Mário Baggio tem textos publicados em diversas revistas literárias e mantém o blog Homem de Palavra

Reportagens

Mário Baggio: "O artista deve ser repórter de seu tempo e o escritor não está fora dessa condição"

Na série Literatura Brasil Afora, escritor fala sobre predileção pelas narrativas curtas e o papel social de quem escreve

06 de julho de 2022

Cefas Carvalho

Nascido em Ribeirão Claro, no Paraná, em 1957, Mário Sérgio Baggio estudou em São Paulo, tendo cursado Jornalismo na UNIP e feito pós-graduação em Comunicação na Fundação Cásper Líbero, residindo na capital paulista até hoje. Publicou livros de contos elogiados como "A (extra)ordinária vida real" (2016), "A mãe e o filho da mãe e outros contos" (2017), "Espantos para uso diário" (2019) e "Verás que tudo é mentira" (2020) Tem textos publicados em diversas revistas literárias virtuais e desde 2014 mantém o blog Homem de Palavra (www.homemdepalavra.com.br). Em entrevista para a série Literatura pelo Brasil afora, falou sobre sua obra, processo criativo, mercado literário e muito mais.

Você tem publicado elogiados livros de contos. Pode se dizer que é seu gênero preferido? Qual a diferença de escrever contos para outros gêneros literários?

Eu sou essencialmente contista. Ainda não me aventurei no romance. Identifico-me com o gênero conto, gosto de escrever narrativas curtas e de rápida solução. Até tenho algumas ideias para romances, mas não senti até o momento disposição para desenvolvê-las. Quem sabe um dia? O meu primeiro contato com esse gênero foi com uma coletânea de Aníbal Machado chamada “A morte da porta-estandarte” (em que estava incluída sua obra-prima, “Viagem aos seios de Duília”), lida ainda na adolescência. Lembro-me de ter ficado impressionado com esse livro, no sentido de perceber que se podia contar uma história inteira em poucas páginas, sem muitas descrições, mas com profundidade. Então, quando comecei a escrever, a escolha pelo conto foi natural. Sigo assim até hoje. Tenho vários arquivos digitais com ideias para histórias e, quando decido desenvolver uma delas, o resultado é sempre um conto, nunca uma novela ou um romance.


Nascido no interior do Paraná e morador de São Paulo como observa o impacto que o lugar onde se reside tem na literatura produzida?

Eu moro em São Paulo desde meados dos anos 70. Eu já vivia aqui quando comecei a escrever. Minha literatura é urbana (embora já tenha escrito textos passados em áreas rurais, com personagens desses contextos). Acho que o ambiente em que se vive determina, em grande parte, a atmosfera da escrita. Isso não impede, porém, que o escritor use a imaginação para escrever sobre um ambiente distinto do que vive. Imaginar faz parte do ofício. Eu sou um grande imaginador, acho. São Paulo, por ser a cidade que é, tem presença constante no que escrevo, mesmo que eu não a mencione diretamente.

Em livros como "Verás que tudo é mentira" você trabalha contos com estilos e temáticas diferentes entre eles. Como funciona seu processo de criar e escrever contos e como é o mecanismo de reuni-los em livro?

Eu penso numa coletânea de contos como se fosse, por exemplo, o CD de um cantor, uma cantora, um instrumentista. Num CD você encontra um samba, um bolero, um rock, uma balada, um rap, uma canção pop etc. Você também encontra uma canção só com voz e violão ou piano, uma canção com arranjo de orquestra, uma canção cantada à capela etc. Meu processo para formatar uma coletânea parte de uma ideia. Que ideia quero desenvolver por meio das narrativas? O que quero comunicar? Tendo isso definido, parto para a escrita. Os estilos que utilizo são demandados pelas próprias histórias e podem ser desde fluxos de consciência até narrativas convencionais com diálogos, ou um conto mais puxado para a prosa poética. Tudo isso depende da história que escolho contar. Em “Verás que tudo é mentira” eu quis abordar o tema das fake news e o fato de as pessoas acreditarem no que queriam acreditar, sendo verdade ou não. Utilizei primeira e terceira pessoas para narrar, lancei mão de fluxo de consciência, criei narrativas truncadas e sem cronologia de acontecimentos, fiz algumas narrativas de cunho experimental etc. Então, meu primeiro passo é sempre definir o tema do livro e, a partir daí, as narrativas vão surgindo. As histórias, às vezes, podem não ter ligação direta com o tema, mas de alguma forma o tangenciam.  

Quais seus contistas preferidos e quais suas influências literárias?

