, desenha e pesquisa moda e foi numa dessas pesquisas que identificou as similaridades da época. 

 

"Lendo imagens, vozes, impressos e um vestido da época, considerado enquanto documento histórico, a pesquisa sugere que o estilo de vestir construído por Christian Dior sofreu adaptações no pequeno lugar sertanejo, decorrentes tanto do gosto quanto das condições materiais de suas usuárias. As modificações, fossem no acréscimo de detalhes que atendessem ao pudor e ao recato, fossem na busca de materiais alternativos àqueles mais caros e raros, deram ao New Look usado entre as sabugienses um aspecto de arremedo de Dior, o que abre espaço para a discussão do caráter hegemônico da moda", registra o autor.

    

 

Quintino é professor no curso de História da UFRN, Campus de Caicó. Dior Arremedado é fruto de uma de suas pesquisas sobre costumes do Seridó

 As táticas locais de combate aos ditames da moda, que permitiam vesti-la transformando-a, fazem reconhecer o paradoxal da esfera da aparência nesse período: enquanto se apresenta como uma das conquistas do mundo democrático, contribui para a construção das identidades de gênero pela sugestão de um vestuário sexualizado.

As fontes para a pesquisa foram basicamente as fotografias, garimpadas nas coleções de flagrantes guardadas por famílias e por pessoas, que revelam as silhuetas ideais a partir dos trajes usados no período. As bases iconográficas assentam-se sobre uma centena e meia de fotografias coletadas em vários acervos particulares de São João do Sabugi, reunidas entre os anos de 2012 e 2013. Além das fotografias, utilizaram-se fontes orais na pesquisa, sendo possível contar com depoimentos de pessoas que viveram em São João do Sabugi durante a década de 1950, selecionadas a partir de critérios qualitativos, suas idades, bem como sua lucidez e a disponibilidade em se deixarem entrevistar.

Na definição do corpus documental da pesquisa, somam-se os periódicos impressos à iconografia e aos relatos orais, elegendo como fonte a principal revista feminina dos anos 1950, Jornal das Moças, cujo contato se deu tanto através da compra em sebos virtuais quanto pela visita à Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Finalmente, um vestido de casamento – objeto da cultura material – , usado na comunidade rural Riacho de Fora, no município de São João do Sabugi, em 1955, entrou na composição do quadro geral das fontes pesquisadas para o conhecimento da relação entre o New Look e o que se vestia no lugar durante a década em estudo.

A circularidade de um estilo de vestir francês pela São João do Sabugi dos anos 1950 se fez graças ao acesso aos periódicos impressos tanto de atualidades quanto feitos exclusivamente para o segmento feminino, mas havia outras possibilidades para se saber qual era a última moda. Um desses meios foi a troca de fotografias entre parentes e amigos, que fazia circular ideias sobre a aparência em voga pela imagem revelada ou pelas inscrições que reforçavam este ou aquele aspecto do visual das pessoas fotografadas. Existiam sabugienses ou seus parentes vivendo em outras localidades, em cidades maiores inclusive, que estavam constantemente em contato com sua terra natal ou de seus pais via correios ou através de visitas periódicas. Nessas idas e vindas de gente, de cartas e de fotografias, a moda se deixava levar e trazer de modo sutil, sem alvoroço.

"A moda, enquanto dimensão da cultura, disponibiliza o seu vocabulário de peças, formas e cores para a ereção das identidades de gênero. A década de 1950 viveu o último ato dramático da sexualização do vestuário, texto que se escrevia desde o século XIV, quando o sistema da moda se fez inaugurar. O New Look de Christian Dior se mostrou para as mulheres dos anos 1950 como uma opção de vestir, entre outras linhas e estilos; escolhido como ideal por muitas delas, em São João do Sabugi passou por uma adequação ao gosto e às posses. Se ditado, foi escrito com outras palavras", assinala.

 

Além da moda, costumes do Seridó

“Sabugy Deslembrado: lugares, personagens e narrativas”, segundo livro lançado em 2020 via Lei Aldir Blanc, é uma coleção de vinte e cinco histórias de base popular, que circulam no sertão do Sabugi – antigamente grafado Sabugy –, na divisa entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba. São narrativas que tratam de espaços habitados pelo fantástico, de figuras humanas bafejadas pelo caráter lendário e de contos que faltam um pedaço, fragmentados pelo esquecimento dos anos. A coleção não se esgota, podendo ser continuada por muitas outras histórias, que circulam por aquele sertão à espera de quem as (re)conte.

          "As narrativas e personagens de um/a sertão/ribeira do Sabugy deslembrado/a fazem remissões aos séculos 19 e 20, em memórias coletivas e individuais que se passam em São João do Sabugi – sua urbe –, mas ainda em suas comunidades rurais de ontem e de hoje: Fidélis, Jerusalém, João Pinto de Cima, Carneiro, Cachoeirinha, Jardim, Mulungu, Volta do Rio, Matinha, Figueiredo, Pedras Pretas, Campo Grande e Melado. A intenção foi tornar acessíveis os contos fabulosos conhecidos ao longo da vida, desde os tempos de outrora, ouvindo dizer sobre isso e aquilo na calçada da sua casa; até os tempos coevos, quando se aprende muito em conversas com gente de todas as idades", afirma Quintino.

