A linguagem artística de Falves Silva é expressão cosmopolita de comunicabilidade

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Livro: a subversão de Falves Silva em 12x9+n=y

Artista trabalha o desenho, a colagem, o grafismo e conceitua o que pretende dentro de temáticas que exploram erotismo e política

14 de agosto de 2020

Por Dácio Galvão | Escritor

Ele faz parte da paisagem útil da cidade. Nasceu em Cacimba de Dentro na Paraíba, em 1943. Mas adotou Natal ou ela o acolheu. Não dá para se decifrar direito. Ambas possibilidades se confundem e se projetam eventualmente também em reciprocidades. Interseção. Algo incomum para quem desenvolveu no tempo e na vivência uma forma cambiante e muito peculiar de se manifestar. A linguagem artística de Falves Silva é expressão cosmopolita de comunicabilidade. Uma das expressões entre muitas desta urbe.

 Dele recebi recentemente seu livro de artista com o título “12x9+n=y”. Na dedicatória a advertência: “para o poetamigo esta sub-versão da minha produção ao longo dos últimos 50 anos”. Título enigmático para quem não tem conhecimento do movimento do poema-processo acontecido entre os anos de 1967 e 1972.  Desdobramento de uma das vertentes da poesia concreta enfeixada por Wlademir Dias-Pino o poema-processo foi onde Falves Silva deitou e rolou numa militância para todo o sempre.

O que ele define como uma versão por baixo (sub-versão) é na verdade uma ponderação tática de uma leitura muito bem explorada do livro Poemics, de Álvaro de Sá, de 1991, companheiro de luta poética. Quadrinhos sem palavras, semióticos. Na verdade, o que realiza é uma sublevação onímada. Falves trabalha o desenho, a colagem, o grafismo e conceitua de cara o que pretende dentro de temáticas que explora desde o erotismo e política engatilhados em fragmentos que apontam aqui e ali a mira para a pop-art, o cinema novo, suprematismo, construtivismo...

Nessa pegada vai celebrando os 100 anos do Modernismo. Aparecem irrompendo por entre infindáveis desenhos de balões típicos da linguagem quadrinizada os amigos e companheiros de viagens Anchieta Fernandes e Moacy Cirne. Exercícios de eclipses, face oculta da lua, imagens estelares luminescentes, apropriações fotográficas de Freud, Karl Marx, Marilyn Monroe deslocadas de um dado contexto para adquirirem novas cargas e voltagens semânticas experimentárias. Ready mades de foto-imagens evocação Dada de  Marcel Duchamp.  

Ultrapassada a condição da palavra no qual estava inserido o percurso do poema-processo a linguagem em quadrinhos com ou sem humor assumia posição antiverbal radical. Balões cedem espaços para retículas, axiomas aritméticos, caracteres fonéticos por exemplo. O centro do interesse era exatamente este. Utilizar a palavra quando imprescindível. Nesta direção Álvaro de Sá faria o 12x9 utilizando sinais alfabéticos, matemáticos, geométricos e retículas articuladas totalizando significados. Segundo Moacy Cirne (em Vanguarda: um projeto semiológico, 1975, se somariam à essas inovações quadrinizadas os poetas Ronaldo Azeredo (concreto) com o “Sonho e o Escravo” e Armando Freitas Filho (poeta práxis) com o poema História em Quadrinhos estampado no livro a Marca Registrada. Indica ressalvas ortodoxas, mas não os descarta como pontos contributivos na constituição de uma tradição de mais uma vertente criativa contemporânea brasileira.   

O que se usufrui da dedicada pesquisa prospectada por Falves Silva em dialogismo permanente com fontes da artísticas variadas é a depuração oriunda da maturidade de quem equaciona extremos de linguagens há tempos. Atualiza e traz presentemente os quadrinhos para o campo visual dentro de uma perspectiva formal. A poética dimensionada em simbologias. Nesse ponto vem mantendo-se fiel na consolidação visual que se propôs. É a materialização de uma trajetória árdua fora dos pódios, mídias concessivas, consumismo convencional. Ainda assim estamos assistindo galeristas do suldeste do Brasil bancando a produção ultra radical desse artista gráfico-visual que não cede aquilo que acredita. A arte pode não ser protagonista de mudanças totais mas pode ser uma ferramenta potente no processo coadjuvante da política social. Não à toa políticos inteligentes a ela se aliam, ou políticos desestruturados  tentam utilizá-la equivocadamente. Ou ainda mais a mais tentam abolir suas consequências como produção. A arte... Resiste! É ler 12x9 + n = y.