Quando os sons da íntima natureza ecoam

Colunas

Madrugada em devaneios

Sinto que chegou a hora de deixar o cais e seguir na estrada dos oceanos insondáveis.

23 de julho de 2021

Lívio Oliveira

 

I

OS SONS da íntima natureza ecoam. Todas as coisas e lembranças vêm em aluvião. Há uma cobrança inconclusa de mudanças e de novas iniciativas. Para isso se movem pedras do pensamento, num ritmo semelhante ao trabalho de Sísifo.

 

As cortinas de um tempo novo, de águas novas, parecem se entreabrir, correndo nos trilhos da memória e da esperança.  Não faço esforço para cessar esse movimento. Ao contrário, sinto que chegou a hora de deixar o cais e seguir na estrada dos oceanos insondáveis. 

II

ÀS VEZES me faltam ideias para escrever. Às vezes me falta um pretexto pra colocar umas tantas palavras num papel em branco ou pra encher uma telinha de computador. Mas o maior drama, a meu ver, é quando a quantidade de ideias pra escrever é enorme e há tantos temas palpitantes e atuais pra jogar com as palavras, numa crônica de jornal ou num poema rápido ou nem tanto. O que fazer numa situação dessas? O que fazer, meu Papa Francisco? Acho que vou seguir o eterno conselho da minha mãe e vou começar de qualquer jeito e por qualquer lugar. 

 

III

VOCÊ FALA de quê mesmo? Ah! Todo dia me falam sobre amizade e sobre outras idealizações. Claro que acredito nisso, mas vamos devagar, meu...amigo. Sou um ser perdido dentro de um ideal de mim mesmo que jamais se realizará. Crio até padrões de mestres e afins, que são espelhos às vezes quebrados, feridos nos vértices.

Isso também não me impede de cultivá-los, que é bem diferente de cultuá-los. E serão sempre e ainda mais mestres quando se dispuserem a aprender. Não foi Guimarães Rosa quem disse: "Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende,"?! Acredito que isso se aplica também aos amigos, que sempre têm o que ensinar e o que aprender. Se não for assim, não tem amizade. Estou certo?

(...) Mas falávamos mesmo sobre o quê, meu bom amigo?

 

IV

NÃO SEI se ainda existem coretos na minha cidade. Fico tentando imaginar que estão espalhados por aí e que há uma bandinha tocando músicas antigas em cada um deles. Junto à aglomeração de crianças curiosas e sorridentes, chegam pássaros de todos os lugares, todos os cantos. Todos participam da música e as crianças dançam hipnotizadas, como em Hamelin.

Só que se conduzem às nuvens brancas de um tempo bom e calmo, sem dores e sem medos, numa ciranda colorida que se eleva até o arco-íris e que causa uma confusão explosiva de cores e amor que não cessa. As notas musicais caem sobre todas as cabeças como pingos suaves de uma chuva amistosa.