Presidente da JOCA, Francisco Melo: fortalecer a cadeia produtiva. Foto Moraes Neto

É Típico!

Lei do Mel: Produtores do RN pedem regulamentação da meliponicultura

A expectativa é que a governadora Fátima Bezerra assine o decreto regulamentando a Lei 10.497 que normatiza a produção do mel da abelha nativa

17 de fevereiro de 2021

Agência Sebrae | Alberto Coutinho

 Pequenos produtores de mel de abelha nativa, sem ferrão, serão beneficiados com a regulamentação da Lei estadual Nº 10.497 que trata da atividade de meliponicultura no Rio Grande do Norte. A expectativa é que o decreto que regulamenta a Lei seja assinado pela governadora do Estado, professora Fátima Bezerra, e publicado no Diário Oficial do Estado ainda no primeiro semestre deste ano. Os meliponicultores estão confiantes que, uma vez vencida a burocracia, a atividade seja alavancada com a melhoria da produção, ampliação do mercado e da própria cadeia produtiva do mel de Jandaíra produzido principalmente nas regiões Central, Oeste e Mato Grande.

Líderes das associações de meliponicultores, AMEP e JOCA, juntamente com representantes do Sebrae-RN, Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA e do próprio órgão fiscalizador, IDIARN - Instituto de Defesa e Inspeção Agropecuária do Estado do Rio Grande do Norte, reunidos num comitê articulado pelo Sebrae, elaboraram o texto de um regulamento da Lei Nº 10.497 e entregaram em recente reunião com o secretário de Agricultura, Pesca e Pecuária do RN, Guilherme Saldanha, e o diretor geral do IDIARN, Mário Manso, no Centro Administrativo, em Natal.

O Secretário de Agricultura, Pesca e Pecuária do RN, Guilherme Saldanha, acredita que com a regulamentação da Lei, ganha toda a cadeia produtiva porque fortalece a atividade que é desenvolvida por pequenos agricultores e agricultores familiares. E o Rio Grande do Norte, segundo ele, dá o exemplo, porque tem dois produtos com uma legislação específica tratando de forma regional as suas normas. “Além dos queijos regionais, temos o mel de abelha sem ferrão”, cita, lembrando que o Brasil tem as suas diferenças regionais, com suas especificidades, e que é preciso ter um olhar muito atento para esses aspectos.

“Os pequenos produtores que praticam a agricultura familiar merecem essa atenção e incentivo para possamos ampliar essa cadeia produtiva e que esses produtos possam ser comercializados no mercadão de São Paulo, no mercado de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro de forma segura para quem vende e para quem compra e vai consumir”, defende Saldanha.

O secretário da SAPE lembra que a governadora Fátima Bezerra tem um vínculo muito forte com as questões dos pequenos produtores e agricultores familiares e que, vencida a burocracia, e tramitado nos órgãos jurídicos do Estado, o decreto governamental poderá ser publicado no Diário Oficial até meados deste ano.

O vice-presidente da Associação de Meliponicultores e Meliponicultoras Potiguar (AMEP), Ivan Santa Rosa, destaca a importância da regulamentação da atividade, visando acabar com o trabalho informal, já que não há uma legislação regulamentada que dê amparo legal na produção e comercialização dos produtos, desde a própria colônia, que é trabalhada de forma racional e fazendo a sua multiplicação, até na produção do mel e derivados, como propólis e geopropólis, que são ricos em valor, mas não estão regulamentados.

O meliponicultor lembra que os produtos da abelha sem ferrão sempre foram vendidos em feiras livres e no porta-a-porta, de forma muito inibida porque não há uma legislação que garanta a introdução e exposição nas prateleiras de supermercados e lojas especializadas, que exigem certificado de origem e até selos de qualidade. Ivan Santa Rosa estima que 90% dos meliponicultores são agricultores familiares que precisam obter uma melhor renda com a atividade, de forma a preservar o meio ambiente e a própria atividade.

