Algodão Doce reúne contos e crônicas inspirados no cotidiano e nas referências literárias do autor
Reportagens
“Tabacaria” é um dos textos do recém-lançado livro do autor “Algodão Doce”, no qual experimenta a prosa em diversas possibilidades
05 de abril de 2021
Cinthia Lopes
Um conto que experimenta a metafísica em referência ao poema de Álvaro de Campos, heterônimo do poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), levou o autor potiguar Marcos Campos a estar entre os finalistas ao Prêmio Off Flip de Literatura 2021, na categoria Conto. Em “Tabacaria”, o personagem Esteves conta que era aligeirado pela pouca idade quando o meteram dentro do poema. O texto integra o livro “Algodão Doce”, recente investida do autor na prosa de ficção. Outros textos seus “Supremo” (crônica) e “Janelas de Expiar” (poesia) também foram selecionados para as coletâneas lançadas pelo selo literário Off Flip, na programação alternativa da Festa Literária Internacional de Paraty-RJ. O Off Flip destaca autores estreantes, embora tenha em seu catálogo escritores com trajetória estabelecida.
Lançado em janeiro deste ano, “Algodão Doce” é uma agradável reunião de narrativas curtas no qual o autor exercita em crônicas, contos e fábulas, mil possibilidades da prosa de ficção. Personagens tão ricamente descritos, em ambientes reais, que parecem existir de fato. De certa forma existem, pois segundo o autor são inspirados em pessoas que conheceu — ou uma colagem de características de várias delas. Caso da figura que titula o livro, que na verdade é inspirada em uma senhora:
A partir dela nasceu Algodão Doce, "um Zé qualquer de Caiçara do Rio dos Ventos. A garotada o chama simplesmemente de Algodão. Vive, literalmente, com a cabeça nas nuvens, visto que seu cabelo é branco para sua pouca idade. Que não é muita, nem é pouca, é o tempo suficiente para que todos gostem dele".
Outra figura é Maria Cândida, "uma das meninas que frequentavam a badalada praia de Ponta Negra. Tornou-se uma referência no mundo do sexo, embaixatriz que ia e vinha da Europa várias vezes no ano". Já Antero Linho era tão metódico que os amigos o chamavam de Antero Linha, pois nunca saía da rota. "De tanto ler, incorporava alguma personalidade de personagens da literatura", descreve.
A publicação foi lançada com recursos da Lei Aldir Blanc através da chamada pública da Prefeitura Municipal de Natal. Mas Marcos Campos segue empenhado a escrever durante a pandemia e tem mais dois livros para lançar, ambos com patrocínio da Lei Aldir Blanc via governo do RN: “Atropelando Papai Noel”, outro livro de contos que ficou em 1º lugar no eixo zona metropolitana de Natal e um novo de poesia, “Absinto".. "Estou cheio de livros parados. Um pelo que está acontecendo na Off Set e o outro na revisão. Também estou finalizando duas biografias para o livro que a UBERN vai lançar em agosto", contou.
Marcos Campos tem diversos livros e textos premiados ou circulando em publicações culturais. Além do Prêmio Off Flip de literatura, já concorreu no Prêmio SESC de Literatura, em universidades federais: UFRN, U.F de São João del Rey, UFGO, Institutos Federais de Uberlândia-MG e Palmas-PR. E publicou em revistas como Nikkei Bungaku, Philos, Kukukaia, Folha Poética, Revista Toró, Suplemento Acre, Revista da Academia de Letras do RN, Revista Aipim e Huellas de Inspiración. O TL conversou com o autor sobre os processos criativos de “Algodão Doce” e outros temas. Confira alguns trechos da entrevista:
Como começou a escrever Algodão Doce?
Algodão Doce surgiu a passos lentos seguindo um caminho longo. O primeiro conto do livro foi escrito em 2009 e chama-se “O Violino”, Nessa época, eu trabalhava no Banco do Brasil e não dispunha de muito tempo para escrever, mas anotava, em um caderno, tudo que me chamava à atenção. Aos poucos fui escrevendo um ou dois contos por ano. A obra, portanto foi construída em diversas fases. No final de 2019 aposentei-me e logo em seguida veio à pandemia e a quarentena que me deixaram bastante ocioso e a escrita tornou-se opção de trabalho. Foi e está sendo a época mais produtiva de minha atividade como escritor. Descobri-me cronista e relato nas crônicas: (Quarentena, Pecados da Pandemia, Entre Quatro Paredes, A Aurora e O Crepúsculo) o dia a dia de um recluso. Já Algodão Doce, o conto, surgiu da imagem de uma senhora que tem todo o cabelo branco e é uma pessoa encantadora em suas histórias e esquecimentos.
