Cacos e Pregos reúne vinte prosas curtas jornadas de descobertas, amores, dores, amizades

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João Manoel Medeiros, uma prosa de gente que recolhe seus cacos e arranca seus pregos

Foi mancomunado com suas referências artísticas e sentimentais que o autor lançou Cacos e Pregos (2022), obra que percorre poética e narrativa

03 de agosto de 2022

Jana Maia

João Manoel não anda só, carrega consigo vozes como Ângela Ro Ro, Cazuza e Clarice Lispector, através de seus guias ele propaga sua voz pessoal num livro “nem de rir, tampouco de só doer”, cheio de jornadas de descobertas, amores, dores, amizades, bem como o peso dos laços familiares e afetivos revirando cada canto dessas histórias de menino, de homem, de mulher, de gente. É possível aproximar-se um tanto do autor por intermédio das suas palavras que alargam o olhar para dentro, de si e do outro, mas é também evidente a linha que o separa de seus personagens. É que João Manoel escreve sobre a vida, como não vê-lo, ou não nos vermos, em suas frases fortes? 

…quando ele escreve que viver é esperar ser ouvido. 

J. M. Medeiros é um jovem escritor que desenha as terminações nervosas que tensionam os movimentos: se entender, crescer, sofrer, renascer, suportar, apoiar, impor-se e continuar a amar… principalmente sendo LGBTQIA +, num tempo-espaço tal qual o nosso. Sobre viver esperando o melhor do outro mesmo sabendo o abismo que existe nisso. É sobre, já se repete o mantra popular. Sim, é sobre - viver para almejar companhia, proximidade e desejo no mesmo pacote.

“Mergulhando aos poucos no passado, meu passado sem glória, muita fé, pouco afeto, e tanta solidão.” 

(Sina I)

Com tons de ironia muito bem construídos e um bonito jogo de erotismo em suas palavras, o autor nos conduz em histórias de vida, e do que impacta o verbo viver.  

“Não cuspo, engulo o meu coração sem mastigar.”

(Operação)

Seus personagens jovens lidam com o atravessamento dos que passam, voam, e se vão. Vestígios de uma vida comum. A vida comum do afeto da avó que vira nebulosa, dos amigos que se vão para integrar outras caixas de lápis de cor mais monocromáticas, do pai que nos atinge com uma “palavra bala”.  Essa vida comum que nos traga no filtro de um gudang, suga uma infância infinita, promissora, e nos exala numa realidade de finitude, incerteza, movendo-nos como fumaças de um destino que muda conforme a brisa do tempo.

João não promete a finalização de um “eu” aos seus protagonistas, e sim vidros a serem varridos e pregos enferrujados sem molduras na parede descascada. Penso que porque viver, amar, e doer, é construção eterna. Cai um martelo no pé, gritamos. Ficou pronto o banheiro, amamos. Agora temos cama nova, transamos. Colocamos o papel de parede, odiamos. Cai um tijolo no pé, choramos. E mesmo que um dia seja concluída, ficará velha e carcomida, pois só assim é que pode ser vivida (se me permitem um pequeno verso). É dentro de nós que temos moradia.


“Fui natureza. 

Fui construção. 

Agora sou ruínas. 

Sou ruínas do que disseram ser belo. 

Do que um dia já foi aprazível, do que um dia já foi aceito por todos.” 

(Reconstrução)

    Cacos e pregos foi publicado pela editora Escaleras (que infelizmente encerrou seu trabalho de edição e publicação mas ainda tem exemplares disponíveis para vendas) e pode ser comprado diretamente com o autor em suas redes sociais (@jotamanoel_). O livro possui 84 páginas, uma sinopse de Antônia Cristina de Alencar Pires, Doutora em Literatura Comparada pela UFMG; possui uma orelha assinada por Ingrid Bernardo, estudante de letras e amiga de João Manoel; e um posfácio assinado por Gustavo Tanus. Certamente já colocamos um ponto vírgula na espera por mais histórias como essas.