       Desde a sua graduação em História (UFRN, 1988), o autor acumula em pastas e na memória tudo o que lê, vê e ouve falar a respeito de São João do Sabugi, na intenção de um dia organizar e tornar público tamanho rol, dividindo com os/as conterrâneos/as e com gente de outras terras as impressões construídas sobre o lugar e sua gente. Entre esses rascunhos e resíduos, algumas garatujas a respeito dos relatos maravilhosos ditos pelos mais velhos e admirados pelas crianças de quarenta anos atrás. As narrativas, tradições e seus personagens estão escondidas nas lembranças de quem ouviu Histórias de Trancoso, de quem teve medo de figuras monstruosas, de quem acreditou em relatos sem pé nem cabeça, de quem acrescentou maravilhas, suprimindo desgraças em fábulas locais, muitas delas repletas de conteúdo universal.

       Então, para escrever a respeito de São João do Sabugi e dos/as sabugienses, o autor escolheu por aquilo que se esvai primeiro, o que não está registrado oficialmente nos arquivos, porque de menor importância para as instituições: aqueles conhecimentos guardados na memória espontânea do povo, formas de expressão perpetuadas pela tradição oral e pelo anonimato em sua produção – às vezes chamados de folclore –, tido por muitos como uma cultura menor, dos pobres e dos trabalhadores.

          O autor chama a atenção para o fato de que este não é um livro de História, mas de Memória. Estão reunidas narrativas que parecem se aproximar do conceito de lenda, conforme dito acima; acrescentando-se histórias sobre personagens reais, cujas passagens de suas vidas estão vestidas de relatos fantasiosos e pouco críveis. Um Sabugy deslembrado.

 

ESTUDA QUEM PODE!

       A obra “Estuda quem pode! e outras crônicas virtuais” é uma coletânea de crônicas escritas e publicadas no perfil do autor na rede social Facebook, entre os anos de 2012 a 2020. Reúne cinquenta textões e textinhos categorizados como crônicas pela brevidade do seu conjunto de orações, períodos e parágrafos, combinação de gênero e estilo a tratar de todo tema, dependendo do estalar de uma ideia em dia qualquer. São crônicas virtuais pelo intangível inicial de seu lançamento no mundo, graças a uma plataforma digital, imperceptíveis pelo tato ou pelo olfato, soltas no ar, visíveis somente pelas janelas luminosas das telas dos computadores e dos celulares.

       A coleção de crônicas foi escolhida dentre os diversos textos opinativos e reflexivos que o autor costuma socializar, através da sua rede social, com os amigos virtuais que tem obtido nesses oito anos, após criar o perfil Quintino Medeiros no Facebook. A maior parte desses escritos foi postada na companhia de imagens fotográficas, desenhos ou ilustrações de diversas origens, sempre que surgia motivo, desde uma data comemorativa, a perda de uma pessoa querida ou recordação qualquer que surgisse.

       De um conjunto maior de escritos, restaram cinquenta crônicas falando de acontecimentos históricos, de perfis humanos, de despedidas, de práticas culturais, de experiências de ensino, de indumentária e moda, de memórias particulares, de reflexões diversas. O autor escolheu uma das crônicas para intitular o livro – Estuda quem pode! – , exatamente porque esse texto discorre sobre o seu processo de formação acadêmica, que foi essencial para que pudesse qualificar a sua escrita, melhorar de vida e ganhar dignidade. Reflete também, nessa crônica, a respeito da própria imagem fotográfica, do quanto ela revela e, contraditoriamente, do quanto oculta.

       As crônicas foram depuradas, sofrendo supressões e acréscimos, para serem impressas na obra. Algumas precisaram ser ampliadas em seu tamanho, ganhando maior densidade, enquanto outras foram submetidas ao olhar de pessoas interessadas, principalmente aquelas de cunho biográfico. Mesmo assim, os textos nem beiram a perfeição, podendo ser burilados ad aeternum.

COMUNICAR

Além dos estudos acadêmicos, Quirino já inventou jornais mimeografados, concursos literários, semanas científico-culturais e festivais folclóricos. Os três livros publicados em 2020 fizeram sucesso nos meios acadêmicos e de estudos históricos. Sobre sua escrita, ele define:  "Escrever é materializar a comunicação que se pretende: está no vão entre o pensamento e o diálogo. Escapa-se, assim, da mudez imposta pela timidez exacerbada, como se dá comigo. Abrem-se portas, quem sabe somente janelas. Mas são aberturas rumo à troca. Costumo ter vários projetos de comunicação guardados nas gavetas e no computador. Uns muito ruins, outros com alguma razoabilidade. Talvez no futuro publique os péssimos e queime os razoáveis. De mediano basta eu".

 

 

 

 *Colaborou: Cinthia Lopes