Fale um pouco sobre os temas, personagens e experimentos de prosa do livro...
Os principais temas abordados em “Algodão Doce” são contos policiais (“O Violino”, “A Dança dos Sete Véus” U Seqestro”) contos do cotidiano, fábulas infanto-juvenis (“Algodão Doce” e “A Volta do Boi Misterioso” ), cômicos (“A Senha” e “Cabaré Brasil”) e as crônicas que tratam do cotidiano ou de assuntos ligados a pandemia/quarentena. Já os meus personagens são construídos a partir de personagens reais, A ficção é incorporada aos personagens para tornar a história mais interessante sob o ponto de vista literário. Exemplo, a personagem Dora Elisabete é a associação de duas senhoras que viviam nas Rocas e juntei suas manias em uma só personagem... A Dama do Lotação é verídica é a descrição de uma senhora que conheci num ônibus. Aparecem, também, nos contos personagens de outros escritores que ponho no livro como forma de homenagear autores amigos ou que gosto.
Quem é Algodão Doce, o personagem que dá o título do livro?
“Algodão Doce” é um personagem que dá nome ao conto e em seguida ao livro, e escolhi devido as possibilidades semânticas e mercadológicas do nome. Os personagens desse conto tiveram o sexo alterado. Na vida real é uma mulher idosa que não teria possibilidade de levar um grupo de crianças para conhecer uma gruta. Em contrapartida Surabaya no original é homem (Surabaya Johnny, personagem de Brecht) que virou mulher no conto.
É seu primeiro trabalho de ficção, os anteriores são de poesia. Como foi essa passagem de um estilo para o outro?
“Um Bêbado Sonhador” é meu primeiro livro. Um livro de poesia onde eu mostro a poesia concreta e imagética/gráfica, com o intuito de provocar as mais diversas reações no leitor. É um livro bonito e abriu-me muitas portas por ser inovador e fugir do padrão existente. Meu segundo livro chama-se “Babel”, também de poesia, cujo objetivo é a desconstrução da língua, ele também mostra imagens na construção das poesias. A poesia Latim Babel foi construída com versos em 8 línguas latinas, mostrando na prática a confusão de línguas provocadas pela mítica torre. Outra poesia marcante nesse livro é a “ Árvore da Vida”, nessa poesia a árvore vem podada representando a agressão a natureza. Na poesia ou na prosa minha escrita é o cotidiano recheado com o clássico e as referências do que li, conheci ou gosto. Eu diria que sim! É uma continuação do meu estilo, pois estão presentes no “Algodão Doce” minhas principais características: escrita visual, fantasia/loucura, experimentos e referências a obras clássicas.
No livro você também experimenta recursos gráficos diferentes, como poesia visual...
Sim! Alguns textos aparecem como poesia gráfica, o que é uma característica minha. Pedi a diagramadora para colocar o fio do algodão dentro do conto (saída para o labirinto) e coloquei vários detalhes chamativos. Na página 25 eu digo que o passarinho voou do bolso de Algodão Doce e posou na página 55. Quando o leitor chegar a página 55 encontrará um passarinho pousado. Há uma crônica onde eu substituí o ponto final por barras. No conto “U Seqestro” há o sequestro da letra u no título e em parte do texto. No conto “Violino” eu pedi para as cordas do violino invadirem o texto, a diagramadora foi mais longe e quando o conto chega ao clímax as cordas estão tensas. Vários textos vem dentro de caixinhas como se fossem linguagem do celular ou quadrinhos e também há muita poesia em determinados textos.
De suas constantes referências literárias, o que anda lendo atualmente?
O que eu estou lendo e me chama atenção em outros escritores é na poesia: poesia moderna em versos livres, e poesia concreta, também gosto da vanguarda e da poesia gráfica. Os escritores modernistas russos, poloneses e do leste europeu como um todo são os meus preferidos. Gosto, também, de alguns escritores locais com os quais interajo bastante, principalmente os ligados a vanguarda poética. Na prosa, ultimamente tenho lido Leonardo Padura, Umberto Eco, Éder Rodrigues, Jacyntho Lins Brandão, Júnior Dalberto entre outros.
Mais sobre o autor:
Marcos Antônio Campos tem 69 anos e é formado em Letras, Administração e Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É membro da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins (SPVA-RN), do Instituto Histórico e Geográfico (IHGRN) e da União Brasileiro dos Escritores (UBE-RN). Publicou “Um Bêbado Sonhador” (2016) e “Babel” (2018), além de ser organizador das obras “Pipa” e “Coletâneas pelo País”; foi também colaborador na obra “Terra Brasilis”.
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