O lado poeta de Câmara Cascudo e sua aproximação com a poesia japonesa

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Japonês: A poesia de Cascudo

A relação com o artefato poético japonês em Câmara Cascudo pode ser remetida a outra ordem de interesse composicional

24 de julho de 2020

Dácio Galvão | Escritor e produtor cultural

Luís da Câmara Cascudo não sofreu influência direta de fórmulas de haicais japoneses tradicionais. É fato que fez uma produção da temática poética nipônica. Escreveu o poema Kakemono, em verso livre.  

Deixa, meu fino lírio japonês
Que o vento ulule fora da vidraça...
Tens o corpo sonoro de uma taça
E o teu quimono 
Que envolve tua guia esguia e fina
Dá-te um ar de princesa de neblina
Num castelo de outono...
Bem vês
Que o vento ulula fora da vidraça
E a chuva passa
Para ver-te, meu lírio japonês.

É sabido que até a primeira metade dos anos de 1920, transitara em Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Nas estadias, mantinha contatos com escritores atuantes do modernismo literário em curso trocando ideias e informações de interesses intelectuais. Por força de fluxos migratórios, incluído o japonês, São Paulo se constituía na cidade ofertadora do leque aberto para tipos de recepções mais diversificadas.

Em tal situação receberia influxos não lineares. Detalhes fragmentários de micro-estéticas salientadas na confecção e estru¬tura de poemas orientais e a obviedade temática. Indiscutivelmente o campo oriental acentuou para a anexação de elementos linguís¬ticos ocidentais nuances inerentes daquela cultura. Foi acontecendo o interesse de Afrânio Peixoto, Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida... 

A relação com o artefato poético japonês em Câmara Cascudo pode ser remetida a outra ordem de interesse composicional, diferindo na aproximação intuitiva e mesmo fora do eixo posteriormente cultivado por Guilherme de Almeida. Esse criou regra própria para o haicai nacional, fato que pode ser relacionado à afinidade e intercâmbio que mantinha no estado de São Paulo, seja por meio de instituição nipo-brasileira que dirigia, seja como reflexo da comunida¬de japonesa radicada no Brasil. 

O título sobrecarregando estranhamento (Kakemono) aponta como em textos parnasianos a tendência orientalizante que se encontrava estava presente no periódico modernista Klaxon. No segundo número da revista, aparece o texto “A Poesia Japonesa Contemporânea”, de Nico Hourigotchi, 1922.

 À vista disso, percebe-se a mistura no âmbito da fundição cultural a moeda do parnaso corrente no Modernismo. A estrutura construtiva do verso livre e resquícios de lampejos do poetar parnasiano se apresentam no caminho construtor. Remetendo inclusive ao nicaraguense Rubén Dario que produzira poesia com título homônimo. 
Heraldo do Monte compositor e multi-instrumentista dos melhores, parceiro de Hermeto Paschoal, foi em dada ocasião por nós intimado para musicalizar esse poema. Impôs a virtuose que o habilita.

Estando entre os maiores improvisadores conhecidos na denominada música popular brasileira fixou, para começo de conversa, na concepção do arranjo elaborado com harmonias simples e complexas um tradicional instrumento japonês. Um shamisen! Reatualização cabal do poema em dados estéticos na voz afinadíssima do novobaiano Paulinho Boca de Cantor. Fez um caminho de regulação entre uma e outra tradição, de puro nipo-brasileirismo. Manteve avivada a chama poderosa dessa relação que vem de Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e perpassou de alguma maneira por Oswald de Andrade com a poesia-síntese, a poesia-minuto.

A produção vanguardística europeia propunha, dentro do espectro do fazer hakaísta, uma das saídas possíveis para construções elaborativas no terreno da confecção do texto.  Paulo Franchetti afirma que “para os que se moviam aos confins do mundo em busca de um modelo alternativo ou antagônico aos rumos da sociedade burguesa ocidental, o Japão aparecia como uma espécie de paraíso perdido pré-industrial, milagrosamente protegido do contato com os poderes destrutivos do dinheiro e da técnica ocidentais”. No caso cascudiano, reinventado na música e no canto o Japão ou parte dele está aqui. No aqui e no agora!