Diretor retorna ao terreno que lhe é muito caro, o de mulheres envolvidas em conflitos pessoais
Reportagens
Novo filme de Almodóvar puxa a coletânea disponibilizada pela Netflix com obras primas do diretor espanhol
24 de fevereiro de 2022
Cefas Carvalho
O lançamento de um filme do espanhol Almodóvar (que não assina mais com o prenome Pedro há muitos anos) é sempre um acontecimento para cinéfilos. Além de ter desenvolvido um estilo próprio e facilmente identificável, o cineasta e roteirista continua em efervescência criativa, de maneira que mesmo quando não realiza obras primas, sempre entrega filmes honestos, emocionantes e que convidam a reflexões.
É o caso deste "Mães paralelas", que não chega ao patamar de obras primas como "Tudo sobre minha mãe" e "Fale com ela", mas também não é um ponto fora da curva como "Amores passageiros". Almodóvar retorna ao terreno que lhe é muito familiar e caro: o de mulheres envolvidas em conflitos pessoais e emocionais. Aqui, somos remetidos ao ótimo "Volver", ambos com Penélope Cruz em excelentes interpretações. Quem acompanha com atenção (e devoção) a cinegrafia de Almodóvar sabe que ele tem os chamados "filmes 100% sobre mulheres", na qual os homens entram como meros coadjuvantes, às vezes bem de passagem mesmo. É o caso deste.
Fazer sinopse de filmes do espanhol é tarefa complicada, posto que as tramas são narradas sem ordem cronológica e com sequências de reviravoltas. Mas, "Mães paralelas" tem um ponto de partida mais simples: a fotógrafa Janis (Penélope Cruz) e a adolescente Ana (a ótima revelação Milena Smit) se conhecem no mesmo quarto onde esperam para dar a luz. Elas têm as filhas no mesmo dia e ficam amigas, prometendo se verem. Contudo, uma visita do pai da filha de Janis à criança desencadeia uma série de dúvidas e conflitos.
Dito isto, quem assista ao filme pode esperar uma sequência de investigações sobre relações humanas, desejo, sexualidade e a condição de ser mãe. Inclusive com a personagem da mãe de Ana, Almodóvar discute as complexidades da maternidade, como outro ótimo filme de 2021, "A filha perdida", faz de maneira delicada e objetiva.
Uma surpresa deste filme é que Almodóvar não se limita aos conflitos emocionais, já que nas primeiras cenas sabemos que Janis é neta de ativistas que lutaram contra o regime franquista e foram mortos e enterrados em locais desconhecidos. E ela luta para que descubram as covas coletivas. "Mães paralelas" aborda, portanto, uma questão política que ainda é uma ferida aberta na Espanha: Os mortos e desaparecidos do regime ditatorial de Franco (entre e ) e amplia o debate com a personagem Ana, que não se interessa por política e desconhece a barbárie da ditadura militar. Como no Brasil, inclusive.
Outro achado de Almodóvar é a ênfase na importância da linguagem oral, conhecimentos
transmitidos de avós e mães para netas e filhas, em cenas em que matriarcas relatam histórias e pessoas ouvidas de outras pessoas. São das cenas mais emocionantes do filme.
Há quem tenha criticado o fato do filme "sair" de forma tão brusca da parte dos conflitos emocionais para a procura das covas dos mortos, mas parece ter sido uma opção racional de Almodóvar por considerar que as situações a resolver não eram de tanta complexidade. também li sobre críticas à cena final, na verdade à imagem de alguns segundos que encerra o filme, mas também soa como uma opção poética de Almodóvar. Que aos 72 anos e 22 filmes depois ainda mostra fôlego e criatividade. Um filme para ser visto!
NETFLIX
O filme entrou há poucos dias no catálogo da Netflix. E a plataforma adicionou outros 12 filmes do cineasta espanhol. Confira:
Maus Hábitos (1983)
Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984)
A Lei do Desejo (1987)
Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988)
De Salto Alto (1991)
Kika (1993)
A Flor do Meu Segredo (1995)
Carne Trêmula (1997)
Fale com Ela (2002)
Má Educação (2004)
Volver (2006)
A Pele que Habito (2011)
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