Márcia Barbieri prepara lançamento de "Tempo de Cão" e um novo romance para 2023

Reportagens

Márcia Barbieri: 'Publicar A trilogia do corpo me fez perceber que ainda somos um país conservador'

Escritora de romances que abordam relações humanas e sexualidade se diz surpresa que livros sobre este tema ainda choquem o mercado

22 de outubro de 2022

Por Cefas Carvalho

Paulista de Indaiatuba, que mora hoje na capital São Paulo, Márcia Barbieri é graduada em Letras pela Unesp e mestra em Filosofia pela Unifesp. Foi uma das idealizadoras do Coletivo Púcaro e publicou diversos livros, como "Anéis de Saturno" (contos) em edição independente de 2009; "As Mãos Mirradas de Deus" (também contos) pela Multifoco em 2011; "Mosaico de Rancores" (romance) pela Terracota, em 2011, e ganhou prestígio com a "Trilogia do corpo", que aborda sexualidade e relações humanas, composta pelos romances "A puta", "O Enterro do Lobo Branco" e  "A casa das aranhas", todos pela Editora Reformatório (sendo que o primeiro e o segundo foram publicados originalmente pela Terracota e Patuá, respectivamente e depois reeditados. "O enterro do lobo branco foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2018 e "A casa das aranhas" chegou a ser semifinalista do Prêmio Oceanos 2020. Nesta entrevista, a autora fala sobre escrever sobre sexualidade em tempos conservadores, mercado editorial, machismo estrutural na literatura e próximos projetos. Confira: 


Você publicou entre 2014 e 2020 a chamada ´Trilogia do Corpo`, formada pelos romances "A Puta", "O enterro do lobo branco" e "A casa das aranhas" que debatem sexualidade e relações humanas. Como foi o processo de escrita e publicação destes livros e qual a avaliação que faz da trilogia?

O processo de escrita de “A Puta” surgiu pela própria urgência de escrever, eu tinha terminado o romance anterior “Mosaico de rancores” e estava começando a me sentir um pouco solitária, sempre me sinto um pouco assim ao terminar uma obra... A ideia da trilogia não surgiu imediatamente, ao publicar “A Puta” e começar “O enterro do lobo branco” eu percebi que havia certa unidade e que alguns personagens de “A Puta” insistiam em continuar vivos, nesse momento achei que valia a pena fazer uma trilogia com a temática do corpo. Publiquei a primeira edição de “A Puta” em 2014 pela editora Terracota. Levando em consideração que era um livro independente, teve uma boa vendagem e talvez até hoje muita gente tenha contado pela primeira vez com a minha literatura através dele, talvez porque ele gere certa curiosidade. A editora Terracota fechou as portas alguns anos depois e o livro “A Puta” estava esgotado, muita gente me procurava perguntando se haveria uma nova edição. Em 2019 eu publiquei o terceiro volume da trilogia com a editora Reformatório e fizemos uma reedição de “A Puta” e “O enterro do lobo branco”, que tinha sido publicado em 2017 pela Patuá. Considerei que ter os três volumes na mesma editora facilitaria a circulação da trilogia e acho que foi uma decisão acertada. Os livros continuam sendo lidos e procurados por alguns leitores.


"O enterro do lobo branco" foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2018 e "A casa das aranhas" foi semifinalista do Prêmio Oceanos 2020. Qual a sua opinião sobre prêmios literários? Eles realmente colocam luz na produção literária para o grande público?

Eu acredito que os prêmios auxiliem muito na divulgação de novos nomes da literatura, principalmente porque a literatura brasileira é muito vasta e é quase impossível para os leitores consumirem tudo que está sendo produzido atualmente. Sendo assim, os prêmios acabam sendo uma fonte de seleção, muitos leitores acompanham as listas das premiações e leem os autores premiados para tirar suas próprias conclusões. No entanto, sabemos que o mercado editorial, talvez como tudo na contemporaneidade, roda muito rápido e parece sempre exigir novidades.

Na sua opinião, existe uma literatura especificamente ´feminina` (seja temática ou estilística), que só possa ser escrita por mulheres?

Eu acredito que talvez falar de literatura feminina seja uma forma de resgatar o valor das mulheres, pois sabemos que houve um apagamento histórico das mulheres na literatura. Contudo, eu prefiro pensar a literatura de uma forma deleuziana, a literatura feita de devires, e pensando dessa forma qualquer sujeito pode ter um devir-mulher, independente do seu gênero sexual.

O espaço dado a mulheres escritoras é o mesmo oferecido aos escritores homens no mercado editorial? Na sua visão existe machismo no mundo literário?

Com certeza não dá para ignorar o estrago feito pelo machismo em todas as estruturas sociais, inclusive na literatura. Não é uma questão de concordar ou discordar, se fizermos uma rápida pesquisa na história da literatura o número de escritores homens não se compara ao número de escritoras mulheres. No entanto, na literatura feita hoje eu não vejo que existe uma diferença de espaço de acordo com o gênero, acredito que as dificuldades que envolvem o mercado editorial hoje são iguais tanto para homens como para mulheres.


Seus romances abordam relações humanas e sexualidade e o universo deles já foi comparado a autoras como Anais Nin e Hilda Hilst. Como é refletir sobre sexualidade em tempos em que os movimentos conservadores vêm ganhando força e conquistas das mulheres chegam a ser questionadas?

Eu acho totalmente assustador que tenhamos que provar o tempo todo coisas que supostamente já estavam superadas. Nesse sentido escrever e publicar a trilogia do corpo me fez perceber que ainda somos um país extremamente conservador, hipócrita e moralista. Eu realmente não imaginei que depois de autores como Bataille, Jean Genet, Henry Miller, Anais Nin as pessoas ainda torceriam os narizes para uma obra abordando as questões sexuais.

Como foi sua produção literária durante o período mais agudo da pandemia, sem vacinas? Conseguiu escrever e ler?

Para sobreviver eu trabalho em escola, um ambiente ensurdecedor, apesar de todo terror suscitado pela pandemia, eu consegui ler muito e iniciei o meu novo romance “Tempo de cão”, aliás, influenciado pela pandemia.

Como observa o diálogo entre a produção literária das diferentes regiões do país? No Sudeste, por exemplo, leem o que se escreve no Norte e Nordeste?

A internet diminuiu muito as distâncias, eu leio autores de todas as regiões e também sou lida por eles.


Quais seus próximos projetos literários? E o que Márcia Barbieri reserva para 2023? 

Eu publico agora em novembro pela editora Reformatório o romance “Tempo de cão”. “A Puta” foi contemplado com a bolsa de tradução da Pen America e em 2023 será lançado pela Sublunary Editions. Seguirei 2023 escrevendo um novo romance e divulgando “Tempo de cão”.