O maravilhamento que está universo das verbalizações do povo é como um ser de rara beleza
Colunas
As palavras, e o entendimento que escapole delas, estejam ou não nos dicionários, fazem florir no espírito humano o sublime
13 de outubro de 2024
Ítalo de Melo Ramalho
No universo das palavras o encantamento com elas parece quase sempre se fazer presente. Já ouvi de um antigo professor sobre uma sensação chamada de maravilhamento. Uma expressão até então desconhecida para mim. E aquilo mexeu comigo a ponto de eu querer saber a extensão dessa sensação verbalizada: maravilhamento. Pouco depois de queimar o quengo, perguntei ao mestre se a minha tradução do termo estava correta. Bom, eu traduzi como sendo uma resposta do conhecimento a preencher lacunas em aberto para antigas e atuais dúvidas. É mais ou menos como um encaixe de ideias em busca de completar-se em um todo.
Pois é, as palavras, e o entendimento que escapole delas, fazem florir no espírito humano o sublime; ou algo próximo disso. Esse entendimento me acompanhou durante anos. Talvez o período em que cursei Letras (sem concluir!) tenha me deixado, naquele tempo, mais sensível, fantasioso com a palavra abstrata, filosófica. Hoje, encaro as palavras na sua objetividade. Mesmo sabendo da saudável existência subjetiva que os vocábulos ganham quando manejados no texto literário. Mas, para mim, hoje, a palavra tem mais peso na sua forma concreta. Pão é pão, beijo é beijo.
Entretanto, as pessoas que perambulam pelas ruas, pelos mundos, não andam pensando no peso da palavra concreta ou abstrata como eu venho tentando descrever. Elas querem comer as palavras junto com o feijão, o arroz, a salada, a proteína... querem comer o sentido, significado da palavra que dá nome à sua fome. Seja qual fome for. Isso também era o que eu pensava antes de me aventurar pelas ruas de Aracaju.
Perguntei: será que é isso mesmo que acontece com a maioria das pessoas? Em um único dia, descobri cinco novas palavras que não fazem parte do habitual mundo dos dicionários. Mas fariam bem se o habitassem. A primeira, foi ouvida na aula de pilates com uma sonoridade ótima: "magoendo". A segunda, foi logo depois, ao sair do estúdio de pilates e dirigir-me à Escola de Música, Som e Movimento, quando escutei "descaralhado". A terceira "maravigold" em uma loja de produtos orgânicos. Por último, as outras duas chegaram aos meus ouvidos na orla da Atalaia e aos gritos de uma suave agressão: "boqueixorelha" e "cachimblema". Não entrarei no mérito do que querem dizer os termos em aspas. Mesmo porque não sei. O que ficou evidente para mim é que a gramática da rua tem o seu próprio peso. Não importa se está gravada em páginas. O que vale é que está na ponta afiada da língua das ruas.
Às vezes criamos cativeiros para neles nos protegermos do mundo. Não imaginamos que o balé das ruas também pode ser, como diz Silvério Pessoa e Climério, em "Rara Beleza", canção maravilhosa do maravilhoso disco "No Grau", a saída para renovação. Leiamos: "Todo dia se renova / no rumo da boa nova / na manhã recém acesa / que irradia e desova / essa alegria de trova / de uma rara beleza". É isso queridos/as leitores/as, entre prescrições e decadências, exclusões e extinções tributárias, a rua sempre responde à nossa sede de maravilhamento com uma boa nova. Vocês podem me perguntar: como entender a mística das ruas? Ao que respondo: Não sei. Não tenho esse poder, a minha força é natural e orgânica. Maravilhou-se?
https://www.youtube.com/watch?v=n48cQjVmVCs Link da música do Silvério Pessoa.
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