Documentário registra o cotidiano de trabalhadores informais na Praia
Reportagens
Documentário da Farolete Produções abre a câmara para contar histórias de gerações de ambulantes que tiram sustento na orla
04 de julho de 2020
Cinthia Lopes
A imagem de formigueiro em um dia de domingo na Praia do Meio ficou no passado, ou nos cartões postais do fotógrafo Jaeci Emerenciano que circulam pelas redes. De 1990 para cá, com o estreitamento da faixa de areia e o abandono dos pontos comerciais e residenciais, a praia perdeu para Ponta Negra seu posto de orla urbana favorita.
A feiúra dos terrenos abandonados na av. Café Filho tira o interesse de quem passa por ali de carro. Mas não para quem gosta de um banho sem preconceito nas piscininhas naturais que se formam na maré baixa. Para essa parcela de natalenses, aPraia do Meio segue como atrativo de lazer e meio de sustento.
A medida que o relógio solar avança, o sobe e desce de tupperwares e caixas de isopor se intensifica conduzidos por vendedores de ginga com tapioca, coxinhas, picolés, bronzeadores e descolorantes. Nas tipoias de seu Manoel e Marcos tem algodão doce em saquinhos e baldes e boias coloridas que fazem a diversão da meninada.
São diferentes gerações de trabalhadores informais que tiram dali o único sustento ou a segunda renda, às vezes só o que dá para a refeição do dia. Histórias de persistência e superação que inspiraram os videomakers Pedro Lucas e Lenon Silva a produzir o documentário “Entre Calçadão e Quebra mar”, o primeiro da Farolete Produções.
O filme, exibido uma única vez na seleção Mostra Sesc de Cinema, em 2019, é uma espécie de câmera aberta para o relato desses trabalhadores informais que falam de suas vidas e alguns sonhos esparsos como nuvens solitárias de meio dia. Gente que não consegue nem “tirar o da passagem de volta” mas ainda assim sonha em fazer uma faculdade como Edna. Ou abrir uma hamburgueria como Janílson, ou se aposentar com dignidade como Edson.
Se Manoel vende boias e baldes todo dia na Praia do Meio: "O turista ainda vinha para visitar o Forte, hoje não vem mais"
Formado em Radialismo pela UFRN, Lucas já pensava há algum tempo registrar cenas de um lugar que frequenta desde pequeno. Apesar de reclamar do estreitamento da praia, não quis focar no tema. “este é um filme sobre ouvir, onde a expressão é a imagem que acompanha todo o discurso, inspirado nos documentários que amo, como também na vontade de torná-lo real e fazer algo que se deseja”, analisou. “A praia e o trabalho que elas exercem serviram para delimitar”.
O curta atravessa a praia a partir das memórias, experiências e opiniões dos frequentadores mais assíduos da praia, que vivem e respiram seus ares no cotidiano buscando diferenças e semelhanças com a visão de lazer comumente associadas ao local.
“Entre Calçadão e Quebra Mar” terá sua estreia oficial ainda este ano, no lugar onde foi filmado. Mas será para depois da pandemia do novo coronavírus passar.
As voltas que a vida dá ou de Mazzaropi a Argentina
Com uma filmadora na mão sob o sol de uma manhã movimentada pelo Dia de Santos Reis, Pedro Lucas e Lenon se dispõem a ouvir histórias de pessoas que só vamos conhecer pelo primeiro nome. Como a o vendedor de algodão doce Marcos. Ele tinha 9 anos quando começou a vender dindim e amendoim na Praia do Meio. Na adolescência trocou pelo puxa-puxa, depois mudou de endereço e foi para a Feira do Alecrim. Aos 40 e poucos anos já tinha aprendido ofícios de pintor de parede, costureiro e encanador. Aí veio a depressão para lhe derrubar. Saiu dela e encontrou novos sentidos para viver após ler “o evangelho”. Hoje com os quatro filhos criados ele ainda continua a ajudar a família vendendo doce, tal como na infância.
António já trabalhou com pesca em alto mar, mas hoje prefere a tranquilidade da praia
Viajado, o simpático argentino António mora há 16 anos em Natal e já viveu da pesca em alto mar e como vigilante, mas hoje prefere vender coco verde no calçadão. Saiu de sua terra nos anos 1990 fugindo do confisco e a hiperinflação que assolou o país do então presidente Alfosín. Já foi casado mas hoje prefere viver sozinho e filosofa sobre as vantagens da solidão: “O ser humano é um animal de costume”.
O filme segue desfilando mais e mais histórias, como a de Antony, que estava meio pra baixo por que o ano que passou foi ruim. Investiu em algum negócio que não deu certo e perdeu 300 reais. Mas logo se anima diante da câmera e a possibilidade de uma entrevista. “É como cinema”, ele diz. E aproveita para falar sobre Mazzaropi (ator, cineasta e comediante brasileiro) de quem sempre foi um fã e conta sobre seu sonho de ser ator e montar sua própria produtora para fazer “filmes de comédia do sertão”.
Por fim chegou a vez de Edvaldo Txutxuca, um esfuziante vendedor de ginga, tapioca e camarão. Está de domingo e domingo naquela que é sua praia favorita. “É a verdadeira praia do povão”. Txutxuca vende seu produto na boa conversa. Criou seis filhos, e ajuda na criação dos quatro netos. No carnaval diz gostar de se transformar mas diz que não é artista: “Sou bicha mesmo!”
Outras faunas
O fascínio pela Praia do Meio e seus frequentadores já inspirou outros trabalhos. Recentemente o filósofo e jornalista Antônio Stélio, que mora há 30 anos na praia, lançou o livro “Crônicas da Praia do Meio” (editora Sebo Vermelho, 2019) no qual trouxe histórias de uma fauna para lá de curiosa, como Paulinho do Coco, Vovô da Praia, Maria Molambo, Bigode e até a do cachorrinho Bob.
Assista aqui “Entre Calçadão e Quebra Mar”
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