Afinidades literárias aproximaram Hélio Galvão e Oswaldo Lamartine. Foto Candinha Bezerra

É Típico!

Livro reúne cartas de Oswaldo Lamartine a Hélio Galvão

"Abraços - Correspondências de Oswaldo Lamartine com Hélio Galvão" traz fragmentos da grandeza intelectual dos dois autores

11 de dezembro de 2020

Cinthia Lopes

Responda, homem de Deus”, suplicou Oswaldo Lamartine depois de enviar o terceiro bilhete sem resposta ao velho amigo Hélio Galvão, nos idos de 1970. Na época, morando no Rio de Janeiro, Lamartine estaria intrigado com o silêncio do conterrâneo. Não sabia se era falta de tempo ou ‘zanga porque fugi do abraço do adeus’ quando aqui passou em um compromisso de trabalho. Mas aí emenda: “Pelo Correio já lhe enviei os livros prometidos (Mandioca e Knivet) e a cópia do microfilme do machado lunar em barro com a informação de Mário Melo...”

A paixão pelas coisas do sertão e a literatura marcaram o encontro entre os dois intelectuais potiguares, um escritor, poeta e sertanólogo, o outro jurista, advogado e historiador. Uma amizade que nasceu tarde, mas foi infinitamente maior que as linhas de correspondência trocadas nos anos que se seguiram até a morte de Hélio Galvão, em outubro de 1981.

Essa proximidade epistolar pouco conhecida do leitor será mostrada no inédito “Abraços – Correspondências de Oswaldo Lamartine com Hélio Galvão”. O lançamento é dia 15 de dezembro, na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, às 16h, pelo Nação Potiguar numa ação da Fundação Hélio Galvão e Escritório Candinha Bezerra.

O evento terá todos os protocolos sanitários necessários, como uso de máscara obrigatório, aferição de temperatura, disponibilização de álcool 70°. Segundo idealizador do projeto Dácio Galvão, será doado parte da tiragem de “Abraços” para a ANRL e todo dinheiro arrecadado durante o lançamento será revertido também para academia.

No pequeno acervo de cartas, postais, aerogramas, bilhetes, notinhas e desenhos é possível conhecer nuances de amizade e descoberta, além de se revelar importante para a compreensão da gênese, senão da própria arqueologia da história intelectual de dois dos maiores escritores do Rio Grande do Norte. 

A seleção de Dácio Galvão permitiu uma organização do diálogo imagético – fotos, telegramas, desenhos e postais. O prefácio de Vicente Serejo é esclarecedor, como o leitor verá, para se entender a importância dessa amizade. A transcrição de Victor H. Azevedo destrincha os garranchos de alguns diálogos quase desaparecidos pela ação do tempo. E as imagens combinam ensaios de Candinha Bezerra e o raro acervo das famílias de ambos.

No prefácio, Vicente Serejo ainda lembra que “as coisas bem guardadas transcendem a todos os limites materiais e ganham o sentido do ouro da amizade, esse que envelhece e se eterniza no vinho tinto do bem-querer”: Ele destaca que embora seja apenas o fragmento de uma grande amizade, o livro traz páginas reveladoras da grandeza intelectual de dois amigos que se acharam lá longe, ainda começo dos anos cinquenta, e nunca mais se perderam.

Para quem conhece, aqui está um pouco da história de Helio Galvão e Oswaldo Lamartine. Na singeleza de um velho aerograma de 23 de julho de 1958, a gênese de duas das mais importantes obras da história intelectual do Rio Grande do Norte. Cerimonioso, Oswaldo comunica a Helio a entrega dos originais de O Mutirão no Nordeste ao Dr. José Vieira, então diretor do Serviço de Informação Agrícola (SIA), do Ministério da Agricultura, Rio, e onde, à época, Oswaldo já residia como funcionário do Banco do Nordeste do Brasil.

Foi por ser portador dos originais de O Mutirão no Nordeste, número quinze da coleção Documentário da Vida Rural, do Serviço de Informação Agrícola, que Oswaldo Lamartine também se tornaria escritor.

Ali, não nascia só a amizade de Helio e Oswaldo com o Dr. José Vieira, diretor do SIA. Mas, a amizade dos dois com o grande ilustrador Percy Lau (1903-1972), um peruano radicado no Brasil e vencedor, como ilustrador, do Prêmio Jabuti de 1964.

ESCRITAS
A maioria das cartas de "Abraços" é de Oswaldo Lamartine, pois Hélio não parece dado a escrever cartas. "É homem ensimesmado, quase sempre calado, mergulhado no seu ofício de advogado e nas leituras eruditas. Naqueles anos, já perseguia em silêncio o rastro de viajantes e navegadores, mapas e diários de bordo, erguendo, de porto em porto, a sua monumental História da Fortaleza da Barra do Rio Grande, abrigada e lançada pelo Conselho Federal de Cultura, (Rio, 1979).”

Oswaldo, por sua vez, reclama de ‘um tempão sem cartas’, mas incentiva o amigo, um homem do mar, a bater-a-sela e fazer rastro, como no sertão. E brinca com o tipo franzino e miúdo de Helio, dizendo que em cavaco de pau-ferro cupim não rói. A carta, outubro de 1961, mostra a intimidade dos amigos e é reveladora da personalidade de Oswaldo. Profano, e com todo gosto, provoca o amigo casto, cheio de fé: “Como vai? Ainda distribuindo bênçãos?”.

SOBRE
Oswaldo Lamartine nasceu em 19 de novembro de 1919, em Natal-RN, e faleceu em 28 de março de 2007. Estudioso das coisas do Sertão do Seridó, região que abarca suas raízes, publicou obras fundamentais sobre a cultura sertaneja, como “Notas de Carregação”, “Apontamentos sobre a Faca de Ponta”, “A Caça nos Sertões do Seridó”, “Conservação de Alimentos do Sertão do Seridó”. Sobre a amizade com Hélio Galvão, Dácio comentou em entrevista no jornal Tribuna do Norte: “Lembro que Oswaldo morava no Rio de Janeiro e quando vinha para cá ficava horas e horas conversando com papai. Aí quando dava meia-noite eu o deixava em casa”.

Hélio Galvão (1916-1981) escreveu capítulos importantes da história do Rio Grande do Norte e sobre o incondicional amor pelo pedaço de chão onde nasceu. Atuou pelos campos jurídico, etnográfico, genealógico, histórico e geográfico. Registrou manifestações populares como o Coco de Zambê, e contou a história definitiva do Forte dos Reis Magos no livro “História da Fortaleza da Barra do Rio Grande, além de “O Mutirão no Nordeste” e o póstumo “Velhas Heranças” (2012).

SERVIÇO
Lançamento de “Abraços – Correspondências de Oswaldo Lamartine com Hélio Galvão” . Dia 15, a partir das 16h na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
FICHA TÉCNICA: Organização Dácio Galvão | TRANSCRIÇÃO Victor H. Azevedo | PESQUISA E REVISÃO Odinelha Targino | PROJETO GRÁFICO Dimetrius Ferreira | ACERVO Fundação Helio Galvão | FOTOS DE OSWALDO LAMARTINE Candinha Bezerra, Naire Lamartine Paiva Lopes | PUBLICAÇÃO FHG e Escritório Candinha Bezerra | Sebo Vermelho