Autor diz que obra literária se abastace de pilares encontrados na psicanálise e filosofia
Reportagens
Poeta natalense radicado em Porto, Jean Sartief aborda em novo livro amor, sexualidade e relações humanas Lusitânia
04 de julho de 2025
Cefas Carvalho
Natalense, "do signo de gêmeos com ascendente em gêmeos", segundo suas palavras, radicado há anos na cidade do Porto, Jean Sartief é graduado em administração e comunicação social com mestrado em antropologia pela UFRN. Em terras portuguesas, completa trinta anos de poesia com um livro novo “Difíceis afetos” (pela editora Urutau), onde aborda temas como amor, sexualidade e relações humanas Lusitânia, e dá continuidade a obras elogiadas como “Desrazão”, "Entre o Sol e a Lua", "Eclipse" e "Na boca das tuas palavras". Confira a entrevista onde ele fala sobre tudo isso:
Seu novo livro, "Difíceis Afetos", segundo sua definição, trata de "poesias atravessadas pela memória, pelo tempo, pela sexualidade, pela violência, pelo cotidiano e pela exclusão social". Como foi o processo de escrever essas poesias, lançar em livro e o que o difere dos anteriores?
A psicanálise, a filosofia e a poesia são instrumentos fantásticos na possibilidade de investigação de nós mesmos. Desses pilares, tenho me abastecido. “Desrazão” (Giro/2024), meu livro anterior e “Difíceis Afetos” vem dessa tríade que tenho investigado por dentro e por fora. Alcançar o arcabouço do lado sombrio de traumas familiares, pessoais, políticos e sociais me deu a oportunidade de entender muitos dos meus próprios movimentos, desejos, impulsos e desvarios. Hoje, esse processo culmina na minha poesia. Acessar e atravessar todos esses elementos é um crescimento e uma luta também contra a homofobia, a xenofobia, os discursos de ódio etc. A diferença de um livro para outro é que Difíceis Afetos traz algo mais do meu cotidiano em Portugal. É mais próximo do hoje, embora a investigação afetiva seja a mesma.
"Difíceis Afetos" é publicado pela Editora Urutau, que tem se destacado pela divulgação de nova poesia em língua portuguesa com braço no Brasil, Galícia (Espanha) e em Portugal. Como foi lançar com essa editora em ascensão?
Eu gosto de me aventurar em novas possibilidades, de experimentar. Foi assim com Jardim dos Abismos que publiquei primeiro como e-book e só depois, como livro físico. Algumas vezes a gente se decepciona e em outras é uma maravilhosa surpresa. Já tive péssimas experiências com algumas editoras, inclusive cheguei a desistir de uma que também tinha interesse na publicação de um livro meu. É preciso estar atento. Há muitos aproveitadores nesse meio editorial.
Conheci a Urutau aqui em Portugal e tive um primeiro contato mais próximo com a oportunidade de participar da antologia Volta Para Tua Terra – Não há abril sem imigrantes (Urutau/2024 – Vol.III). Me inscrevi e fui selecionado. Depois, houve apresentações, saraus tanto no Porto como em Lisboa e outras cidades. No final do ano passado enviei, para um novo certame, os poemas de Difíceis Afetos e também fui selecionado. A Giro, que nasceu de um projeto com Rita Machado, que agora publicou Desrazão e é a minha casa mais afetiva. Rita é fantástica.
A Urutau tem sido exemplar em todo os contatos que tive. Senti um acolhimento muito grande e um profissionalismo extremo também. Atentos aos detalhes, a qualidade de todo o processo, de todas as etapas. Além de uma paciência fenomenal...não sei se dei muito trabalho (com ansiedades, dúvidas, correções e sugestões) ou fui um autor dentro da média (risos). Eles estão sendo incríveis. Essa possibilidade e flexibilidade de publicar para Portugal e para o Brasil é também maravilhosa. Em breve, quando o livro estiver em nossas mãos, entraremos no circuito de lançamentos/apresentações aqui em Portugal e quando estiver no Brasil, faremos isso também. Eu falei das editoras, mas os autores também são complicados, enfim... É um namoro e tem que ser prazeroso para os dois.
Você mora na cidade do Porto há anos. Qual o impacto da distância da terra natal (ou Natal) na sua poesia? E ainda, como vê, com o olhar de fora, a nova poesia potiguar e brasileira?
Sim, essa distância impacta por todos os lados. Ao mesmo tempo em que estou distante, estou perto porque a ausência se faz presente. É um movimento quântico. Entra dentro das minhas investigações pessoais. O que sinto? Como me afeta? O que afeta e o que não afeta? É interessante que essa terminologia de ser afetado e afetar, vem de Espinosa. As proximidades e diferenças na terra que trago e nas que encontro, nesta jardinagem, são intensas. A minha vivência em Natal está dentro da minha poesia.
Sobre a poesia potiguar, eu lancei Desrazão em dezembro. Foram tantos lançamentos de livros em Natal que me surpreendi positivamente! Então, acho que em termos de produção, há muitos nomes para acompanhar e estar atento. Infelizmente, até mesmo pela distância geográfica, não conheço pessoalmente muitos dos que lançaram suas primeiras produções. Entretanto, confesso que isso de gerações não me interessa. O que me interessa é a boa poesia. Mas, tento sempre acompanhar pela internet o que vejo sendo divulgado. Em termos nacionais, gostei muito do último livro de Ricardo Domeneck, Cabeça de galinha no chão de cimento (Editora 34), que ganhou o Jabuti de poesia, 2024. Poesias de suster a respiração de tanto primor em sua construção poética.