Confiante na regulamentação da Lei do mel, o vice-presidente da AMEP disse estar satisfeito com os resultados obtidos pelo comitê, que reúne o Sebrae, a UFERSA, o governo estadual e principalmente a cadeia produtiva, que tem a prática do dia a dia da atividade de tradição milenar. “Nós estamos confiantes porque não há motivo para que a meliponicultura não seja, de fato, regulamentada, porque os benefícios são inquestionáveis e o que tinha de ser visto pelos órgãos competentes e pela própria cadeia produtiva, já foi amplamente discutido”, afirma Ivan.

Produtores e representantes do comitê entregam texto para regulamentação da Lei do mel. foto: Moraes Neto/Sebrae

Berço genético

O presidente da Associação dos Jovens Agroecologistas Amigos do Cabeço (JOCA), Francisco Melo Medeiros, acredita que, com a regulamentação, será estabelecida de fato uma cadeia produtiva no estado. “Para a gente que mora e produz em Jandaíra, que é um berço genético dessa abelha, onde há uma profunda relação da população com essa espécie, e por ser uma região propícia à produção desse mel com características diferenciadas, só faltavam a Lei e a sua regulamentação para que possamos comercializar de uma forma adequada o mel de jandaíra”, comemora Francisco.

Em Jandaíra existem 40 produtores de mel de abelhas nativas sem ferrão, sendo parte já bem organizada e outros que estão em processo de organização para o fortalecimento da cadeia, contando inclusive com o apoio do Sebrae-RN e a Fundação Banco do Brasil, através da instalação de novos meliponários familiares, pelo Projeto de Meliponicultura Sustentável de Jandaíra.

Com a regulamentação e a certificação da primeira Casa de Mel no Rio Grande do Norte para o mel de abelhas Jandaíra, o produto terá um valor agregado porque dará mais confiabilidade para quem vai adquirir e consumir, sabendo a região em que está sendo produzido e processado da forma adequada para dar segurança alimentar ao consumidor.

A Casa de Mel está sendo instalada no Povoado do Cabeço, em Jandaíra, distante 124km de Natal, e pertence à JOCA, associação que trabalha em defesa da meliponicultura. A edificação está em fase final para certificação pelo IDIARN e após a conclusão da obra, que foi toda edificada em conformidade com as normas da legislação para produtos de origem animal, especificamente da meliponicultura, a casa de mel deverá receber a certificação até o final do segundo trimestre deste ano.

O gestor de Apicultura e Meliponicultura do Sebrae-RN, Daniel Dias, lembra que o Rio Grande do Norte é um dos poucos estados com uma legislação para a meliponicultura, tendo aprovada há dois anos a Lei Nº 10.497 que reconhece a atividade do meliponicultor e autoriza a produção, comercialização e transporte das abelhas nativas sem ferrão. “Elaboramos de forma coletiva, através de um comitê com diversos atores da cadeia produtiva, um texto de regulamento que foi entregue ao Secretário de Agricultura do RN. O intuito é estabelecer as regras e os desmembramentos da Lei, de forma ordenada e preservando as espécies, trazendo ainda, segurança jurídica e alimentar, além do incremento e abertura de mercado para os produtores”, explica Daniel Dias. 

Rota do Mel

O professor do Centro de Ciências Agrárias da UFERSA, Jean Berg Alves, lembra que a meliponicultura é uma tradição secular no semiárido norte-rio-grandense, cuja criação é feita de maneira informal, o que dificulta a comercialização e reduz o preço do produto. Para o professor, a regulamentação é extremamente importante para fazer com que o produtor ganhe mercado e cresça juntamente com atividade, chegando a comercializar seus produtos para outras regiões e até exportar para outros países.

“Essa regulamentação atende a uma demanda importante do consumidor, porque vai garantir que ele está comprando um produto idôneo, de boa qualidade e que não representa risco à saúde. Com isso, ganha o produtor, a cadeia produtiva e o consumidor”, avalia Jean Berg, que é médico veterinário.

Um levantamento da UFERSA, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional - MDR, identificou a existência de 160 meliponicultores em atividade todo o estado, registrando uma concentração na região de Mossoró, no oeste potiguar, e na região do Mato Grande. O MDR traçou e desenvolve a Rota do Mel nas regiões Central, Oeste e Mato Grande.  

