Às vezes eu sonho em criar uma nova Império Serrano perfeita, como numa viagem a São Saruê

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Império Serrano

Quando a escola aparecia na tela da TV, estendida como um jardim pela Marquês de Sapucaí, os olhos da morena faiscavam de alegria

06 de dezembro de 2024

Ítalo de Melo Ramalho

O Império Serrano tem a minha torcida desde 1982. Eu tinha sete anos e ainda morava em Guarabira, cidade do interior da Paraíba, quando a vi pela primeira vez. Sim, é verdade, poderia ter sido o magnífico samba-enredo que tivesse me arrebatado: Bumbum, praticumbum, prugurundum. Mas, definitivamente, não foi! O que me levou a torcer pelo o Império Serrano foi a minha mãe. Ela adorava a escola. Achava as cores do estandarte (verde e branca) maravilhosas. Quando a escola aparecia na tela da TV, estendida como um jardim pela Marquês de Sapucaí, os olhos da morena faiscavam de alegria. Até parecia haver uma ligação espiritual nessa relação: escola e torcedora. 

A inexorável escalada do tempo e os tropeços do Império, no entanto, afastaram a escola do desfile das especiais, a distanciando mais e mais dos holofotes midiáticos. Ainda assim, sempre que ela lembrava perguntava como andava a escola: e o Império, hein? Ficava triste quando eu dizia que não estava nada bem, e quando, numa tirada de graça, eu completava: talvez esteja fora de qualquer série. Galhofa que se diz quando um clube de futebol é rebaixado e continua a levar cacetada por cima de cacetada nos gramados. O caso mais clássico é do próprio Fluminense carioca que permaneceu durante algumas temporadas disputando partidas com clubes de menor destaque.

Ainda em Madureira: esse fim de semana tomei conhecimento que a Casa de Jongo da Serrinha foi reinaugurada (1/12/2024). Véspera do dia do samba. Patrimônio imaterial da cultura brasileira. Pois bem, a Casa de Jongo da Serrinha pode ser considerada como uma fortaleza da resistência da cultura negra e um marco da civilidade carioca e nacional. O jongo, ritmo musical vindo dos batuques e que compõe com a dança a sua completa expressão, é um elemento de formação do samba. Perdoem-me pelo exagero, mas a Casa de Jongo da Serrinha é tão relevante quanto o maracatu pernambucano, o folheto de cordel e o Real Gabinete Português. Espaços como esse precisam ser cuidados pelo poder público com investimentos reais, concretos. Sem deixar de lado a garantia do Estado de oferecer segurança pública e ostensiva a esses ambientes. Porque, infelizmente, temos que considerar que o tempo coevo anda ainda mais carregado, com essa nuvem espessa, pesada, ultraconservadora, que não passa e que se ramifica feito batata pelo Brasil e pelo mundo. 

Voltando à escola e permanecendo em Madureira, o Império é uma referência no samba. Numa rápida pesquisa vejo o que a escola da Serrinha ocupa o 4º lugar na lista das mais vitoriosas com nove conquistas. Empatada com Acadêmicos do Salgueiro e Imperatriz Leopoldinense. Em tempo menos distante (2002), lembro do samba-enredo “Aclamação e coroação do imperador da pedra do reino” em homenagem ao Ariano Suassuna. Para mim que sou, declaradamente, suassuneano, ver a minha escola desfilar com esse enredo foi uma declaração de amor recíproca. 

Às vezes eu sonho em criar uma nova Império Serrano. Seria algo como se estiver mergulhado numa viagem ao país de São Saruê. Uma escola perfeita. Tudo a funcionar nas mais belas lições de igualdade. As notas que os/as jurados/as revelassem ao instante da abertura dos envelopes seriam como os/as santos/as e os/as orixás a encaminhar os passos da comunidade. Seriam como cartografias a revelar a quem estive perdido e achado nesse grande armazém, lições da vida coletiva. Bem que as coisas poderiam ser assim: abriu o envelope e a transformação do mundo seria a garantia de um belo espetáculo. Mas não é. Os envelopes sempre guardam mistérios e eles sempre hão de pintar por aí, como disse Gilberto Gil. Às vezes a pintura sai pior que o mata-borrão. Entretanto, jamais vou esquecer das lições que os olhos da minha mãe ensinaram.

https://www.youtube.com/watch?v=K7KpgDc2YLQ