No texto da orelha, a também potiguar e também residente em Portugal Elizabeth Olegário, faz paralelo de sua poesia com o filósofo Baruch Espinosa, que trata de entender os afetos e transformá-los em ação consciente. Foi proposital esse paralelismo? Acredita que é possível, com a poesia, dissecar e compreender os afetos?
Na verdade, foi Elizabeth Olegário que trouxe, sabiamente, os afetos de Espinosa, em Ética (1677) para as nossas conversas por e-mail e presenciais (com poesia e vinho). Ela propôs esse caminho e achei maravilhoso porque realmente tem muito sentido dentro da minha navegação pessoal. Acredito que esse movimento que falei de mergulhar no passado e costura-lo com o presente e futuro, possibilita muitos caminhos e um deles é se perdoar. Às vezes, trazemos muito do que não é nosso. A minha primeira poesia do livro é sobre isso e tento ir costurando poesia à poesia e ao mesmo tempo descosturando conflitos. O movimento de tentar se compreender é esse movimento de compreender os afetos mesmo quando olho para fora. Para Espinosa, corpo e mente estavam interligados e ele estava estudando isso no século XVII! Baseia-se no desejo, na alegria e na tristeza. Os afetos passivos e ativos, buscando a liberdade do indivíduo, mas não uma liberdade louca e inconsequente, mas uma liberdade baseada na razão e na clareza de si mesmo.
Qual a avaliação que faz hoje do seu livro lançado ano passado "Desrazão" (Giro Selo Artístico) que teve tiragem limitada mas recebeu ótimas críticas?
“Desrazão” é um dos meus livros mais preciosos e foi uma encerramento de ciclo. Uma despedida pessoal e uma homenagem. Foi também uma abertura de minha poesia para uma nova fase que venho trabalhando. Acho que Desrazão ainda está no fluxo...é recente. Gostaria que todo mundo pudesse ler Desrazão e Difíceis Afetos. Aliás, em Desrazão eu propus uma conversa virtual com cada leitor do livro (já que não houve lançamento físico) e foi muito bonito as conversas que surgiram. Essa aproximação me interessa bastante. Ainda estou à espera de alguns leitores... Desrazão é o início de todo esse processo que falei a pouco.
Seu primeiro livro de poesias, publicado em 1997, "Entre o Sol e a Lua", completará trinta anos em 2027. Como o Jean Sartief de hoje avalia a poesia produzida naquele tempo, nos primeiros livros?
Acho maravilhosa essa oportunidade de completar 30 anos de poesia. Qualquer um que aventure-se no meio literário, sabe que é uma luta constante e difícil. Entre o Sol e a Lua, pelo próprio título indica alguém no meio do caminho e era isso mesmo. Sempre foi uma tentativa de me entender, de me descobrir. Tenho carinho por este livro porque vem de outra época (de minha inocência). Eram outros tempos. São poesias que já trazem algum teor sexual, homoerótico, mas com discrição e timidez. Tudo muito na entrelinha. Mas gosto dessa construção. Foi o primeiro passo, o primeiro livro. E vai ter comemoração dos 30 anos, aguardem.
Existe interação entre poetas brasileiros radicados em Portugal e poetas portugueses? Existe acolhimento por parte do mundo literário lusitano para os artistas brasileiros migrantes?
Acho que não só em Portugal, mas em qualquer país, há espaço, mas também é uma articulação, uma construção. Nunca é oferecido de bandeja. É preciso começar um novo caminho do zero. Vejo interação e afinidades entre poetas brasileiros e portugueses, mas não podemos ser inocentes, não há regra. Como artista estrangeiro, sou mais um entre tantos outros de diversos países (não somente em literatura, mas em todas as expressões artísticas). É preciso unir-se e buscar as possibilidades de interação. A Urutau é um exemplo de posicionamento e abertura. Sim, há interação e há panelinhas como em qualquer lugar do mundo.
Como vê os crescentes atos de racismo e agressão contra imigrantes em Portugal? Esse cenário atinge o mundo cultural?
Os atos de violência, os crimes de ódio contra imigrantes são inadmissíveis, mas estão se espalhando pelo mundo e é algo articulado. Uma violência impulsionada pelo discurso hediondo da direita. Depois, tentam justificar colocando todas as mazelas na mesma panela...o racismo, a xenofobia, a homofobia, o feminicídio, a violência doméstica, os refugiados, os problemas com a educação, com a saúde, o turismo de massa, o alto custo de vida. Para muitos, isso acaba como um movimento de internalizar a violência em si. É como se a única resposta fosse vencer pela violência e pelo medo. Isso é uma tática dos ditadores. Atinge o mundo cultural e não só aos imigrantes, uma prova é que recentemente (em 10 de junho), um ator português (Adérito Lopes) foi agredido por um grupo neonazi, em Lisboa porque ele estava chegando e cumprimentando os colegas atores antes de entrar no teatro A Barraca, para trabalhar. Uma violência absurda e inimaginável. Os neonazis, que estavam num restaurante nas proximidades, acharam por bem provocar uma das atrizes e espancar os atores porque a cultura está associada à esquerda. Estavam com panfletos dizendo “Portugal aos Portuguezes”. Assim, escrito com “Z” porque seria uma alusão aos portugueses puros. Sim, acreditem, há uma pauta atual da direita sobre os “portugueses puros”. Ou seja, puro suco do nazismo. É um absurdo. Revoltante.
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