Com a regulamentação, será possível os quase 200 produtores acessarem o mercado local, colocando os produtos nos supermercados, redes de lojas de produtos naturais e regionais e até em lojas de aeroportos, que oferecem como um produto que pode ser levado como lembrança de viagem. “A Jandaíra tem uma característica que é produzir uma quantidade de mel menor do que a abelha Apis, que é a mais criada no país inteiro. Mas a junção de forças das associações permitirá um ganho de produção em maior escala para atender ao mercado consumidor”, afirma Jean Berg, acreditando que haverá a organização da cadeia produtiva, permitindo ganhos como agregação de valor, mais lucro e expansão do mercado.

A fiscal estadual agropecuária do IDIARN, Débora Villar, explica que com a Lei estadual Nº 10.497 de autoria do deputado estadual Souza, aprovada em 2019, o IDIARN necessita da regulamentação para legalizar os pequenos produtores do mel de abelha sem ferrão no estado. A criação do comitê, segundo ela, uniu a pesquisa, as associações, o Sebrae que fez a articulação institucional e o IDIARN, que trabalha diretamente com as normas sanitárias. ”Conseguimos unir esforços para uma regulamentação que fosse condizente com a realidade e que desse condições, de fato, ao produtor de se adequar para poder comercializar o seu produto. A ideia é que futuramente possamos criar plantas de projeto padrão para serem disponibilizadas aos meliponicultores para facilitar o processo de legalização no IDIARN”, afirma Débora.

No município de Jandaíra há uma unidade de beneficiamento de mel, construída através do projeto Governo Cidadão, com recursos do Banco Mundial. Segundo Débora Villar, a unidade está em processo de conclusão para fazer vistoria final pelo IDIARN, que concederá o registro para a indústria, ainda neste ano.

Médica veterinária, Débora Villar, explica que o mel de abelha nativa sem ferrão é um produto mais líquido e tem uma umidade maior. Por essa razão, principalmente, a norma é importante para estabelecer critérios de manipulação, assim como de estrutura física e de equipamentos. “É um produto mais perecível, que pode se estragar com mais facilidade, diferentemente do mel da Apis que tem uma umidade muito menor. Quando formos fazer uma análise fiscal precisaremos saber quais são os parâmetros desse mel para termos um padrão à comparar, visando ter um indicativo de fraude ou não” diz.

Atividade secular

Desde 1950, através da Lei Nº 1.283 do Ministério da Agricultura, ficou estabelecida a prévia fiscalização de todos os produtos de origem animal, como leite, mel, pescado, ovos e carnes diversas. Para o produtor poder comercializar esse tipo de produto, precisa estar registrado em um órgão de inspeção sanitária. O IDIARN realiza o registro e inspeciona as indústrias que pretendem vender em seus municípios e nos demais municípios do estado.

Apesar de a meliponicultura vir sendo praticada há muito tempo, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ainda não tinha definido uma norma que estabelecesse o mel de abelha sem ferrão como um alimento de fato e que pudesse ser comercializado. “Se tratava de um produto que ainda estava sob muitos estudos para se conhecer as características físico-químicas, microbiológicas e estabelecer parâmetros. Foi editado o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), através de um decreto editado em 2017 no qual foi inserida a previsão da produção de mel de abelha sem ferrão. No entanto, a legislação federal não detalhou como seria desenvolvida essa atividade”, lembra Débora.

Atividade secular praticada pelos povos nativos da América Latina, em especial do Brasil e México, a  meliponicultura é a criação racional de abelhas sem ferrão, especialmente das tribos meliponini e trigonini. Na meliponicultura, as colméias são organizadas em Meliponários.

Fazem parte do comitê, articulado pelo Sebrae-RN, a Associação de Meliponicultores e Meliponicultoras Potiguar (AMEP), a Associação dos Jovens Agroecologistas Amigos do Cabeço (JOCA), a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), o Instituto de Defesa e Inspeção Agropecuária do Estado do Rio Grande do Norte (IDIARN) e Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (Emater).