No raro campo da crítica literária, duas obras chegam aos leitores potiguares
Agenda Cultural
Thiago Gonzaga compila autores negros do RN e Manoel Onofre analisa romances e autores que considera essenciais
28 de abril de 2021
por Alexandre Alves
Na enxurrada de lançamentos já saindo e prestes a sair – significativa parcela deles pela Lei Aldir Blanc –, a literatura produzida no Rio Grande do Norte ainda possui uma evidente lacuna na área da crítica literária. Se antes havia nomes na ativa na UFRN como Tarcísio Gurgel, Diva Cunha e Humberto Hermenegildo de Araújo (trio que escreveu várias obras essenciais sobre a literatura local), hoje em dia são raros os que se atrevem a tratar da produção literária potiguar. Atividade essencial em qualquer lugar do mundo que se preze na área cultural, a crítica, neste caso a literária norte-rio-grandense, parece estar adormecida.
Entretanto, dois novos lançamentos demonstram uma sobrevida nesta área. O jovem pesquisador Thiago Gonzaga e o já experiente Manoel Onofre Júnior acabam de lançar obras tratando das letras e nomes da literatura feita nas terras potiguares, seja do presente ou do passado. São livros vitais para uma leitura mais ampla sobre o que se escreve (ou se escreveu) nas letras deste estado esquecido pelos próprios habitantes. Muitos deles pouco leram um livro de escritor local, seja por desconhecimento ou uma obtusa negação de que autores regionais são inferiores (isto inclui vários autores locais que desconhecem a rica produção potiguar).
Por essas e outras é que o trabalho da crítica literária é essencial para o cenário cultural: no mínimo, ela aponta a existência e, no máximo, analisa obras e autores no sentido de lhes dar visibilidade à literatura do lado de cá dos trópicos. Mãos à leitura.
THIAGO GONZAGA, “Literatura afrodescendente do RN: século XX” (2021, Editora 8, 70 páginas)
Compilando textos de autores negros ou que tratam do negro na literatura norte-rio-grandense, o jovem pesquisador traz uma breve introdução de doze páginas nomeada “O negro no Rio Grande do Norte”, indo desde a chegada do negro às terras potiguares até chegar ao hoje lendário poeta marginal Edgar Blackout Borges falecido na década de 1990. Além desta seção inicial, há mais duas outras partes nomeadas “Como o negro é retratado na literatura norte-rio-grandense”, estando dividida em poesia e ficção (esta trazendo apenas fragmentos de obras).
Elas acabam servindo como breves compilações de autores que são negros – por enquanto, foram descobertos pouquíssimos na poesia, como Bianor Paulino, João Batista de Morais Neto e Blackout – ou que figuraram o negro como cerne da produção literária em prosa (Câmara Cascudo, Cosme Lemos, Miguel Cirilo, entre outros).
Segundo a obra, o mais antigo texto a figurar um negro é do poeta Segundo Wanderley (1860-1909), que ainda no século XIX produziu o poema “Escravidão”, mas provavelmente o primeiro pode ter sido o assuense José Leão (1850-1904), que publicou os poemas “O negro fugido” e “A escrava no leito” na obra “Aves de arribação” (1877), nome a ser lembrado em uma próxima revisão do livro, mas cuja perseverança de Thiago Gonzaga já vale toda a atenção e leitura.
MANOEL ONOFRE JÚNIOR, “O desafio das palavras” (2020, Editora 8, 220 páginas)
Em 31 textos divididos em uma dupla de seções – a última é nomeada “Vida literária” e possui cinco breves ensaios –, a já conhecida escrita de Manoel Onofre Júnior (autor de mais de quinze livros na área) vem tratando de nomes potiguares e alguns nacionais, estes presentes no cânone já bem marcado da crítica literária brasileira, a exemplo de Jorge Amado, Ascenso Ferreira, Lima Barreto e Gilberto Freire. Também surgem alguns poucos lusitanos, como Eça de Queiroz e José Saramago, além do texto “Grandes romances”, no qual discorre brevemente sobre Cervantes, Balzac, Dickens, Melville e Garcia Márquez, entre outros, tudo no intuito da indicação da leitura dos autores citados.
Entre os autores nacionais, a atenção maior recai sobre o texto “O conto brasileiro: biblioteca básica”, no qual Onofre Júnior lista treze nomes essenciais, indo de Machado de Assis até o contemporâneo Dalton Trevisan. Entre os potiguares, Onofre Júnior mira os autores já com presença marcada nas letras locais, entre eles o currais-novense José Bezerra Gomes, a poesia da natalense Palmyra Wanderley, o contista Bartolomeu Correia de Melo e o dramaturgo Racine Santos (contemporâneos dos anos 2000 se fazem presentes com o mossoroense David de Medeiros Leite e o ficcionista François Silvestre de Alencar).
Mas o melhor texto é “Coisas de província”, cujas linhas recaem sobre os autores potiguares mais preocupados com autopromoção elogiosa nas redes sociais do que com qualidade do livro lançado. Realmente, a autocrítica parece passar bem longe de certos nomes potiguares e, mais uma vez, a crítica literária, como a do leitor experiente que é Onofre Júnior, se faz necessária.
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