O poeta concretista português Ernesto de Melo e Castro

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LUSO: Morre o poeta, fica a poesia colorindo o mundo discorrendo lirismo

E.M. de Melo e Castro é contemporaneamente o introdutor da poesia concreta em Portugal

05 de setembro de 2020

Dácio Galvão | Escritor
Morre o poeta, fica a poesia colorindo o mundo discorrendo lirismo. Ou morre o poeta-ensaísta e fica o poema-conceito respirando construtivo. Seco na inspiração mas edificador de linguagens no mundo. É nessa perspectiva que se insere a o obra experimental do escritor Ernesto Manuel de Melo e Castro. Soube do falecimento ocorrido nessa semana em São Paulo. 

E.M. de Melo e Castro é contemporaneamente o introdutor da poesia concreta em Portugal. Ele executou publicações fundantes quando lançou no livro “Ideogramas” e disparou na inovação se valendo da vídeopoesia expressa no clipe titulado, ”Roda Lume”, de 1969. Publicou “PO.Ex: Textos Teóricos e Documentos da Poesia Experimental Portuguesa em 1981, em parceria  de Ana Hatherly.

As marcas das poucas leituras que fiz e ficaram entranhadas de suas escrituras foram decisivas para gerar um chão.  Ou seja, nortear conceituações cruciais diante do artefato linguístico e visual. Nos anos 90 impactado por um certo discurso curiosíssimo contido num dos seus livros projetou-se uma admiração que perdura até hoje. Ideias se compondo esclarecedoras. São abordagens vinculadas ao ponto de vista de apropriações de respectivas utilizações de mecanismos criativos transversos. Áreas dialógicas das vanguardas variando no conceitual cibernético por exemplo. A teoria do texto ou do poema “Impossível”.

 

Poema se desenvolve uma decupagem erótica numa matemática aritmética.

Costumo dizer ser este livro de bolso fundamental para provocar a reflexão de certos dados e pensamentos sobre o papel lúcido das vanguardas artísticas históricas. Sem fazer da tecnologia um fetiche estabelecendo-a como meio na disseminação da informação. Embalado na época produzi um metatexto nele estribado. Motivado e numa referência homônima ao livrinho assim o epigrafei: “Dialética das Vanguardas. O conceito de entropia por E.M. de Melo e Castro”.

Quando editei os dois números do periódico “Criação: uma revista vanguarda”, com os artistas Falves Silva e Venâncio Pinheiro, sendo possível apenas uma tiragem restrita e precária circulação, consegui manter contato com o ensaísta luso. Convidei-o para participar contribuindo com o periódico alternativo e independente. Foi pela via da correspondência. De pronto veio o rebate generoso. Me disponibilizou dois poemas inéditos sendo um linguístico e o outro visual explicando detida e sumariamente o processo construtivo. Descreveu de maneira suscinta e caligraficamente a diagramação desejada para seus textos-imagens fazendo um lay out especializando para a escrita e para a imagem.   

Folheando a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, de Natália Correia, seduzido que estava sobretudo pelas transgressões da poética do gênero que sobrecarregasse o escárnio e o maldizer sócio-político medieval eis que vou me deparar com o autor do “Cara LH amas” emparelhado a outros craques da zombaria modernista portuguesa: Cesário Verde, Antonio Nobre, Fernando Pessoa... 

Quando fiz minha dissertação de mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem na Universidade Federal do RN, no Departamento de Letras objetivando sistematizar um caleidoscópio de situações intrigantes que se originavam na poesia concreta paulista e os desdobramentos do neoconcretismo e do poema processo eis que me deparo diante de um poema visual de Nei Leandro de Castro mais que impressionante. De alta voltagem sígnica. O poema

“Decomposição do Nu”, de 1969! Publicado na “Revista Hidra” portuguesa editada por Melo e Castro. O poema que se desenvolve uma decupagem erótica numa matemática aritmética. Números se transmutam em fraturas de imagens sensuais estimulando a leitura produtiva. As fragmentações das representações gráfica numerais remetem a instigadora de formas eróticas humanas. A sacada editorial de Melo e Castro permitiu uma inserção, uma visibilidade no meio produtor ao trabalho de Nei Leandro sem precedentes no horizonte do experimental.

Assim, salpicado, vou carregando este poeta-ensaísta que na verdade não morre. Obra vasta e fecunda nunca se enterra!