Khrystal passeia por ritmos dançantes e urbanos e fala sobre a vida com leveza. Foto: Luana Tayze
Agenda Cultural
Crítico e pesquisador Rodrigo Faour assina texto sobre novo trabalho da cantora natalense, com quatro músicas autorais
10 de maio de 2021
Existe um outro Brasil musical, diferente daquele calcado em interesses puramente comerciais, que vem dominando a cena da música nas últimas duas décadas. A potiguar Khrystal é um exemplo de artista que não abre mão de um trabalho autoral contundente e bastante renovador, baseado ao que há de melhor na tradição de nosso cancioneiro. Em seu novo EP, a cantora e compositora revigora um Brasil musical ainda muito criativo, trazendo a novidade de voltar-se para além dos gêneros nordestinos registrados em trabalhos anteriores. Agora ela trafega por canções românticas longe da pieguice e azeitados sambas e temas jazzísticos num EP de quatro faixas, elaborado com recursos da Lei emergencial Aldir Blanc do edital de fomento à cultura de seu estado natal.
Fora do Rio Grande do Norte, onde é Khrystal mais conhecida, muitos podem já tê-la visto cantar em outros palcos do país sem ligar o nome à pessoa. Ela foi uma das Elzas Soares do aclamado musical “Elza”, que foi levado a diversas capitais brasileiras há dois anos com imenso sucesso. Sim, ela também é atriz – o que lhe rendeu inclusive uma indicação ao prêmio Kikito no Festival de Gramado de melhor atriz coadjuvante pelo filme “A luneta do tempo”, de Alceu Valença, em 2015. Por essa época, por dois anos seguidos foi convidada pelo maestro Spok a cantar no famoso Galo da Madrugada, no carnaval de Recife, e antes disso, já excursionou pelo Nordeste com Cátia de França e Xangai.
Porém, além da bela voz e forte presença cênica nos palcos e discos, ela possui um grande diferencial. É também uma compositora e letrista de mão cheia, que aprendeu ainda muito jovem, no bairro pobre de Gramoré, na zona norte de Natal, onde morava, prestando a atenção nos pregões dos vendedores, nas conversas de vizinhos e no universo doméstico de uma família numerosa e faladeira, daí sua poética rica, com vocabulário incomum.
Pois agora, com vinte anos de estrada, quatro álbuns lançados, participação no The Voice Brasil, em festivais e alguns prêmios no bolso, esta artista de 39 anos mostra toda sua bagagem no EP “Khrystal”. Produzido pelo baixista Paulo de Oliveira e pelo guitarrista e violonista Roberto Taufic – este último, parceiro em uma faixa do EP, que conta ainda com o baterista Darlan Marley – o EP traz um repertório que passeia por canções refrescantes, de modo a dar um alívio a uma época já tão saturada de tristezas e perdas como a atual. Musicalmente, tudo foi feito em conjunto com sua banda – arranjos e mesmo a direção musical.
“Já é” (Roberto Taufic/ Khrystal) tem um estilo tropical/caliente que remete à chamada “música-baile”, bem popular na boemia de Natal. “Ancorado em si” (Leonardo Costa/ Khrystal) é um samba-jazz pulsante, enquanto “Viva a voz” (Khrystal/ Valéria Oliveira) é um tema jazzístico à brasileira. “Amor de cinema” (Khrystal/ Simone Talma) não se pretende mais que uma suave canção romântica. Todas ganharão vídeos próprios nas próximas semanas, a serem divulgados nas redes sociais da cantora.
Entre a reflexão, a ironia e o romantismo
Apesar da leveza, isto não significa que as letras das quatro novas canções não tragam uma ironia fina sobre nossa situação trágica contemporânea, o que está claro logo na primeira faixa, “Já é”, que ao mesmo tempo consegue tirar sarro da nossa própria desgraça (“terraplanistas passarão brincando”), para a seguir aconselhar a todos uma dose extra de paciência para passar por esses tempos sombrios, evitando provocações baratas (“Dizer é prata/ Não dizer é ouro/ Pois no sossego é que mora o tesouro”) e ainda conservar o melhor de si (“Cuida de fortalecer todo seu bem querer/ Que o tempo não espera”).
Nos contratempos das tônicas de “Viva voz” é exaltada a força das palavras que, pelo viés da música, pode literalmente dar voz a tantos que nem sempre são ouvidos: “Viva a voz/ Que explode dos tambores, do lugar de fala/ Que toca o coração do outro e que abala/ O que foi estabelecido em tempos de senzala”. Para bom entendedor, um tiro (de amor) certeiro.
Em “Ancorado em si”, algo Taoísta, busca ainda outras vozes do ser, em harmonia com o meio ambiente, em tom de meditação: “Silenciar pra escutar a voz de dentro” ou “Sê mansidão em águas bravas/ Bambu que não quebra no vendaval/ Passa o vento e já retorna à posição original”, reiterado nos versos finais: “Das lições da natureza/ Só aproveita quem sabe ler o sinal”. Mas a utopia também aparece nos versos românticos de “Amor de cinema”, que roga por paz, maturidade, perdão e calor nas relações.
Enfim, Khrystal - versão 2021 – é assim. Mais zen-afiada do que nunca, de olho nos sinais da espiritualidade e atenta aos perigos de dentro e de fora do ser. Quem ainda não a conhece tem agora essas quatro pílulas de felicidade musical e não pode mais dizer a máxima de que “não se faz mais música boa no Brasil de hoje”. Ainda se faz e com muita alma.
Texto: Rodrigo Faour, jornalista e pesquisador.
Confira "Amor de Cinema"
https://www.youtube.com/watch?v=0RRr_Jnns90
O EP "Khrystal" encontra-se disponível em todas as plataformas digitais.
Site: www.khrystal.com.br
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