Já citei o Aníbal Machado e adiciono Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Luiz Vilela, Julio Cortázar, Josué Guimarães, Alice Munro, Sérgio Sant’Anna, João Gilberto Noll, Caio Fernando Abreu, Lygia Fagundes Telles. Gosto muito de literatura brasileira contemporânea e da escrita de Alê Motta, Cinthia Kriemler, Sandra Godinho. São todos grandes escritores, mas eu me espelho principalmente em Dalton Trevisan. Seu poder de concisão é fascinante. Tento imitá-lo.


Você publica textos em diversas revistas eletrônicas e é atuante nas redes sociais. Como vê a internet como ferramenta do escritor atualmente?

As revistas eletrônicas são ótimo espaço para os escritores divulgarem seus trabalhos, assim como as redes sociais. Penso que hoje é quase impossível um escritor ficar longe das redes sociais, porque é lá que ele se dá a conhecer, mostra a sua produção, interage com os leitores, vende seus livros. Acho que a internet revolucionou a forma como um artista se relaciona com quem se interessa por sua arte. Já não dá mais para fugir disso.


Acredita que o escritor tem um papel social a cumprir?

Totalmente. Todo artista deve ser repórter de seu tempo. O escritor não está fora dessa condição. Escritor alienado não tem lugar nos dias de hoje. Isso não quer dizer que ele deva escrever panfletos (até pode, desde que essa seja sua intenção), mas não pode ficar alheio ao que acontece em volta, seja no país ou no mundo. De alguma forma os acontecimentos estão presentes em sua cabeça quando ele senta para escrever. Mesmo que ele escreva sobre algo acontecido há séculos, haverá sempre um tangenciamento com algo atual. O escritor Laurentino Gomes com sua série sobre os primeiros anos do Brasil Colonial, e depois sobre a Escravidão brasileira, é um exemplo eloquente disso.

 

Qual sua análise sobre o mercado editorial atualmente e como observa o crescimento das editoras de médio porte e/ou independentes?

Penso que as editoras independentes e as de pequeno e médio portes são a salvação dos milhares de escritores desconhecidos que existem no Brasil. Sem elas, seríamos invisíveis. As grandes editoras não se importam com os escritores que ainda não têm nome (exceção feita àqueles que ganham prêmios e a um ou outro indicado por um escritor de renome). As editoras de menor porte não têm medo do risco de publicar um escritor desconhecido porque, verdade seja dita, as tiragens também são mínimas. Por outro lado, são essas editoras, por seu esforço e dedicação, que mantêm girando a roda literária brasileira e o mercado em ebulição. Se dependêssemos só das grandes editoras, o mercado brasileiro seria pífio e os escritores desconhecidos permaneceriam assim eternamente. A produção literária do Brasil é intensa e, felizmente, há editoras interessadas nisso. E leitores também.

Qual a importância (ou influência) de outras expressões artísticas - teatro, dança, música - para quem escreve literatura?

Toda referência importa. Um escritor que lance mão desse cruzamento de expressões artísticas para produzir o seu texto só o enriquece. O escritor Leandro Leal escreveu o romance “Quem vai ficar com Morrissey?” em que a figura do artista inglês pairava sobre a narrativa, embora não participasse dela. André Giusti é outro escritor que usa seus conhecimentos de cinema e música nos contos e poemas que escreve. Eu mesmo já utilizei personagens de teatro em alguns contos que escrevi.  


Como foi sua produção criativa durante o período de confinamento na pandemia? E acredita que as pessoas leram mais durante aquele tempo?

Produzi duas coletâneas de contos durante a pandemia, fora os contos mínimos que escrevo e publico nas redes sociais. Também li bastante e escrevi prefácios e textos de orelha para as publicações de escritores de meu relacionamento. Não acho que as pessoas leram mais do que já liam antes porque, mesmo confinadas, elas tinham de trabalhar.
 

Quais os seus próximos projetos literários?

Neste primeiro semestre de 2022 sairá a coletânea “Antes de cair o pano” pela Editora Urutau. Esse livro foi selecionado num edital de publicação e fala sobre finitudes (não só a Finitude Maior – aquela que Manuel Bandeira chamou de “a mais indesejada das gentes”, mas também a finitude da ingenuidade, da decência, da dignidade, da perspectiva de futuro, da alegria). E finalizei a revisão de outra coletânea, cujo título é “A vida é uma palavra muito curta”, que estou reservando para o ano que vem. Nesse novo livro falo do tempo, essa entidade que nos acossa, nos apressa, nos aterroriza com sua passagem. E já comecei a fazer anotações para uma outra ideia que me ocorreu. Escrever é o que interessa. Escrever sempre.